Bernardes de Tassis Ribeiro, Andréa

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849FRAGMENTOS DE CULTURA,  Goiânia, v. 31, n. 4, p. 849-851, 2021.JESUS E A ESPIRAL DA VIOLÊNCIA: RESISTÊNCIA JUDAICA POPULAR    NA PALESTINA ROMANA*ANDRÉA BERNARDES DE TASSIS RIBEIRO*** Recebido em: 15.05.2021.  Aprovado em: 10.11.2021.** Doutoranda em Ciências da Religião pela PUC Goiás. Mestra em Ciência da Religião pela UFJF. Licen-ciada em História pela UFOP. Bolsista CAPES. E-mail: abtr.mg@gmail.com.DOI 10.18224/frag.v31i4.8986RESENHAHORSLEY, Richard A. Jesus e a Espiral da Violência: resistência judaica popular na Palestina Romana. São Paulo: Paulus, 2010.P ouco se encontra sobre a história do professor Horsley disponível para pesquisa. No en-tanto, seu trabalho diz bastante sobre o autor. Richard A. Horsley é professor de Artes Liberais e Estudo da Religião na Universidade de Massachusets em Boston (EUA). Sua área de especialidade são pesquisas relacionadas ao Novo Testamento. Horsley possui diversas obras publicadas, na grande maioria, traz a figura de Jesus inserida no contexto histórico em que viveu. Por isso sua originalidade está inserida no conceito de Jesus como um personagem histórico, um homem moldado pelo contexto em que viveu, preocupado com questões políticas, sociais e religiosas, com a violência física e econômica, com aqueles que mais sofriam na sociedade de Israel no século I d.C.Entre tais obras, temos “Jesus e a Espiral da Violência”, publicada pela primeira vez em 1987, a obra traz uma pesquisa acerca da resistência popular judaica na palestina romana (inclusive este é o subtítulo da obra) e identifica Jesus como um líder dentro destes movimentos de resistência. Em seu prefácio, Horsley afirma que a obra “Jesus e a Espiral da Violência” é “tanto uma leitura político-econômica concreta e relacional das tradições acerca de Jesus como uma tentativa de lidar (...) com o assunto de Jesus e a violência” (p. V). Isso porque para o autor a violência está estruturada, frequentemente, na situação histórico-social do indivíduo. Neste sentido, Horsley busca em sua obra a construção de um cenário histórico e social que explique as ações de Jesus e seus contemporâneos perante a violência que os cercam.Assim, na primeira parte de sua obra, o autor relata como a situação de subjugação dos judeus sob um sistema imperial estrangeiro deu origem a antagonismos e conf litos que resul-850 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 31, n. 4, p. 849-851, 2021.taram em rebeliões armadas, mas também em um cotidiano de violências política, econômica e cultural.Para tanto, traz informações acerca de como o povo dominante agia para subjugar o povo dominado, neste caso, como os romanos agiram para dominar os judeus. Entre outros, exemplos de ações como a introdução da cultura e língua dos dominantes, a exacerbação das divisões socioeco-nômicas dentro da sociedade dominada, a criação de uma elite governante nativa que servia também como proteção aos governantes imperiais, criação de dízimos, taxas e tributos para o templo e para Roma. Enfim, atos que acarretavam tensão e conflito no cotidiano de uma sociedade subjugada.Mas o que pode ser definido como violência? Horsley trabalha em um capítulo todos os conceitos que o termo violência pode englobar, incluindo a violência física, psicológica e espiritual, a violência estrutural a fim de desenhar o quadro histórico para entendermos o contexto da sociedade judaica do período de Jesus. Aqui, o autor introduz o conceito do que chama a espiral da violência, dividindo-o em quatro estágios: injustiça ou violência estrutural; protesto e resistência; repressão por parte dos detentores do poder; revolta dos subjugados. Desta forma, o autor coloca que a injustiça institucionalizada é responsável pelas ações de violência no cotidiano de um povo dominado por um império estrangeiro. Violência que na sociedade judaica tomou forma, entre outros, com o movimento profético de contestação da dominação imperial, um movimento de libertação. Na segunda parte de sua obra, Horsley traz as questões relacionadas à resistência popular judaica em relação aos impostos e ao governo do império romano. O autor enfatiza a importância do templo não apenas para as questões religiosas, mas também como parte integrante da máquina imperial para dominação da população. Neste sentido, embora tenham se submetido ao império romano, a religião e os costumes judaicos representavam uma resistência à cultura romana pois se contrastavam de maneira veemente. Assim, o autor destaca as formas não violenta de resistência da população perante a dominação externa, exceto em pontuais ocasiões, desconstruindo um discurso de grupos violentos agindo na Palestina romana do século I.Segundo Horsley, os “protestos antirromanos dos judeus eram manifestações espontâneas criadas e, ao que parece, organizadas pelo povo comum, numa maneira notavelmente autodisci-plinada” (p. 106). Dessa forma, a ideia de grupos organizados, cuja finalidade era a ação violenta contra o domínio romano, é algo pontual e não representa o período em questão. Pelo contrário, o movimento popular de protestos, em sua grande maioria, caracterizou-se pela não violência e adesão coletiva a um estilo de vida e costume judaicos como fonte de resistência à Roma. Assim, as grandes