O objetivo deste trabalho foi quantificar as alterações dos teores de bases trocáveis e da acidez do solo associadas a um ano de irrigação com efluente de estação de tratamento de esgoto na cultura da cana-de-açúcar.

DEON, M. D. I.

GOMES, T. M.

MELFI, A. J.

MONTES, C. R.

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BASES E ACIDEZ DO SOLO APÓS IRRIGAÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR COMEFLUENTE DE TRATAMENTO DE ESGOTOMagnus Dall'Igna Deon(1); Tamara Maria Gomes(2) ; Adolpho José Melfi (3); Célia Regina Montes (4)(1) Pesquisador; Embrapa Semiárido, BR 428, Km 152, Zona Rural - C.P. 23, Petrolina, PE - CEP 56302-970,magnus.deon@cpatsa.embrapa.br; (2) Pós-Doutoranda; NUPEGEL; ESALQ; USP; Av. Pádua Dias, 11, C.P. 9, Piracicaba, SP; (3) Professortitular; Departamento de Ciência do Solo; ESALQ; USP; C.P. 9, CEP 13418-900 Piracicaba, SP; (4)Professora Doutora; CENA; USP; CP 96,CEP 13400-970 Piracicaba, SPResumo –  A utilização de efluentes de tratamento deesgoto  na  irrigação  de  culturas  é  opção  ambiental  eeconomicamente  interessante.  Entretanto,  esta  práticaainda  é  incipiente  no  Brasil  e  faltam  informações  arespeito  de suas  implicações.  Este  trabalho  objetivouquantificar as alterações dos teores de bases trocáveis eda  acidez  do  solo  após  a  irrigação  com efluente  deestação de tratamento de esgoto na cana-de-açúcar. Acultura recebeu quantidades de efluente entre 0 e 200%da ETc e,  após  um ano,  o  solo  foi  amostrado  até  aprofundidade  de  1  m  e  analisado  quimicamente.  Airrigação com efluente não afetou significativamente osteores de Al, Ca, Mg, Na e o valor da soma de bases noprimeiro ano. Já o teor de K e o valor de  V foramafetados negativamente pela irrigação com efluente noprimeiro ano enquanto H+Al sofreu incremento.Palavras-Chave:  Saccharum  spp.,  reuso  de  água,gotejamento, água residuáriaINTRODUÇÃOA  irrigação  de  culturas  é  um  dos  métodos  maisrecomendados  para a destinação  de águas  residuárias(Fonseca et al., 2007). É um método viável, pois  evitalançamentos  diretos  nos  corpos  d’água  e  garante  aprodutividade da cultura, por causa do fornecimento deágua e nutrientes (Deon et al. 2010).Estas  águas  geralmente  apresentam  composiçãocaracterística de cada tipo particular  de resíduo, nemsempre sendo a mais adequada à produção e nutriçãodas culturas agrícolas (Fonseca et al., 2007). Isso podeacarretar  desbalanço  de  nutrientes  no  sistema  solo-planta  e  efeitos  negativos  associados  à  sodificação,salinização e toxicidade de certos elementos.De acordo com a revisão de Fonseca et al. (2007),os  teores  trocáveis  no  solo  de Ca,  Mg e  K não  sãoobjeto  de  alterações  consistentes  com  a  prática  dairrigação  com  efluente  de  estação  de  tratamento  deesgoto (EETE). No trabalho de Leal et al. (2009), o pHdo solo não foi alterado pelo uso de EETE na irrigaçãode cana-de-açúcar. A alta concentração de Na presenteem alguns  efluentes,  pode  favorecer  a  dessorção  e  alixiviação de outros cátions, particularmente o K (Lealet al., 2009), o que demandaria o ajuste da fertilizaçãoda cultura para evitarem-se deficiências desse nutriente(Karlen et al., 1976). O objetivo deste trabalho foi  quantificar  as alteraçõesdos teores de bases trocáveis e da acidez do solo associadasa  um  ano  de  irrigação  com  efluente  de  estação  detratamento de esgoto na cultura da cana-de-açúcar.MATERIAL E MÉTODOSO  experimento  foi  conduzido  em área  canavieira  aolado  da  estação  de  tratamento  de  esgoto  por  lagoas  deestabilização  operada pelo  Serviço  Municipal  de Água  eEsgoto  (SEMAE)  em  Piracicaba,  SP.  