Armando Brito De Sá

Directory of Open Access Journals

EDITORIALRev Port Clin Geral 2003;19:541-2    541«Imagine doing a sigmoidoscopy onGroucho Marx?” he’d said, “on MaeWest, on Fay Wray, on Kong! On allthose stars who think that the colon isfilled with cologne.”Samuel Shem, The House of God, 1979No último concurso de in-gresso aos internatoscomplementares ficarampor ocupar 32,4% das va-gas de medicina geral e familiar (MGF).As duas outras especialidades queapresentaram números apreciáveis devagas desertas foram a medicina inter-na e a saúde pública. Tal não nos devesurpreender. A mesma tendência existeem países nos quais a MGF se encon-tra manifestamente mais desenvolvidaque entre nós1,2. Os motivos para a es-colha de uma especialidade têm sidoestudados em pormenor. Os factores decontrole do estilo de vida, com particu-lar relevo para os factores económicos,são consistentemente indicados comodecisivos na escolha de uma especiali-dade3-5. No fundo, os alunos de medici-na limitam-se a ecoar a percepção e ex-pectativas que a sociedade de um modogeral tem da medicina e do acto médi-co. O prestígio médico advém incompa-ravelmente mais da realização de gestosconcretos, mediados por instrumenta-ção mais ou menos sofisticada, invasi-vos da integridade física do ser humano,do que de capacidades de diagnósticoclínico, comunicação, empatia e relaçãomédico-doente. Os primeiros valemmuito dinheiro e estatuto social; os se-gundos valem satisfação pontual e in-centivos «para continuar a ser assim»mas, no final do dia, quando os pacien-tes regressaram a casa e nos esquece-ram até à próxima crise, ficamos só nóse a massagem no ego. É pouco, e os es-tudantes em todo o mundo compreen-dem isso. A evolução para a subespe-cialização da medicina interna é preci-samente resultado deste fenómeno –cardiologia, gastrenterologia e diversasoutras áreas autonomizaram-se da me-dicina interna com base nos procedi-mentos instrumentais que lhes dão oprestígio e o dinheiro, sobrando para amedicina interna uma imagem de cui-dados residuais contra a qual os inter-nistas lutam com manifesta dificuldade.Ser bom clínico, hoje, pouco vale aos olhos da sociedade.Estão de algum modo identificados,por outro lado, alguns dos aspectos queatraem o futuro especialista para aMGF. Incluem-se entre esses a percep-ção da abrangência da MGF6, a vonta-de de trabalhar na comunidade e maispróximo das populações7, e o apoio da-do pelas autoridades políticas e educa-tivas à MGF8. Sabe-se ainda que a exis-tência de figuras de referência no con-texto do ensino pré-graduado e treinopós-graduado influencia as escolhas deespecialidade9. Estes factores, contudo,não chegam para reverter o actual esta-do de coisas. Em Portugal, particular-mente, uma vasta maioria de médicosde família não tem competência, incen-tivo, ou as duas coisas, para executarum conjunto de procedimentos técnicosque, noutras paragens, são prática cor-rente da MGF. A imagem muitas vezestransmitida de «especialistas da cane-ta» liquida qualquer veleidade de prestí-gio para a nossa especialidade. A úni-ca forma de inverter esta situação pas-sa pela aquisição de competênciastécnicas concretas, de reconhecida uti-lidade e importância no âmbito doscuidados de saúde primários. PelasA apologia das aptidõesARMANDO BRITO DE SÁ**Director da Revista Portuguesa de Clínica GeralEDITORIAL542 Rev Port Clin Geral 2003;19:541-2nosso colega Carlos Mendes Leal, cujaimportância no desenvolvimento danossa especialidade lhe garante desdejá um lugar na sua história. Este foi, notocante a perdas, um ano para esque-cer, tanto quanto os desaparecidos nosficarão para sempre na memória.1. Sullivan P. Family medicine crisis? Fieldattracts smallest-ever share of residency ap-plicants. CMAJ 2003; 168:881-2.2. Pugno PA, McPherson DS, SchmittlingGT, Kahn NB Jr. Results of the 2003 NationalResident Matching Program: family practice.Fam Med 2003; 35: 564-72.3. Dorsey ER, Jarjoura D, Rutecki GW.Influence of controllable lifestyle on recenttrends in specialty choice by US medical stu-dents. JAMA 2003; 290:1173-8.4. Lawson SR, Hoban JD. Predicting careerdecisions in primary care medicine: a theoreti-cal analysis. J Contin Educ Health Prof 2003;23:68-80.5. Thornton J, Esposto F. How importantare economic factors in choice of medical spe-cialty? Health Econ 2003; 12:67-73.6. Jordan J, Brown JB, Russell G. Choosingfamily medicine. What influences medical stu-dents? Can Fam Physician 2003; 49:1131-7.7. Bowman MA, Haynes RA, Rivo ML, KillianCD, Davis PH. Characteristics of medical stu-dents by level of interest in family practice. FamMed 1996; 28:713-9.8. Kutob RM, Senf JH, Campos-Outcalt D.Declining interest in family medicine: perspec-tives of department heads and faculty. FamMed 2003; 35:504-9.9. Elzubeir MA, Rizk DE. Identifying charac-teristics that students, interns and residentslook for in their role models. Med Educ 2001;35:272-7.10. Leider PJ, Solberg R, Nesbitt T. Familyphysician perception of economic incentivesfor the provision of office procedures. Fam Med1997 29:318-20.11. Em URL http://www.npinstitute.com/index.html [acedido em 10/12/03].12. Zweifler J. Why we should reduce fami-ly practice training to two years. Acad Med2003; 78:885-7.suas características estes gestos são fa-cilmente controláveis e incorporáveisem modelos de pagamento por acto,única modalidade de pagamento de-monstravelmente viável para que a suarealização tenha significado10.Neste momento, em que o Colégio deMGF discute o futuro programa da es-pecialidade, é crucial a incorporação nocurrículo de gestos técnicos inovadores,incorporando técnicas que estão, atéhoje, arredadas da nossa prática. Nosítio do National Procedures Institutenorte-americano11 existem propostassuficientes sobre o que pode ser o âmbi-to da nossa intervenção. Argumentos dogénero «a nossa realidade é diferente danorte-americana», obviamente, não co-lhem – os bons exemplos são para serseguidos. Outros autores têm vindo asugerir a redução do tempo de estágiohospitalar na formação pós-graduadaem MGF e a sua substituição pelo re-forço de competências gestuais no âm-bito dos cuidados primários12. Esta é aaltura para dar início a esse movimen-to. Não se espera, naturalmente, que to-dos os médicos de família efectuem to-dos os procedimentos técnicos – surgiráuma escolha natural por parte de unse outros, influenciada pelo interessepessoal e pelas necessidades locais,com referenciação cruzada para quemefectua os procedimentos. Não se está,deste modo, a fazer a defesa do mode-lo «especialóide», mas tão somente a re-forçar as competências e o prestígio dosmédicos de família.Duas notas finais. A primeira parasalientar a importância que a infecçãopelo VIH tem à escala global, tornandoa luta contra o VIH e a SIDA num dosobjectivos da WONCA para o triénio quedecorre. Essa a razão do Dossier queaqui se apresenta. A segunda nota, paramarcar o súbito desaparecimento doEDITORIAISREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A apologia das aptidões

https://rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/download/9986/9724

A apologia das aptidões

Abstract

Similar works

Full text

Available Versions

Directory of Open Access Journals