O presente trabalho traz uma narrativa dos acontecimentos que envolveram a busca da patrimonialização do Kochkäse produzido pelos agricultores do Vale do Itajaí-SC. Para tanto, as autoras buscam enfatizar as dificuldades encontradas para que o objetivo seja alcançado. Fez-se uma reflexão dos argumentos que fundamentam o reconhecimento do Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do kochkäse, entre eles estão a identificação dos Sistemas Agroalimentares Locais

Moratelli, Nelita Fabiana

Silva, Marilda R. G. Checcucci Gonçalves da

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Brazilian Journal of Development       Braz. J. of  Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.102571-102576 dec. 2020.               ISSN 2525-8761   102571  A patrimonialização do kochkäse como uma perspectiva de desenvolvimento regional no médio Vale do Itajaí (SC) – UNIEDU  The patrimonialization of the kochkäse as a perspective of regional development in the middle Itajaí Valley (SC) – UNIEDU  DOI:10.34117/bjdv6n12-701  Recebimento dos originais: 28/11/2020  Aceitação para publicação: 28/12/2020  Nelita Fabiana Moratelli Extensionista rural, Ms Desenvolvimento Regional, Epagri Endereço: Rua Norberto Seara Heusi, 777 -  Escola Agrícola – Blumenau-SC E-mail: fabiana@epagri.sc.gov.br  Marilda R. G. Checcucci Gonçalves da Silva Professora, Pós-Doutorado em Antropologia da Alimentação (ES), Furb Endereço: Rua Antonio da Veiga, 140 – Itoupava Seca – Blumenau-SC E-mail: marildacheccucci@furb.br  RESUMO O presente trabalho traz uma narrativa dos acontecimentos que envolveram a busca da patrimonialização do Kochkäse produzido pelos agricultores do Vale do Itajaí-SC. Para tanto, as autoras buscam enfatizar as dificuldades encontradas para que o objetivo seja alcançado. Fez-se uma reflexão dos argumentos que fundamentam o reconhecimento do Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do kochkäse, entre eles estão a identificação dos Sistemas Agroalimentares Locais.  Palavras-chave: Patrimônio cultural, sistemas agroalimentares, Kochkäse, queijos artesanais.  ABSTRACT The present work brings a narrative of the events that involved the search for the patrimonialization of the Kochkäse produced by the farmers of the Itajaí Valley-SC. To this end, the authors seek to emphasize the difficulties encountered to achieve the goal. They reflect on the arguments that support the recognition of the kochkäse's Cultural Heritage of Immaterial Nature, including the identification of Local Agrifood Systems.  Keywords: Cultural heritage, agri-food systems, Kochkäse, artisanal cheeses.  1 INTRODUÇÃO A valorização dos queijos de leite cru é presença recente e ainda incipiente no mercado de queijos artesanais no Brasil, tendo-se em conta a sua grande variedade de queijos, sabores e qualidade. O estado de Minas Gerais foi quem deflagrou em primeiro lugar esta polêmica, através da problemática em torno da comercialização do famoso queijo Minas Frescal, que vem se estendendo a outros estados Brazilian Journal of Development       Braz. J. of  Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.102571-102576 dec. 2020.               ISSN 2525-8761   102572  e regiões do Brasil, como é o caso de Rio Grande do Sul e planalto catarinense com o queijo Serrano e no Vale do Itajaí (SC) com o Kochkäse. Um dos motivos para isto tem a ver com a consolidação do processo de industrialização da alimentação e a pasteurização passando a ser considerada a condição sine qua non na fabricação dos queijos. No entanto, a produção artesanal de alimentos no Brasil, assim como em Santa Catarina em parte resistiu, mesmo diante das ameaças de ter seu produto aprendido como clandestino. As fragilidades da produção artesanal de alimentos dos agricultores familiares é pauta cada vez maior nos meios acadêmicos de todo o país, um exemplo são as questões abordadas no interior capixaba por (JUNIOR, 2019) onde afirma que os estudos precisam ser feitos para destacarmos que estas exigências sem distinções levam à inviabilização econômica de projetos atrelados aos pequenos produtores e suas agroindústrias.  O pequeno produtor rural, aqui ou ali, continuou produzindo suas iguarias e o kochkäse representa uma delas.  Este queijo, que apresenta características peculiares no seu modo de fazer e paladar, constitui-se em um hábito presente ainda hoje na alimentação predominantemente da etnia teuto brasileira. A comunidade produtora busca o seu reconhecimento como patrimônio cultural imaterial e quiçá sua indicação geográfica no Vale do Itajaí (SC).  2 METODOLOGIA Este artigo é fruto de pesquisa que vêm sendo realizada pelas autoras, a partir de uma análise etnográfica, onde o trabalho de campo, orientado pela teoria tem um papel central. Estas pesquisas vêm sendo realizadas junto a agricultores familiares dos municípios oriundos da antiga Colônia Blumenau, nos quais predominou a etnia alemã, na atual região denominada Médio Vale do Itajaí (SC), onde uma das autoras atua como extensionista da Epagri.1 Elas têm resultado em vários artigos e em tese de mestrado de uma das autoras2.  