O  solo  é  umArgissolo  Vermelho  Amarelo  Eutrófico  típico  e  avariedade  plantada  foi  a  SP  90-3414.  Os  resultados  daanálise de solo prévia indicaram pH em H2O de 6,14; 24 gdm-3 de MO; 8,6 mg dm-3 de P-Mehlich-1; 1,86mmolc dm-3de K; 32,19 mmolc dm-3 de Ca; 18,44 mmolc dm-3 de Mg;0,36 mmolc dm-3 de Na; 21 mmolc dm-3 de H+Al; 66,92mmolc dm-3 de SB; 101,09 mmolc dm-3 de CTC; e 71% deV. A adubação foi realizada conforme a recomendação deRAIJ et al. (1996), mas com aplicação da metade da doserecomendada  de  nitrogênio  (N).  A  primeira  soca  foiadubada com 60 kg de N, 30 kg de P2O5 e 120 kg de K2Opor hectare, incorporados ao lado das linhas de plantio.O  período  de  avaliação  correspondeu  ao  ciclo  da  1ªsoca.  Para  a  irrigação  com  o  efluente  proveniente  daestação de tratamento de esgoto, o canavial foi dividido em32 parcelas  com seis  linhas  de plantio  espaçadas 1,4  m,com  irrigação  em  cinco  delas.  Foram  consideradasbordaduras  a  linha  de plantio  do  lado  da  maior  cota  doterreno, duas linhas do lado oposto, sendo a última dela nãoirrigada, e ainda os 5 metros iniciais e finais das linhas naparcela, restando a área útil de 84 m2.A irrigação por gotejamento foi realizada três vezes porsemana,  com  a  evapotranspiração  da  cultura  (ETc)calculada  a  partir  da  evaporação  do  tanque  Classe  A  ecoeficientes de cultura (Kc) de Doorenbos & Pruitt (1977).Os  tratamentos  consistiram  de  irrigação  com  diferenteslâminas  do  EETE:  (1)  sem  irrigação;  (2)  irrigação  comEETE, 25% da ETc; (3) 50 % da ETc; (4) 75 % da ETc; (5)100% da  ETc; (6) 125% da ETc; (7) 150% da ETc e (8)200% da  ETc. O efluente utilizado na irrigação apresenta28,9; 2,5; 25,7; 14,1; 5,0; 36,8 e 66,9 mg L-1 de N, P, K,Ca, Mg, S e Na, respectivamente, pH 7,4 e condutividadeelétrica 0,82 dS m-1 (Gomes et al., 2009).As  amostras  de  solo  foram  coletadas  no  início  doexperimento e após um ano de aplicação dos tratamentos,nas profundidades de 0-10, 10-20, 20-40, 40-60, 60-80 e80-100  cm  para  análise  química.  No  solo  foramdeterminados os teores de Ca, Mg, K, Na, pH, H+Al eAl e calculados SB e V, conforme Embrapa (1999).Para interpretação de suas alterações, os resultadosdas análises do solo após um ano foram subtraídos dosvalores  obtidos  antes  do  experimento  e,  com  asdiferenças,  foi  realizada  análise  por  superfícies deresposta, utilizando o proc rsreg do SAS (SAS, 1999).RESULTADOS E DISCUSSÃOO pH do solo teve alteração significativa apenas emrelação à profundidade e ao componente quadrático dairrigação, mas não à interação destes fatores (Tabela 1).O  ajuste  quadrático  em  relação  à  profundidade  foiinfluenciado pela redução de menos de meia unidadeno pH da camada superficial, entre 0 e 20 cm. Abaixodesta profundidade,  o pH manteve-se estável.  Pereira(2009) observou acidificação da camada superficial dosolo  após  11  anos  de  irrigação  com  EETE.  