causas de revoltas populares relacionavam-se mais à violação dos símbolos ligados às tradições, regras e rituais religiosos que aos tributos.Nesse contexto, o movimento apocalíptico é apresentado pelo autor na tradição e literatura tendo uma função libertadora, especialmente nas condições de injustiça sistemática e repressão violenta vividas por aquele povo. Isso porque a tradição apocalíptica traz consigo a lembrança da promessa divina de libertação “da escravidão estrangeira e da exploração doméstica e de sua antiga independência em sua própria terra” (p. 129).A terceira parte da obra traz a figura de Jesus como um indivíduo político e histórico, ou seja, alguém preocupado com a realidade social e espiritual da sociedade de sua época, preocupado “com a totalidade da vida em todas as suas dimensões” (p. 136).Em termos da espiral da violência, o autor afirma que, segundo as tradições dos Evange-lhos, Jesus se opôs à opressão realizada pelos grupos dominantes, uma prática pertencente ao ambiente do messianismo judaico que defendia o fim da antiga ordem. Esta visão está mais clara nos Evangelhos Sinóticos em que Jesus é retratado como uma ameaça ao templo e agitador do 851FRAGMENTOS DE CULTURA,  Goiânia, v. 31, n. 4, p. 849-851, 2021.povo. Nos Evangelhos apologéticos, Jesus é apresentado com ações e perspectivas revolucionárias. Suas palavras têm características de transformação das relações sociais, tanto políticas, quanto econômicas e sociais. Uma dimensão sociopolítica que se entende inseparável da dimensão reli-giosa, já que todo ato festivo era em comemoração da presença atuante de Deus e da libertação que seu reino representava.Dessa forma, a ação de curandeiro e exorcista de Jesus eram vistas como indicações da presença do Reino de Deus. Isto porque ao libertar as pessoas de seus pecados, Jesus afirmava uma conexão direta com o divino, sem a necessidade de intermediários (templo, sacerdotes e patriarcalismo), responsáveis também pelo controle e domesticação da sociedade perante o governo imperial (Sa-tanás e o Império Romano se tornam o mesmo sujeito). Neste sentido, a atividade libertadora de Jesus era uma ameaça direta ao governo. A pregação de uma sociedade igualitária chocava-se com o status quo dos poderosos que submetiam a população as suas vontades.Além disso, o autor traz diversas situações que Jesus viveu e suas palavras sob uma perspec-tiva de interpretação histórica. Assim, desmistifica muito da pregação que se construiu ao longo do tempo buscando significados mais próximos da realidade da época.Por fim, em sua conclusão, Horsley inicia o texto com uma pergunta: “Jesus foi pacifista?” (p. 277). Se por um lado não é possível dizer que os atos e palavras de Jesus falavam sobre a violência, por outro não é possível dizer que sim. Sabe-se que na época de Jesus, não existiu nenhum grupo de oposição violenta ao império romano e seus governantes. Contudo, o cotidiano daquele perío-do estava permeado de violência. Dessa forma, embora Jesus não fosse exatamente um pacifista, “opôs-se ativamente à violência, tanto opressiva como repressiva, tanto político-econômica como espiritual” (p. 278). Por isso, viveu situações de conflito, resistência e violência, não se privou de vivê-las em nome da tranquilidade, mas se posicionou de forma firme contra todas elas, tanto nos seus exorcismos quantos nas pregações e práticas. Tal posicionamento pode ser visto principalmente na pregação acerca da chegada do Reino de Deus, um conceito que se choca diretamente ao sistema social, econômico, político e religioso estabelecido.Neste sentido, Jesus e seus seguidores eram vistos como rebeldes, agitadores do povo, e Jesus especificamente visto como um líder popular perigoso. Por este motivo, Jesus foi crucificado sob a acusação de pregar contra a ordem romana estabelecida na Palestina. O último parágrafo da obra resume de forma clara os objetivos e a visão do autor acerca do Jesus histórico e da espiral da violência.Em uma narrativa que busca contextualizar, principalmente, os séculos I a.C. e I d.C, Horsley traz à tona um Jesus ‘revolucionário’. Um Jesus que utiliza de suas palavras para contestar o status quo que beneficiava a classe de judeus abastados e governantes associados ao império ro-mano. O tom deste livro está na mensagem de Jesus que fazia referência ao Reino de Deus como algo iminente, não somente no pós morte, mas como uma revolução que traria aos mais sofridos a possibilidade de uma vida melhor. Neste sentido, o autor defende que Jesus foi julgado como um revolucionário, um homem que instigava a população contra o império romano e seus governantes, que questionava o papel dos sacerdotes associados a tal governo e, por este motivo, um perigo que deveria ser eliminado. Portanto, Jesus, sob a perspectiva histórica, não morreu injustamente. Jesus morreu, pois era um inimigo do império.Esta é a contribuição que Richard Horsley nos deu, uma nova perspectiva para enxergarmos um personagem infinitamente maior e mais complexo que aquele retratado nas aulas de religião. E, por isso, esta é uma leitura essencial para aqueles que buscam ampliar seus horizontes no enten-dimento da religião e da história.

JESUS E A ESPIRAL DA VIOLÊNCIA: RESISTÊNCIA JUDAICA POPULAR NA PALESTINA ROMANA

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