A. Pertuz, Marcia

Dalperio Buscioli, Lara

Francisca de Souza Campos Vinha, Janaina

Oliveira Moreira Bitencourt, Silmara

Portuguese

Projeto SABER

GEOGRAFIA                                                                                                                  ISSN 2178-0234 EM_______________________________________________________________________________QUESTÃO                                                  V.16 ♦ N. 03 ♦ 2023                                               pág. 10-15  10.48075/geoq.v16i03.32553            10 A PRODUÇÃO FEMINISTA DO CONHECIMENTO SOBRE O CAMPO NA GEOGRAFIA  APRESENTAÇÃO  Lara Dalperio BUSCIOLI1  Marcia A. PERTUZ2 Janaina Francisca de Souza Campos VINHA3 Silmara Oliveira Moreira BITENCOURT4  O dossiê temático “A produção Feminista do conhecimento sobre o campo na Geografia” surge como uma iniciativa do conjunto de mulheres que integram o Coletivo de Mulheres da Rede DATALUTA - Rede Brasileira de Pesquisa das Lutas por Espaços e Territórios, cuja preocupação foi abrir e conformar espaços em que as mulheres possam debater, dialogar e divulgar seus saberes, com a garantia de serem ouvidas e respeitadas.  Com este primeiro volume, atendemos à crítica coletiva do apagamento que temos enfrentado na história da sociedade e da Geografia, em particular no campo de estudos da Geografia Agrária no Brasil e na América Latina e Caribe. Reconhecemos que o esforço realizado entre nós, editoras e companheiras, junto às autoras, corresponde ao movimento que vem tomando força nos ativismos e militância acadêmica e popular que intentam romper, cada vez mais, com o pensamento colonial-racista-patriarcal que nega e inválida a relevância das experiências, práticas e conhecimentos femininos e feministas, das corporalidades racializadas e sexualizadas e de todas as expressões que não correspondem às hegemonias heteronormativas. Frente à extensa produção androcêntrica e branca da Geografia Agrária Brasileira, buscamos construir nesta, gretas para a produção feminista sobre/no campo, questionando acerca de: Onde estão estas mulheres? O que estão pensando na Geografia? Quem são e como  1 Doutoranda em Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia - (FCT UNESP), Campus de Presidente Prudente. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2019/16813-7. Pesquisadora da Rede Dataluta. Email: lara.buscioli@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9741-6883 2 Doutoranda em Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia - (FCT UNESP), Campus de Presidente Prudente. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2019/27196-9.  Email: marcearteaga1982@gmail.com . ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1961-0541  3 Docente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM, Departamento de Geografia. Coordenadora do Núcleo de Estudos Territoriais e Agrários (NaTERRA). Pesquisadora da Rede Dataluta. Email: janaina.vinha@uftm.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8763-4465 4 Doutoranda em Geografia no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia - (FCT UNESP), Campus de Presidente Prudente. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2021/01632-7. Pesquisadora da Rede Dataluta. Email: moreira.sillmara@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9961-7868. GEOGRAFIA                                                                                                                  ISSN 2178-0234 EM_______________________________________________________________________________QUESTÃO                                                  V.16 ♦ N. 03 ♦ 2023                                               pág. 10-15  10.48075/geoq.v16i03.32553            11 suas identidades de classe, raça e gênero delineiam seus trabalhos e pesquisas? Quais são os temas urgentes num contexto de violências patriarcais e raciais, bases da exploração do sistema de acumulação capitalista? Por que estes temas se encontram nas fronteiras e nas margens do conhecimento?  Neste contexto, nos interessamos pelas práticas que estão sendo costuradas no campo por mulheres camponesas, sem terra, assentadas, pescadoras, indígenas e quilombolas entre outras identidades, para enfrentar o avanço dos projetos capitalistas e neoextrativistas em seus territórios. O que nos leva a uma questão mais complexa: Quais são as articulações entre a realidade que vivenciam as mulheres do campo e os territórios tradicionais com as hegemonias da produção acadêmica? Como podemos explicar que, apesar de estarem no centro da reprodução e produção de suas comunidades e na linha de frente das lutas, da defesa da vida, da terra, da água e do território, representam, ainda, um número reduzido de trabalhos?  