Osresultados  aqui  apresentados  ainda  não  permitemassociar alterações no pH do solo com a aplicação doEETE.Alteração  mais  nítida  foi  observada  na  acidezpotencial  (H+Al),  que foi  significativamente  ajustadaaos  fatores  estudados,  com  exceção  do  efeitoquadrático da irrigação. Na representação gráfica desteajuste  (Figura  1)  pode  ser  notada  a  influência  dostratamentos com maior lâmina de irrigação com EETEno aumento da acidez potencial na camada superficial.Já foi observado este efeito em outros trabalhos comEETE (Pereira, 2009), que está relacionado à adição degrandes quantidades de N amoniacal e o processo denitrificação  no  solo,  que  libera  H+ (BOLAN;HEDLEY; WHITE, 1991). O mesmo processo explicao efeito sobre a saturação por bases (V) representadana Figura 2, embora a estatística para interação entre osfatores não tenha sido significativa a 5%.O K foi significativamente alterado pela irrigaçãocom  EETE (Tabela  2).  Na  representação  gráfica  domodelo  estatístico,  é  possível  observar  que  naprofundidade  intermediária  estudada  a  alteração  foinula, limitando-se à camada superficial do solo (Figura3). Neste caso, houve aumento do K, mas este aumentofoi menor nas áreas irrigadas que na não irrigada. Alémdo EETE, o K é adicionado ao solo pelas adubações, ea remoção pela cultura foi maior nas parcelas irrigadas,além de que outros elementos adicionados pelo EETEdeslocam  o  K  do  complexo  de  troca  do  solo,favorecendo sua lixiviação, principalmente nas lâminasde  irrigação  maiores  que  a  necessidade  da  cultura.Estes  resultados  concordam  com  os  observados  porPereira  (2009),  que  observou  uma  redução  do  Ktrocável na superfície do solo proporcional a irrigaçãocom EETE. Não foi observada alteração significativa do Ca noperíodo estudado. Já o Mg do solo foi não foi alteradosignificativamente  pela  irrigação,  mas  foi  associado  umefeito à profundidade (Tabela 2).Com o uso continuado de EETE, o sódio pode atingirteores  elevados  no  solo,  requerendo  cuidados  especiaispara  seu  manejo  (Leal  et  al.,  2009).  No  prazo  desteexperimento  foi observado apenas pequeno incremento deNa  em  profundidade,  não  sendo  possível  isolar  efeitoexclusivo  ou  combinado  da  irrigação  (Tabela  2).  Ocomportamento  observado  pode  ser  explicado  pela  boaquantidade  de  Ca  e  Mg  no  solo,  que  são  retidos  maisfortemente  que  o  Na,  e  o  tornam  este  mais  sujeito  àlixiviação  tanto  pelas  chuvas  quanto  pela  lâmina  deirrigação excessiva. No entanto, o Na deve ser motivo demonitoramento,  principalmente em solos mais pobres emCa e Mg, onde pode vir a dominar o complexo de troca dosolo (Fonseca et al., 2007). Pereira (2009) observou maisde 4 mmolc kg-1 de Na no solo após 11 anos de irrigaçãocom EETE.CONCLUSÕES1. A irrigação com efluente afetou negativamente o teorde K e a saturação por bases (V) e afetou positivamente aacidez potencial (H+Al) do solo no primeiro ano. 2.  A  irrigação  com  efluente  não  afetousignificativamente os teores de Al, Ca, Mg e Na e a somade bases (SB) do solo no primeiro ano. AGRADECIMENTOSAo  grupo  COSAN  e  ao  SEMAE pela  participação  ecolaboração na pesquisa; à CAPES pela bolsa de estudosconcedida e à FAPESP pelo apoio financeiro (04/14315-4).REFERÊNCIASBOLAN, N.S.; HEDLEY, M.J.; WHITE, R.E. Processes of soilacidification  during  nitrogen  cycling  with  emphasis  onlegume based pastures. Plant Soil, 134:53-63, 1991.DEON, M.D. ; GOMES, T.M. ; MELFI, A.J.  ; MONTES, C.R.;SILVA,  E.  Produtividade  e  qualidade  da  cana  de  açúcarirrigada com efluente de estação de tratamento de esgoto.Pesq. Agropec. Bras., 45:1149-1156, 2010. DOORENBOS, J.; PRUITT, W.O. Guidelines for predicting cropwater  requeriments.  