Guerreiro, Manuel Viegas

Portuguese

Repositório Comum

J. PINTO PEIXOTO ■ P. R. DIAS AGUDO • J. TIAGO DE OLIVEIRA ■ J. CAMPOS FERREIRA MARGARITA RAMALHO • A. RIBEIRO GOMES ■ ARMANDO POLICARPO ■ F. DUARTE SANTOS J. GOMES FERREIRA ■ L. A. MENDES VICTOR ■ MANUEL LARANJEIRA • M. GOMES GUERREIRO J. CÂNDIDO DE OLIVEIRA ■ ROBALO CORDEIRO • J. CELESTINO DA COSTA ■ A. CASTRO CALDAS BARAHONA FERNANDES ■ ARANTES E OLIVEIRA ■ A. F. CARVALHO QUINTELA ■ A. BARBOSA DE ABREU ■ GOUVÊA PORTELA • L. BRAGA CAMPOS ■ J. J. DELGADO DOMINGOS • A. F. OLIVEIRA FALCÃO ■ DOMINGOS MOURA • H. CAMPOS NETO ■ A. LARCHER BRINCA ■ J. F. QUINTINO ROGADO ■ M. AMARAL FORTES • M. BAPTISTA BRAZ • M. PEREIRA COUTINHO FERNANDO ESTÁCIO • P. O. PEREIRA SANTOS ■ A. A. MONTEIRO ALVES ' BRITALDO RODRI- GUES • L. AIRES DE BARROS ■ MATOS ALVES • M. PORTUGAL FERREIRA • ANTÓNIO RIBEIRO FRANCISCO GONÇALVES ■ TELLES ANTUNES ■ LUÍS ARCHER ■ J. MONTEZUMA DE CARVALHO J. FIRMINO MESQUITA • ABÍLIO FERNANDES ■ J. MALATO-BELIZ ■ ARSÉNIO PATO DE CARVALHO • A. XAVIER DA CUNHA " ALLEN DEBU8 • J. SIMÕES REDINHA • SEBASTIÃO J. FORMOSINHO • A. M. A. ROCHA GONSALVES ■ L. ALMEIDA ALVES " OLIVEIRA CABRAL FRAÚSTO DA SILVA ■ JOSÉ V. PINA MARTINS • AMÉRICO COSTA RAMALHO ■ FERNANDO REBELO ■ C. ALBERTO MEDEIROS ■ ILÍDIO DO AMARAL • MANUEL GARRIDO ARAÚJO MANUEL VIEGAS GUERREIRO ■ A. SIMÕES LOPES " A. SOUSA FRANCO • ONÉSIMO T. ALMEIDA JUSTINO MENDES DE ALMEIDA ■ FRANCISCO GAMA CAEIRO " RÓMULO DE CARVALHO HISTORIA E DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA EM PORTUGAL NO SÉC. II III VOLUME fACO 4 \ c £ r AOfK •11A U * T UTAMA PUBLICAÇÕES DO II CENTENARIO DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA LISBOA • 1992 1652 MANUEL ARAÚJO cimento e sensibilidade que têm de Moçambique e pelo uso da mesma língua. Infelizmente, até agora, e apesar da vontade dos geógrafos dos dois países, não se tem conseguido ultrapassar certas barreiras adminis- trai ivo-burocráticas. Mas é indispensável que se encontrem as formas que permitam que os colegas portugueses participem, com os geógrafos moçambicanos, no fazer da Geografia de Moçambique. Não posso deixar passar esta oportunidade para agradecer à Academia das Ciências de Lisboa a rara oportunidade que me deu para, mais uma vez, contactar colegas portugueses e com eles trocar ideias e aprender. LEITE DE VASCONCELLOS (1858-1941) E A CIÊNCIA ETNOGRÁFICA EM PORTUGAL MANUEL VIEGAS GUERREIRO * S u m m a r y First known descriptions about habits: Greece and Rome. The Portuguese Middle Ages: notary documents, religious literature, poetry and narrative fiction. The Portuguese 16th century: Overseas chorography and historiography. Ethnology as a Science: Teófilo Braga, Adolfo Coelho and Leite de Vasconcellos. Leite de Vasconcellos, the great authority on Portuguese Ethnography: exem- Plary definition, field-work methodology and ethnographical — research sources. Prodigious literary-scientific production. A Grande Etnografia Portuguesa (The Great Portuguese Ethnography): com- posed of 3 large volumes and 7 posthumous volumes. Vasconcellos" continuators: Jorge Dias and his team. Se Etnografia significa descrição de um povo ou povos, como quem diz de seus costumes; em sentido amplo: vida material e espiritual, então ela se terá iniciado com os primeiros relatos de costumes de povos que, por alheios e distantes, exóticos, cativaram a atenção de quem os observava. E ora a novidade se impunha apenas por curiosa ora era objecto de menosprezo etnocêntrico. E, como em geral acontece, é da Grécia antiga e de Roma que nos vêm as primeiras descrições etnográficas: de Herodoto, que se tem como * Faculdade de Letras de Lisboa. 