Armando Brito De Sá

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EDITORIALRev Port Clin Geral 2002;18:347-8    347criados em Lisboa os primeiros Serviçosde Atendimento Permanente (SAP), como argumento de que, desse modo, sealiviaria a pressão já então crescente so-bre as urgências hospitalares. Para sur-presa dos defensores desse modelo nãose verificou a esperada diminuição dorecurso às urgências. Alegou-se, então,que os médicos de família estariam areferenciar demasiados pacientes dosSAP para as urgências hospitalares,contribuindo desse modo para o seucongestionamento e para a inoperânciadesses mesmos SAP. Um estudo condu-zido nos SAP de Lisboa em 1987 e pu-blicado na Revista Portuguesa de Clíni-ca Geral em 1998 revelou que, bem aocontrário do que era sugerido, 96% dospacientes observados tiveram a sua si-tuação resolvida ou encaminhada semrecurso à urgência hospitalar7. Os au-tores deste estudo argumentaram queos SAP não representavam mais queuma extensão do atendimento de pro-blemas correntes dos centros de saúde,e que era irrealista pensar que à urgên-cia hospitalar só acorreriam os casosnecessitando de tecnologia complexa;defenderam ainda que os hospitais de-veriam assumir a responsabilidade daprestação de algum tipo de CSP e quese deveriam organizar nesse sentido.Neste número da Revista dois tra-balhos debruçam-se de novo sobre oproblema da acessibilidade aos CSPem situação urgente. No estudo deIdalmiro Carraça e colaboradores, rea-lizado no centro de Lisboa, verificou-seque o recurso ao Atendimento Com-Urgência hospitalar eCuidados de Saúde Primários: mitos e faláciasARMANDO BRITO DE SÁExiste em Portugal a ideiageneralizada de que umamelhor acessibilidade aosCuidados de Saúde Primá-rios (CSP), nomeadamente ao médicode família, levaria a uma diminuiçãodo recurso às urgências hospitalares.Se estas estão cheias de doentes e aentrar em ruptura, isso deve-se à inca-pacidade dos CSP em responder às ne-cessidades urgentes dos utentes ins-critos nos Centros de Saúde. A culpa,não expressa mas implícita nesta teo-ria, é dos médicos de família.Na realidade existe abundante evi-dência na literatura contrariando estaimpressão. Problemas de saúde comoa ansiedade e depressão levam a que,paradoxalmente, pacientes que sãograndes utilizadores do seu médico defamília sejam simultaneamente gran-des utilizadores dos serviços de urgên-cia hospitalar1. Factores como classesocial baixa, crianças mais novas ouproximidade ao serviço de urgênciaaumentam a utilização inapropriadados serviços de urgência pediátrica,independentemente do acesso a CSPde qualidade2. Em determinados con-textos urbanos as características so-ciais e culturais de subgrupos popula-cionais específicos, a idade mais jovemdos pacientes e o tipo de problemas desaúde resultam igualmente no recursoexcessivo aos serviços de urgência3-6.Em Portugal, na década de 80, foramDirector da Revista Portuguesade Clínica Geralplementar ocorreu independentementedas condições de acesso ao médico defamília do paciente8. Joaquim Palma,por seu turno, verificou que uma per-centagem relevante de pacientes sentedificuldades de acesso ao seu médicode família em caso de urgência, pro-blema esse que merece análise cuida-da. Contudo, a percepção da gravidadedo problema de saúde por parte dospacientes condicionou a escolha do lo-cal de prestação de cuidados e quase70% dos inquiridos não optaram pelaurgência hospitalar como primeira op-ção de atendimento urgente9.É assim falacioso responsabilizar ex-clusivamente os CSP pela situação nosserviços de urgência portugueses. Numquadro de alocação de recursos que aolongo dos anos tem sido fortemente pe-nalizador dos CSP em detrimento doshospitais e em que se verifica umadiminuição marcada dos recursos hu-manos nos centros de saúde, mesmoassim, os médicos de família têm vindoa aumentar de forma substancial aquantidade, qualidade e acessibilidadedos cuidados prestados aos cidadãos,factos que são reconhecidos pela popu-lação portuguesa10. Apesar destas me-lhorias, continuará a ser inevitável o re-curso por parte significativa da popu-lação às urgências hospitalares. En-quanto tal não for entendido pela tutelae pelas administrações hospitalares, oestado de «pré-ruptura» das urgênciashospitalares permanecerá inalterado.No que toca aos médicos de família por-tugueses, estes estão, de um modo ge-ral e apesar das condições por vezesmiseráveis da sua prática, a assumir assuas responsabilidades e a dar a res-posta de que a população necessita.1. Martin A, Martin C, Martin PB, MartinPA, Green G, Eldridge S. ‘Inappropriate’ at-tendance at an accident and emergency de-partment by adults registered in local gene-ral practices: how is it related to their use ofprimary care? J Health Serv Res Policy 2002;7:160-5.2. Prince M, Worth C. A study of ‘inappro-priate’ attendances to a paediatric Accidentand Emergency Department. J Public HealthMed 1992; 14:177-82.3. Green J, Dale J. Primary care in acci-dent and emergency and general practice: acomparison. Soc Sci Med 1992; 35:987-95.4. Hull SA, Jones IR, Moser K. 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Serão oscidadãos e os profissionais as principais ví-timas da fúria reformista! Médico de Família2002; 32:34-5.EDITORIAL348 Rev Port Clin Geral 2002;18:347-8EDITORIAISREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Urgência hospitalar e cuidados de saúde primários: mitos e falácias

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