Motivadas por estas questões, pelos problemas que nos identificam enquanto mulheres, pelos pontos de encontro entre nossas identidades diversas, pelas redes e laços de afetos construídos nos anos em que temos caminhado juntas, iniciamos essa empreitada em 2020 no contexto pandémico da Covid-19, ou seja, foram três anos de trabalho para oferecer o conjunto de textos que integram esta publicação. Nossas vidas - das autoras e editoras- foram atravessadas pelas perdas de familiares e seres queridos, pela maternidade, pela fragilização de nossa saúde física e mental e pela impossibilidade de gozar amplamente de tempos próprios - dada a sobrecarga do trabalho produtivo e reprodutivo nas nossas organizações, universidades e em nossas famílias, ao qual tentamos responder com solidariedade e compreensão. Consideramos em todo esse processo muito as implicações político-afetivas de construir e socializar saberes e produções “acadêmicas” em clave feminina/feminista.  Ao construir a proposta inicial enfrentamos o primeiro desafio: qual seria o espaço de divulgação para uma publicação como esta? Consideramos algumas das revistas vinculadas à Rede DATALUTA e que constituem importantes plataformas para a circulação dos debates dos estudos agrários do país e da América Latina, contudo, enfrentamos uma barreira. Vimos, por imposição, que debates importantes foram mantidos, estrategicamente, às margens da produção acadêmica hegemônica. Isso não nos deteve, e o corpo editorial da revista Geografia em Questão abriu-nos as portas; um gesto de solidariedade que queremos agradecer. Não por isso estamos descontentes, nos complace estar na orilla (fronteira), pois mais do que disputar, buscamos construir espaços para nomeá-los e considerá-los efetivamente como nossos, nos GEOGRAFIA                                                                                                                  ISSN 2178-0234 EM_______________________________________________________________________________QUESTÃO                                                  V.16 ♦ N. 03 ♦ 2023                                               pág. 10-15  10.48075/geoq.v16i03.32553            12 quais tenhamos a liberdade e autonomia de falar e criar ‘outras’ formas-representações femininas, não heteronormativas, indígenas e pretas da experiência da luta comum. É por isso que nesse dossiê transitaram relatos, poesias, cordéis, ilustrações, fotografias, artigos acadêmicos e resenhas, que recolhem algumas experiências tanto de militância como de pesquisa de nossas companheiras. Neste primeiro volume, decidimos convidar as mulheres que integram os grupos da Rede e a companheiras com as quais compartilhamos espaços de reflexões conjuntas, assim como companheiras organizadas que nos presenteiam com a partilha de expressões ‘outras’ de suas práticas emancipatórias. Apresentamos formas de sentir e pensar os territórios, desde distintas realidades, que nos conectam com mulheres da Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo; com trajetórias como educadoras populares, feministas camponesas populares e comunitárias, sem-terra, pretas, indígenas, nas lutas juvenis, contra o racismo, frente a espoliação de seus territórios, contra a mercantilização da terra, da água e dos bens comuns.  Abrimos esta publicação com a capa organizada pela pesquisadora Aline Albuquerque Jorge a partir dos registros fotográficos de companheiras da Rede DATALUTA que tinham como o intuito visibilizar os trabalhos de campo realizados. Há também, de autoria de uma de nossas convidadas especiais, Cidinha Oliveira, sergipana, mulher negra, feminista antirracista e lésbica, que nos permite, através da poesia, conectar com as possibilidades de viver em movimento e construir resistências entre mulheres.  Apresentamos textos em formato livres, ilustrações e fotografias, dialogando com os textos acadêmicos. Através do relato “Mulheres e a Quebra das Correntes”, Rosmeri Witcel, mulher sem-terra, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e educadora popular, oriunda de Rio Grande do Sul, assistimos uma das Jornadas do 8 de Março mais emblemáticas para a luta anticapitalista e antipatriarcal organizada e realizada pelas mulheres do movimento; adverte-nos sobre a necessidade de enfrentar todas as formas de violência que garantem a reprodução do latifúndio no campo, assim como a iminência de transformar as relações doentes que materializam o nó constituído pelo patriarcado-racismo-capitalismo; também aborda as possibilidades concretas de transformação que resultam dos afetos, da escuta e de identidade coletiva construídas no caminho da luta comum.  