1654 MANUEL VIEGAS GUERREIRO pai da Etnografia; de Xenofonte, de Tucídides, e mais tarde de Estrabão; e depois de César e Tácito. E notícia de costumes também a temos entre nós desde a Idade Média: nos documentos notariais; nas crónicas de reis, regras de mos- teiros, nos escritos de ficção, da poesia à narrativa em prosa. Do séc. XVI por diante é nas corografias que encontramos abundante informação. E a tudo se somando o assombroso acervo de elementos culturais, em pluriformes narrativas, que nos vêm dos nossos Descobrimentos. Não estamos, porém, em face de uma ciência etnográfica. A palavra Etnografia só aparece nos fins do século XVIII e ainda sem a substância dos nossos dias. Tê-la-á empregado pela primeira vez Niebuhr nos seus cursos da Universidade de Berlim, depois vulgarizada pelo italiano Balbi em seu Atlas Etnográfico do Globo, em 1826. Era, então, «uma classifi- cação de grupos humanos a partir da identificação dos caracteres linguís- ticos; um pouco mais tarde o esforço de caracterização incluiu os diversos elementos da cultura material» l. Etnografia como ciência da cultura, liberta dos traços biológicos definidores de tipos físicos, de raças, domínio hoje exclusivo da Antro- pologia Física, só a veio a definir definitivamente entre nós e de modo original, no contexto europeu, Leite de Vasconcellos. Não significa isso, contudo, que nessa ampla visão deste ramo do saber não tivesse precur- sores. E citem-se Teófilo Braga e Francisco Adolfo Coelho e sobretudo este último, que, se não alcançou o adiantamento de Leite, foi na con- cepção da ciência geral — a Etnologia — mestre cuja doutrina este muito aproveitou. Desenvolvamos alguns destes tópicos e mostremos quanto a Ciência Etnográfica Portuguesa deve a Leite de Vasconcellos. Escreve o Dr. Leite que o gosto da Etnografia era nele «instintivo» e entende-se que assim pensasse quem, desde a infância, ouvia ao povo da sua Ucanha, aldeia, então, do concelho de Mondim da Beira, hoje do concelho de Tarouca, cantigas, contos, adivinhas. Com 13 ou 14 anos assistira à representação de um drama popular e logo se meteu a compor peça semelhante, em que inseriu uma cantiga de berço. Ele próprio confessa que o referido auto lhe terá aguçado o gosto pela literatura popular. Com a literatura o estudo da língua e a vizinhança de ruínas de mosteiros cistercienses (Salzedas, S. João de Tarouca) atrai-o ao culto LEITE DE VASCONCELLOS (1858-1941) E A CIÊNCIA ETNOGRÁFICA EM PORTUGAL 1655 da Arqueologia, a Etnografia do passado. Logo associadas as três ciên- cias com que haveria de reconstituir a história do povo português. Ora oiçamo-lo em comentário ao seu Dialecto Mirandês: «Consintam os leitores esta pequena expansão a quem, desde 1876, quase não pensa noutra coisa que não seja a história da boa terra lusitana ...»2. Tinha, por esse tempo, 18 anos. Chegado ao Porto (1876) para estudos secundários levava já consigo registo e memória rica de factos etnográficos3. Garrett, Teófilo Braga, Adolfo Coelho, de cá, Edward Tylor, Lubbock, Spencer, Darwin, Max Muller, Gaston Paris, Sébillot, Augusto Comte, de fora, são autores que lê e lhe abrem vastas perspectivas na ciência etnográfica, tomada esta no amplo significado com que a abraçou, incluindo nela toda a história do homem da Pré-história à História Antiga e ao presente do lidar quotidiano. Logo inicia o trabalho de campo em 1878. Com 20 anos apenas, publica o seu primeiro estudo, saído da investigação feita nas férias de entrudo desse ano, na freguesia de Vila Cova, O Presbitério de Vila Cova. E seguem-se numerosos artigos e folhetos dispersos por jornais e revistas. Em 1882 planeia a publicação de uma Biblioteca Etnográfica Portu- guesa, em quatro volumes, o primeiro seria o de Tradições Populares de Portugal, o 2.