Rome:  FAO,  1977.  179p.  (Irrigationand Drainage Paper, 24).EMBRAPA.  Manual  de  análises  químicas  de  solos,  plantas  efertilizantes.  Brasília:  Embrapa  Informação  Tecnológica,1999. 370 p.FONSECA, A.F.; HERPIN, U.; PAULA, A.M. de; VICTÓRIA,R.;  MELFI,  A.J.  Agricultural  use  of  treated  sewageeffluents:  agronomic  and  environmental  implications  andprespectives for Brazil. Sci. Agr., 64:194-209, 2007.GOMES,  T.M.;  MELFI,  A.J.;  MONTES,  C.R.;  SILVA,  E.;SUNDEFELD JUNIOR, G.C.; DEON, M.D.; PIVELI, R.P.Aporte de nutrientes e estado nutricional da cana-de-açúcarirrigada com efluente  de estação  de  tratamento  de esgotocom e sem desinfecção. R. DAE, 180:17-23, 2009.KARLEN, D.L.; VITOSH, M.L.; KUNZE, R.J. Irrigation of Cornwith  Simulated  Municipal  Sewage  Effluent.   J.  Environ.Qual., 5:269-273, 1976.LEAL,  R  ;  HERPIN,  U  ;  FONSECA,  A  ;  FIRME,  L  ;MONTES, C. R. ; MELFI, A. Sodicity and salinity in aBrazilian  Oxisol  cultivated  with  sugarcane  irrigatedwith  wastewater.  Agr.  Water  Manag.,  96:307-316,2009.PEREIRA,  B.F.F.  Alterações  químicas  no  sistema  solo-plantairrigado com efluente de esgoto tratado no cultivo dos citros.Piracicaba, ESALQ, 2009. 163p. (Tese de Doutorado)Tabela 1. Superfície de resposta para a diferença do pH, alumínio trocável (Al3+), acidez potencial (H+Al), e saturaçãopor bases (V) no solo no início do experimento e um ano após a aplicação da irrigação, em função da intensidadede irrigação e da profundidade do soloComponente do modelo ParâmetropH Al H+Al VIntercepto -0,409** 0,220554* -4,2963** 4,6881**Irrigação -0,002311ns 0,000477ns 0,04650** -0,06575**Profundidade 0,020028** 0,002124ns -0,076344** 0,25028**Irrigação² 0,00001299* -0,000005227ns -0,000040384ns -0,000212*Profundidade² -0,000171** -0,000054262ns 0,000897** -0,002176**Interação -0,000007616ns 0,000004734ns -0,000157* 0,000019477nsR² 0,25 0,06 0,51 0,21Tabela 2. Superfície de resposta para a diferença dos teores trocáveis de cátions no solo no início do experimento e umano após a aplicação da irrigação, em função da intensidade de irrigação e da profundidade do soloComponente do modelo ElementoK Ca Mg Na SBIntercepto 2,76025** 2,022513ns -3,01267** -0,100763ns 1,768471nsIrrigação -0,007879** 0,048603ns 0,006675ns -0,002268ns 0,045142nsProfundidade -0,075314** 0,035412ns 0,219127** 0,015799** 0,195016*Irrigação² 0,000014ns -0,00009ns 0,0000616ns 0,0000083ns -6x10-6nsProfundidade² 0,000501** -0,000481ns -0,00196** -0,00007ns -0,002011*Interação 0,00007167** -0,000365ns -0,000161ns -0,0000217ns -0,000475nsR² 0,72 0,06 0,27 0,32 0,08200000-2-2-2-2-2-4-4-4-4Irrigação com EETE (%ETc)0 50 100 150 200Profundidade (cm)020406080100Figura 1. Alteração da acidez potencial (H+Al) do solo após um ano de irrigação com EETE (mmolc kg-1)55500-51010101010105Irrigação com EETE (%ETc)0 50 100 150 200Profundidade (cm)020406080100Figura 2. Alteração da saturação por bases (V) do solo após um ano de irrigação com EETE (%)0,50,0 0,00,00,00,00,00,0 0,00,50,50,50,51,01,01,01,01,51,51,51,52,02,02,5Irrigação com EETE (%ETc)0 50 100 150 200Profundidade (cm)020406080100Figura 3. Alteração do K do solo após um ano de irrigação com EETE (mmolc kg-1)

Bases e acidez do solo após irrigação da cana-de-açúcar com efluente de tratamento de esgoto.

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