E, para nos fazer refletir sobre o  impacto das estruturas patriarcais e racistas na vida das mulheres negras, da juventude e periferia,  Esther Maria Pacheco, estudante de Geografia e militante da Consulta Popular, nos sacode com “Preta o Suficiente”, uma poesia crua e bela, cuja composição, como ela mesma conta, “diz muito a respeito de minha vivência enquanto GEOGRAFIA                                                                                                                  ISSN 2178-0234 EM_______________________________________________________________________________QUESTÃO                                                  V.16 ♦ N. 03 ♦ 2023                                               pág. 10-15  10.48075/geoq.v16i03.32553            13 mulher negra de pele clara, e como o racismo atravessou e atravessa no cotidiano e nos espaços que frequentei durante a vida; para além disso, o poema me ajuda a colocar as indignações para fora e gritar, de alguma maneira, sobre as injustiças que vivemos historicamente, mas também as potências que nós temos construído ao longo de nossa história”.  No contexto das produções no campo do debate científico-geográfico foram desenvolvidos seis artigos que buscaram compreender e problematizar algumas questões estruturantes que avançam no debate de gênero em diferentes espaços e territórios. O primeiro texto “Geografias feministas, academia e militância:  reflexões sobre a experiência do Coletivo de Mulheres da Rede Dataluta no Brasil” de autoria das geógrafas organizadoras desse dossiê, Silmara Bitencourt, Lara Buscioli, Janaina Vinha e Márcia Pertuz, realiza uma reflexão a respeito das problemáticas que envolvem a vida das mulheres e os principais desafios enfrentados nos espaços acadêmicos e de militância, tendo como recorte o Coletivo  de  Mulheres  da  Rede  DATALUTA.  O segundo trabalho intitulado “Processos de resistência das mulheres Guarani e Kaiowá pela reprodução da vida diante da violência sistemática do Estado e do agronegócio: contra e para além dos cercos do patriarcado-colonial-capitalista”, redigido pela pesquisadora Guarani Nhandeva e doutora em geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados, Beatriz Vera; pela Gislaine Monfort, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia na Universidade Federal da Grande Dourados; e pela etnobióloga Laura Gisloti, doutora em Biologia animal pela Universidade Estadual de Campinas. O artigo tem como principal objetivo analisar as conflitualidades, resistências, violências e impactos da atuação do Estado e do neoextrativismo nos territórios indígenas Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul, tendo como foco compreender a luta pela reprodução da vida e pelo território através das mulheres que historicamente resistem criando novas formas de lutas.  O terceiro artigo foi escrito pelas companheiras Aline Motter Schmitz e Caroline Tapia Bueno, ambas doutoras em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Francisco Beltrão no estado do Paraná e integrantes do Grupo de pesquisa Corpo, Gênero e Diversidade, vinculado à mesma universidade. O artigo tem como título “Diálogos entre as Pesquisas Geográficas e o Conceito de Patriarcado” e busca compreender o conceito de patriarcado através de Saffioti, Lerner e Federici, bem como a sua utilização nas pesquisas Na ciência geográfica por meio das teses e dissertações registradas no Catálogo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes. As autoras buscaram problematizar os estruturantes que envolvem o debate de gênero e o patriarcado, e GEOGRAFIA                                                                                                                  ISSN 2178-0234 EM_______________________________________________________________________________QUESTÃO                                                  V.16 ♦ N. 03 ♦ 2023                                               pág. 10-15  10.48075/geoq.v16i03.32553            14 analisou que, no campo das publicações, a influência do patriarcado na vida das mulheres pesquisadas eram evidentes, explicitando elementos da invisibilidade do trabalho feminino em diferentes espaços.  O quarto trabalho foi redigido pela militante da Consulta Popular, Jane Rosa da Silva, integrante do Centro de Estudos da Geografia do Trabalho e Mestra em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. Seu artigo, “Dia Internacional das Mulheres: O Movimento Feminista e a Produção da Escala Geográfica no #8M”, debateu a importância e o significado do Dia Internacional das Mulheres enquanto luta estratégica de resistência dos movimentos feministas, com o objetivo analisar a multiescalaridade das ações, as origens e as pautas de lutas envoltas no ano de 2017 dessas mulheres organizadas.  