° de Fastos Populares Portugueses, o 3.° de Poesias e um 4.° de Contos e publicar-se-ia um Anuário, aberto a vária colaboração. Só saiu o primeiro (1882) e um número do Anuário (1883). As Tradições incluíam principalmente superstições e alguma matéria concernente à vida material. Tinha-as o Autor por «conjunto de etno- grafia» e nós por um pequeno manual de Etnografia portuguesa. Comple- rnento e remate da Biblioteca ficaram por ultimar o volume No Lar e no Adro e na continuação desta um outro sobre Costumes. A abundância de materiais, que ia juntando, os mais deles de sua Própria colheita, outros de publicações várias, sobretudo da Revista Lusitana que fundara (1887) e o acervo de etnografia material que ia reunindo no Museu Etnológico, que também fundara, ajudaram-no a con- ceber obra de maior vulto, uma monumental Etnografia Portuguesa, com que realizaria a aspiração máxima da sua vida: «Aspiração de grande parte da minha vida foi o tirar a lume um tratado geral de Etno- grafia Portuguesa, sequer com o subtítulo de Tentame' [de sistema- tização]». 19 1656 MANUEL VIEGAS GUERREIRO Um quase definitivo plano sai-lhe das mãos por 1919 em forma de Prospecto, plano que se vai alargando, à medida que cresce a informação — era vê-lo juntar umas às outras tiras de papel presas com alfinetes, longa e coleante bicha de rabear a que dava o nome de bandeira—, e dá a lume no primeiro volume da obra. Poupo-vos a leitura minuciosa de tão valioso documento, que descrevo em seus traços gerais: Defi- nição de Etnografia, divisão, fontes de investigação e importância da Etnografia portuguesa, num primeiro volume de Introdução. Seguem-se quatro livros da obra propriamente dita. A descrição da terra no pri- meiro, trata do povo no segundo, para nos dar em um terceiro um amplo quadro da vida tradicional portuguesa. Não há manifestação da vida popular, individual ou colectiva, na imensa multiplicidade de seus aspectos, que lhe escape. E acrescento: plano único no género, revelador do vasto conceito que o Autor tinha da Etnografia, e a tal ponto que nenhum outro conheço, tanto entre nós como lá fora, que se lhe avantage. Modelar em seu arranjo, nele encontrarão os estudiosos preciosa informação. 0 Dr. Leite começou tarde demais a redacção da Etnografia, só em 1928, quanto já tinha quase 70 anos. Sempre lhe pareciam insuficientes os dados que recolhera, apesar de ter percorrido de uma ponta à outra o território nacional e Ilhas Adjacentes. Tinha de resignar-se a publicar «um corpus da nossa Etnografia», de modo que abarcasse «metodica- mente» o complexo da vida tradicional portuguesa desde a Idade Média; outros o utilizariam «para, por fim, atingir a interpretação e origem histórica dos fenómenos»4. Fez, no entanto, mais do que isso nos volumes que pôde redigir: compara, explica, conclui, dando-lhes o acabamento definitivo que projectara. Era todo o seu gosto reconstituir a história dos fenómenos observados e nenhuma conclusão lhe parecia válida que se não firmasse em factos bem averiguados. Viu publicados o volume de Introdução e dois do Livro I sobre «A terra de Portugal». Do Livro II sobre «O povo português» compôs apenas 71 páginas. Não ficou, contudo, por aproveitar sua fabulosa documentação. Orlando Ribeiro, que na publicação da obra póstuma do Mestre pôs ardoroso empenho — temos de dizer que o único dos testamenteiros que cumpriu a vontade do testador, indo além do que se lhe pedia, enquanto João da Silva Correia, Cláudio Basto, Abílio Roseira e Gaspar Machado morriam prematuramente e Manuel Heleno não soube senão criar obstáculos a que o empreendimento prosseguisse— Orlando LEITE DE VASCONCELLOS (1858-1941) E A CIÊNCIA ETNOGRÁFICA EM PORTUGAL 1657 Ribeiro, repito, pôde obter do Instituto de Alta Cultura minha equipa- ração a bolseiro para me ocupar, sob sua vigilância e conselho, da orga- nização e publicação do espólio leitiano. Assim se completou o 4.