3 RESULTADOS E DISCUSSÃO O trabalho de pesquisa de Marilda Checcucci G. da Silva (2016) resultou na elaboração do INRC - Inventário Nacional de Referências Culturais do kochkäse como Patrimônio Cultural Imaterial do Vale do Itajaí (SC). Após elaboração do INRC do kochkäse o grupo de trabalho envolvido formulou o dossiê com a solicitação de registro como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Brasil: O                                                              1Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina 2A tese de autoria da pesquisadora Nelita Fabiana Moratelli, sob orientação da profa. Dra. Marilda Checcucci G. da Silva, denomina-se “A perspectiva do desenvolvimento regional nos sistemas agroalimentares inseridos no modo de saber fazer do kochkäse”. Brazilian Journal of Development       Braz. J. of  Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.102571-102576 dec. 2020.               ISSN 2525-8761   102573  Modo de Saber Fazer do Queijo Kochkäse da região do Vale do Itajaí – SC. Em junho de 2017 ocorreu a solenidade de entrega do dossiê ao IPHAN, nas dependências da AMMVI – Associação dos Municípios do Médio Vale do Itajaí (SC) e contou com representantes da Universidade Regional de Blumenau – FURB, técnicos do IPHAN, Epagri – Empresa Agropecuária Catarinense de Pesquisa e Extensão Rural, Cidasc – Companhia Integrada de Agricultura e Abastecimento, Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, prefeitos, vereadores, secretários municipais de agricultura, turismo e cultura, representantes que validaram cartas de anuência ao projeto anexadas ao dossiê e sobretudo contou com a presença dos agricultores, produtores de kochkäse. Ainda não recebemos um parecer do IPHAN sobre o processo. Apenas uma sugestão de encaminhar o processo também para a Fundação Catarinense de Cultura. O patrimônio imaterial ou intangível para Maria Cecilia Londres Fonseca (2003) é presença recente nas políticas públicas de patrimônio cultural. Para a autora, a partir de uma reflexão sobre a função de patrimônio e de uma crítica à noção de patrimônio histórico e artístico, é que se passou a adotar uma concepção mais ampla de patrimônio cultural, não mais centrada somente em determinados objetos, como os monumentos, mas sim em uma relação da sociedade com sua cultura, o que levou à consideração do denominado patrimônio imaterial, incluindo aí aspectos ligados a dimensões “menos nobres” do patrimônio tais como as danças, os rituais, as celebrações, a paisagem, a comida, etc... Nos grupos sociais em que com essa nova concepção teve os seus bens representados, o patrimônio cultural de natureza imaterial é identificado, cabendo ao Estado assegurar sua continuidade, preservando os modos de fazer, sem associar à ideia de imutabilidade.   Para Moser (2014) o consenso cada vez maior é a necessidade da identificação e compreensão do patrimônio cultural de uma determinada região. O desafio atual é como integrar melhor a proteção e a valorização do patrimônio em uma abordagem local de desenvolvimento. Este “saber fazer” do kochkäse e o seu consumo em determinado grupo social, acabam por imprimir uma identidade coletiva. O respeito e a valorização a esta identidade constituem-se como objetivos a serem alcançados pelos atores sociais deste projeto. Porém, de início, o reconhecimento de Patrimônio Cultural Imaterial foi para alguns uma esperança direta da flexibilização das leis sanitárias. Apenas mais tarde é que o processo amadureceu para o reconhecimento de uma identidade regional voltada também à valorização do tipo da agricultura que se desenvolveu no Médio Vale do Itajaí (SC) com todas as suas peculiaridades. O kochkäse é um dos produtos agrícolas que permeia este sistema agroalimentar (SILVA, 2014)  no Médio Vale do Itajaí (SC).  Brazilian Journal of Development       Braz. J. of  Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.102571-102576 dec. 2020.               ISSN 2525-8761   102574  Os Sistemas Agroalimentares locais são promotores da agrobiodiversidade e da segurança alimentar. Estes sistemas apresentam variáveis que costumam estar relacionadas ao tamanho e relevo da propriedade rural; disponibilidade de mão de obra e grau de intensidade da pluriatividade.  O consórcio de milho e inhame constitui-se em uma das peculiaridades deste sistema (MORATELLI, 2018). A alimentação é um assunto que afeta múltiplas dimensões. A satisfação do metabolismo endosomático3 dos seres humanos está cada vez mais complexa e se combinam aspectos relacionados com a saúde, o bem estar corporal, a identidade cultural, a conservação do patrimônio material e imaterial, a viabilidade das atividades produtivas agrárias, o desenvolvimento rural, a saúde dos agroecossistemas, a sustentabilidade do consumo energético, a equidade nas relações entre países desenvolvidos e periféricos etc.