O quinto artigo intitulado “O Protagonismo das Mulheres nas Denúncias dos Usos e Abusos de Venenos: Ecofeminismo, e Outras Relações com a Natureza”, foi desenvolvido pela pesquisadora Daniela Ferarrezi Valério, mestranda em Geografia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. O trabalho problematizou questões estruturantes que permeiam os debates do patriarcado, dos agrotóxicos e do ecofeminismo, explicitando a invisibilidade das mulheres na comunidade científica, principalmente os estudos que envolvem a problemática do uso de agrotóxicos e as ações de resistências das mulheres. Neste contexto, a pesquisadora apresenta uma leitura ampla e histórica sobre o tema, vinculando à autoras como Raquel Carson, Vandana Shiva, Raquel Rigotto e Larissa Bombardi. O último trabalho apresentado foi escrito pelas autoras Miriam Moura Vital e Joana Tereza Vaz de Moura, ambas membras da Rede DATALUTA e do Laboratório de Estudos Rurais. A primeira é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e integrante do Laboratório de Estudos Rurais da mesma instituição. Já a segunda é Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós-doutora em Sociologia pela New York University. O trabalho das companheiras foi intitulado “Enxu Queimado Existe Porque Persiste”: Uma Análise dos Conflitos Socioterritoriais na Comunidade Pesqueira de Enxu Queimado/RN”, e analisou as ações de resistências dos moradores da comunidade pesqueira contra a perda de seu território apropriado e vivido, compreendendo a importância da organização das mulheres na disputa entre os modelos de desenvolvimento pautados por distintas lógicas.  GEOGRAFIA                                                                                                                  ISSN 2178-0234 EM_______________________________________________________________________________QUESTÃO                                                  V.16 ♦ N. 03 ♦ 2023                                               pág. 10-15  10.48075/geoq.v16i03.32553            15 Finalmente, divulgamos os trabalhos de Dalila Alves Calisto e Janaina Francisca de Souza Campos Vinha e seus livros lançados recentemente no Brasil, apresentados em dois formatos. No primeiro texto, “Um Instrumento Na Luta Pela Água”, a resenha escrita por Elisa Mergulhão Estronioli, integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e companheira de luta de Dalila Alves Calisto, apresenta os elementos centrais do livro “Mercantilização da água: análise da privatização do saneamento de Teresina (PI)” para pensarmos as implicações da mercantilização da vida  como estratégia do Capital. Elisa alerta os aportes da pesquisa militante como um “subsídio para qualificar a luta das organizações populares em defesa dos bens comuns”.  O segundo texto, denominado “Paradigmas da Geografia Agrária Brasileira temas, tendências e perspectivas: Diálogo com Janaina Francisca de Souza Campos Vinha”,  nos permite ter uma visão mais íntima da caminhada dessa geógrafa e do processo de construção de sua obra, a qual traz um panorama das principais temáticas que têm ocupado os estudos da Geografia Agrária Brasileira nos últimos anos; um diálogo, mediado por Marcia A. Pertuz e pela coautora do livro, ainda que não possa ser chamada de entrevista, foi pautada numa troca dialógica entre companheiras, com a qual encerramos este dossiê para reiterar a importância do reconhecimento do trabalho tecido entre nós mulheres e a potência que existe na partilha e na troca entre nós.  Sem mais, para além de nosso desejo de que este primeiro volume possa contribuir com a atividade militante, acadêmica e popular, assim como no avanço para mais espaços deste tipo no interior da Geografia e nos estudos agrários, destacamos o aprendizado e a satisfação que este trabalho conjunto nos deixa; impulsionadas pelo motor da esperança perante as estruturas desiguais sobre a qual continuam sendo reproduzidos o colonialismo, o patriarcado, o racismo, LGBTQIA+fobia e o capitalismo nas nossas vidas e ao interior das nossas  instituições, reivindicamos a consigna “Cultivar afetos, derrotar as violências!”5, no campo, na cidade e nas universidades.   Desejamos uma boa leitura!  5 Consigna derivada da campanha das Mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: “Mulheres Sem Terra: contra os vírus e as violências” que surge como estratégia no marco da pandemia da Covid-19 no ano de 2020.  

A produção feminista do conhecimento sobre o campo na Geografia

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A produção feminista do conhecimento sobre o campo na Geografia

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