° volume sobre «O povo português». Para colaborarem comigo nesta pesada tarefa chamei dois outros discípulos de Leite, Paulo Soromenho (f) e sua mulher Alda Soromenho, ambos licenciados em Letras, que com zelo, compe- tência e amor, prepararam sob minha orientação, para o prelo, na sua maior parte, os volumes do 5.° ao 9.°. No 10.° e último foi mais activa minha colaboração. Todo o trabalho se realizou em conformidade com o mencionado plano. Do Livro IV, síntese final em tão longa caminhada, nada achámos que servisse; ao Mestre competia escrevê-lo. Deixa-se para Adolfo Coelho o mérito de teorizador da Etnologia, quando se deve a Leite, apoiado na lição deste último e no que no mundo se ia produzindo, uma mais acabada classificação de ciências etnológicas. A ETNOLOGIA compreendia: A — Etnogenia. B — Etnografia, dividida em: a) Território e povo, b) Folclore, c) Ergografia. C — Etnologia Geral. Mas a Etnografia, como ciência, pratica-a pela primeira vez em Por- tugal Leite de Vasconcellos. Ninguém, antes dele, realiza sistemático trabalho de campo; não há fonte de informação a que não recorra. A definitiva arrumação de suas ideias sobre este tema está no capí- tulo de abertura do volume de Introdução. Antes era quase geral o uso do vocábulo etnografia para o estudo dos povos ditos primitivos e o de folklore para o dos europeus. Leite acaba, definitivamente, com essa 1658 MANUEL VIEGAS GUERREIRO descriminação e propõe e usa etnografiã como o estudo de «piimitivos» e «civilizados». E nenhum outro até ele, e nem depois, definiu melhor Etnografia: a ciência dos costumes, transmitidos de geração em geração, fenómenos colectivos, produto da actividade social, que dao feição típica aos grupos sociais. É o que Lowie mais tarde havia de designar de conjunto das tradições sociais. E para caracterizar melhor o facto etno- gráfico não distingue essencialmente ideias de coisas, umas e outras nascidas da psique, ou directamente expressas na vida espiritual, ou indirectamente na vida material: e aí vem «o cultivo de um hortejo, a preparação de umas papas, a feitura de um capote». E o elemento etnográfico tanto proviria de invenção independente como de difusão, desde que o fenómeno importado se acomodasse à índole do povo que o admitia, o que, em nomenclatura moderna, chamamos aculturação. E povo, objecto de Etnografia, não é só o vulgo, o povo popular, mas todo o povo, conjunto das classes sociais, embora seja mais rico o vulgo em matéria etnográfica. O trabalho de campo havia de completar-se no museu. E nisto estamos a ouvir as recomendações de Lévi-Strauss: «Dans le cas des objets matériels, ces opérations se poursuivent généralement au musée, qui peut être considéré, sous ce rapport, comme un prolon- gement du terrain»5. E a Etnografia não se limitava à observação, descrição, análise e classificação dos fenómenos, não era só ciência descritiva, competia-lhe ainda o estudo da origem histórica de elementos ou complexos da vida tradicional, segunda fase que Leite designa de comparativc-genética. A ela pertencem suas obras sobre Canções de Berço, Signum Salomonis, Ex-libris Tradicionais, A Barba em Portugal e A Figa. Mais uma vez se prenuncia, mutatis mutandis, Lévi-Strauss com seu segundo passo, já sistemático, que apelida de Etnologia6. Na Europa de Leite não se tinha alcançado ainda uma segunda e última étapa de síntese, que dava as primeiras luzes nos países anglo- -saxões, e se designava de Antropologia Social ou Cultural. Por ela se buscava estabelecer «as propriedades gerais da vida em