(MOLINA  et al 2017). A questão sanitária ainda é muito controversa. O alimento seguro até então estava marcado pela submissão da padronização alimentar definida por lei, alguns trabalhos acadêmicos ousaram questionar a norma. Cruz e Menasche (2014) trouxeram para o debate no sul do Brasil algumas questões pertinentes explicitando que alimentos locais, marcados pelo saber fazer, embora tradicionalmente tenham sido feitos em pequenas estruturas, com utensílios específicos e de modo artesanal, à medida que o objetivo passa a ser a inserção em mercados formais, torna-se necessário alterar estruturas, utensílios e, consequentemente, adaptar modos de fazer. Assim, se por um lado a qualidade desses produtos se afirma exatamente na diversidade, produção em espaços rurais, tradição, cultura e relação com modos de vida, por outro, os desafios para a formalização encontram-se em atender a exigências legais que potencialmente comprometem a singularidade e diversidade desses produtos (CRUZ e MENASCHE, 2014). Foi também o caso observado com o kochkäse, que além da proibição de seu comércio por conta de ser feito com leite cru, a sua liberação está atrelada a uma série de outras exigências, muitas vezes de enfoque cartorário. Licenças ambientais, necessidade de responsável técnico, planta arquitetônica com banheiro feminino e masculino, vestiário feminino e masculino. Estas exigências são feitas por parte dos órgãos de inspeção de alimentos, mesmo quando a agroindústria familiar rural é de mão-de-obra exclusivamente da família, que dificilmente ultrapassa quatro pessoas. Outro aspecto é a necessidade de aferir tempo e temperatura do cozimento do kochkäse. Na prática o processo de cozimento é realizado até o completo derretimento da massa fermentada, depende do volume de massa                                                              3 Por isso estamos entendendo a maneira pela qual iremos tratar de nossa alimentação, não somente para saciar a fome e manter nosso organismo, mas para dar conta da complexidade que a alimentação representa para o indivíduo e a sociedade. Brazilian Journal of Development       Braz. J. of  Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.102571-102576 dec. 2020.               ISSN 2525-8761   102575  e da avaliação visual do produtor. Permitir que as avaliações sejam feitas pelo detentor do saber fazer é uma forma de respeitar este Patrimônio Cultural.  4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A identificação do sistema agroalimentar e da agricultura do Médio Vale do Itajaí (SC) foi uma fonte de informação para compreender não somente a sua estrutura e dinâmica, mas também uma forma de refletir sobre as grandes mudanças sociais e econômicas que os sistemas de produção agrícolas adotados pela agricultura patronal, voltada à produção de commodites, impõem à agricultura não patronal. A noção de Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial se construirá após o enfrentamento dos conflitos da representação social destes grupos, ora estigmatizados como ultrapassados e sujos, ora desqualificados quanto à categoria de agricultor familiar.  A necessidade de aprofundar o reconhecimento da sua pluriatividade também contribui para a invisibilidade desta categoria, limitando seu acesso às políticas públicas. Com o discurso da garantia do alimento seguro, a sociedade atual, por meio de seus especialistas, desconsidera o valor do alimento “na” e “para” a comunidade. A falta de uma regulamentação que reconheça a diversidade e uma regularização desburocratizada contribui com a clandestinidade na produção de alimentos oriundos deste tipo de agricultura tradicional.               Brazilian Journal of Development       Braz. J. of  Develop., Curitiba, v. 6, n.12, p.102571-102576 dec. 2020.               ISSN 2525-8761   102576  REFERÊNCIAS  CRUZ, Fabiana Thomé da; MENASCHE, Renata.O debate em torno de queijos feitos de leite cru: entre aspectos normativos e a valorização da produção tradicional. Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia (Visa em Debate) Manguinhos-RJ, v.2, n.4 p.34-42, 2014. Disponível em:https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/search/search?query=leite+cru&authors=&title=&abstract=&galleyFullText=&suppFiles=&dateFromMonth=&dateFromDay=&dateFromYear=&dateToMonth=&dateToDay=&dateToYear=&dateToHour=23&dateToMinute=59&dateToSecond=59&discipline=&subject=&type=&coverage=&indexTerms=&=Pesquisar. Acesso em: 17/09/2017.  FONSECA, Cecília Londres. “Para além de pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural”. In: Memória e Patrimônio. ABREU, Regina, CHAGAS, Mario (orgs.) Rio de Janeiro: DP&A, 2003.  JUNIOR, Aramis Cortes de Araujo. Propriedades agroindustriais familiares e resistências: fortalecimento das pequenas propriedades rurais do Caparaó capixaba. Brazilian Journal of Development. Curitiba-PR, v.5, n.11 p.367-377, 2019.  MOLINA, Gonzalez Manuel de et al. Politizando el consumo alimentario: estratégias para avanzar em latransicion agroecológica. Redes, Santa Cruz do Sul. 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A patrimonialização do kochkäse como uma perspectiva de desenvolvimento regional no médio Vale do Itajaí (SC) – UNIEDU / The patrimonialization of the kochkäse as a perspective of regional development in the middle Itajaí Valley (SC) – UNIEDU

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