sociedade», ou, por outras palavras, as leis gerais do comportamento humano. Todo o referido primeiro volume de Introdução constitui um manual de Etnografia e ao mesmo tempo, na sua terceira parte de «Fontes de investigação etnográfica» um pequeno tratado de Etnografia portuguesa e base de dados imprescindível a quantos se abalancem a escrever a sua História. E já amplamente a aproveitou Jorge Dias no Esboço que publicou. Salientem-se as páginas sobre trabalho de campo, a enumeração de museus e exposições e sobretudo a exaustiva notícia de LEITE DE VASCONCELLOS (1858-1941) E A CIÊNCIA ETNOGRÁFICA EM PORTUGAL 1659 fontes literárias, com comentário e o pormenor de quem nada cita que não tenha passado por suas mãos e olhos. Nas partes IV e V, respectivamente da «Importância de Etnografia» e «De como se organizou a obra», têm os estudiosos a explanação de sã e actual doutrina e abundante matéria de reflexão. * * * Foi nosso objectivo pôr em realce, com suficiência e clareza, o valor do conteúdo e as virtualidades da grande Etnografia de Leite de Vascon- cellos. Tanto nos volumes que redigiu, como nos que postumamente se publicaram têm os investigadores, etnógrafos, sociólogos, historiadores, economistas, geógrafos, psicólogos, cultores de todas as artes à sua disposição opulento acervo de factos e de ideias, com que poderão funda- mentar suas reconstituições históricas, desenvolver temas apenas aflo- rados, reforçar a substância de originais criações e meter-se pelos novos caminhos que o Mestre vai apontando. Leite de Vasconcellos não ensinou na Universidade a Ciência a que mais se aplicou. No seu tempo ainda aí não tinha entrado o ensino da Etnografia e da Sociologia. Tarde isso aconteceu, parece por receio de abrir ao conhecimento dos educandos o estudo das Ciências da Sociedade. Dizia-me aí pelos anos 40 um Director Geral do Ensino Primário que a investigação etnográfica não era de estimular por pôr a descoberto as misérias do povo português. Com a morte de Leite passou a pesquisa exclusivamente às mãos de amadores que, se não utilizaram métodos rigorosamente científicos, muito contribuíram para que se não perdesse boa parte do nosso patri- mónio cultural. Assim decorreram anos até que Jorge Dias, doutorado na Alemanha em Ciências Etnológicas e aproveitando a lição do Mestre, pôde renovar em Portugal os estudos etnográficos, ajudado de um grupo de estudiosos q^e ele próprio formou e tenho o gosto de citar: sua mulher Margot Dias, Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, iodos ainda produzindo Etnografia Científica. Grande lástima foi que Jorge Dias nos tenha deixado, quando ainda muito havia a esperar dele7. E a modo de desabafo, para terminar: custa a crer que autor de Amanho vulto, como Leite de Vasconcellos, possa ser ignorado de estu- 1660 MANUEL VIEGAS GUERREIRO diosos da cultura portuguesa, e até de alguns que especialmente da Etnografia se ocupam, num tempo em que as nações se empenham em definir sua identidade, em conhecer as raízes profundas de seu estar no mundo. E isto tem acontecido. Notas 1 Jean Poirier, Histoire de VEthnologie. Paris, P.U.F., 1969, pp. 20-21. 2 Citação de Orlando Ribeiro, «Vida e obra de José Leite de Vasconcellos», m Livro do Centenário. Lisboa, Imprensa Nacional, 1960. 3 Vid. Etnografia Portuguesa. Lisboa, Imp. Nacional, 1933, vol. I, pp. 348-349. 4 Etnografia Portuguesa, I, pp. 347-348. 5 Anthropologie Structurale. Paris, Plon, 1958, p. 387. 6 Op. cit., ibidem. 7 Também a Etnografia já não conta com um de seus mestres, o Dr. Ernesto Veiga de Oliveira, recentemente falecido. ECONOMIA POLITICA 

Leite de Vasconcellos (1858-1941) e a ciência etnográfica em Portugal

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