Moraes Wichers, Camila Azevedo de

Portuguese

Portal de Periódicos Científicos da PUC Goiás

3Goiânia, v. 17, n.1, p. 3-6,  jan./jun. 2019.DOI 10.18224/hab.v17i1.7442APRESENTAÇÃOO Dossiê “Museus e acervos arqueológicos e etnográficos: (re)leituras e experiências” versa sobre as práticas, experiências e ressignificações dos acervos arqueológicos e etnográ-ficos em instituições museológicas e de preservação. Trata-se de um campo profícuo de análises e discussões na atualidade, onde cada vez mais faz-se sentir os desafios ine-rentes ao trato com uma herança muitas vezes marcada pela colonialidade, ao mesmo tempo que vê-se uma multiplicidade de processos de ressignificação dessa herança, en-volvendo o atendimento a demandas de diferentes coletivos humanos. Dessa forma, o dossiê reúne estudos com enfoque em acervos arqueológicos e etnográficos, integrando discussões concernentes ao estudo, à salvaguarda e à comunicação desses acervos. A relação entre a prática arqueológica, o fazer antropológico e os museus é de longa data, uma vez que essas instituições foram palco das primeiras pesquisas desses campos disciplinares. Se por um lado, essa trajetória nos legou coleções e instituições marcados pela mencionada colonialidade, por outro lado, vemos na contemporaneida-de um enorme potencial para a realização de processos partilhados. O dossiê mapeia essa trajetória, os esforços vocacionados ao estabelecimento e/ou revisão de protocolos, assim como as metodologias de trabalho colaborativo. Buscando compreender os rumos das expedições e sua relação com a constituição de coleções e acervos arqueológicos e etnográficos, traçando marcas do colonialismo, Maria Cristina Oliveira Bruno apresenta o texto “As Expedições e os Museus: reciprocidades e promiscuidades”. Por meio de uma abordagem do cenário internacional e brasileiro, a autora procura indicar sinais que têm consolidado a lógica das instituições museológicas até a contemporaneidade, considerando suas historicidades, bem como a relevância da Arqueologia e a Etnologia musealizadas neste contexto. Nessa longa trajetória são identificados APRESENTAÇÃOGoiânia,  v. 17, n.1, p. 3-6,  jan./jun. 2019.4desde saques e espoliações, coletas regidas por exploradores naturalistas, expedições científicas dotadas de metodologias mais adequadas até novas práticas expedicionárias, fruto de processos associados ao licenciamento ambiental de empreendimentos diversos, presentes em todas as regiões brasileiras. Nessas trilhas, as expedições crescem de forma exponencial, auxiliando na consolidação de distintos ramos do saber, passando a fazer parte da metodologia de trabalho e de ensino. Bruno aponta que apesar de muitas iniciativas registradas em estudos e discussões acadêmicas, as reciprocidades e promiscuidades entre expedições e museus ainda estão presentes no século XXI. Certamente, trata-se de um cenário onde a cadeia operatória museológica, amparada nos procedimentos de salvaguarda e comunicação, pode submeter a novos olhares aquilo que foi visto, selecionado e preservado, contribuindo de forma decisiva para a descolonização dos museus. O Dossiê traz três artigos que dialogam diretamente com os debates sobre descolonização dos museus por meio de novas práticas partilhadas de ressignificação das coleções e acervos. Helena Pinto Lima vem contribuir para essa discussão com seu artigo intitulado “Patrimônio para quem? Por uma Arqueologia Sensível”. A autora discute a questão da arqueologia praticada na Amazônia e defende que os acervos ar-queológicos gerados pelas pesquisas sejam pautados numa gestão engajada e na guarda compartilhada. Chama atenção para uma “arqueologia sensível” comprometida, sobre-tudo, com “acervos sensíveis” que pensam os princípios de manuseio, de guarda e de acesso dos objetos em conjunto com os coletivos humanos para os quais o patrimônio arqueológico faz sentido. Também pautada no contexto amazônico, Daiane Pereira, no “’Roubo das Urnas’: a relação do patrimônio arqueológico salvaguardado e os coletivos humanos” demonstra como a relação entre os coletivos humanos não arqueólogos e a materialidade das pesquisas arqueológicas tem sido historicamente ditada pelos arque-ólogos, fundamentada no discurso da cientificidade e autoridade. A autora parte de narrativas presentes em comunidades amazônicas acerca do ‘roubo de urnas’ por parte de arqueólogos, problematizando o falso antagonismo entre conservar e extroverter. Interessa à autora a problematização das reservas técnicas como ‘esconderijos perfeitos’ que isolam o patrimônio arqueológico dos coletivos humanos sob a justificativa de conservar e preservar essas coleções. Por fim, ainda nesse conjunto de textos que pro-vocam práticas museológicas ainda marcadas pela colonialidade, temos o artigo de Ca-mila A. de Moraes Wichers “Sobre a musealização de acervos Iny-Karajá: desafios e possibilidades para uma prática decolonial”. A autora reflete sobre a aspectos da musealização de acervos Iny-Karajá, compreendendo os acervos arqueológicos e etno-gráficos desse povo enquanto patrimônio cultural indígena, pontuando a historicidade das pesquisas, compreendidas como colecionamento do povo Iny-Karajá. Por meio de duas experiências de musealização com esse povo, os desafios e as possibilidades eviden-ciadas pela interface entre Arqueologia, Antropologia e Museologia, tangenciadas pelo diálogo intercultural, são destacados. O exercício interdisciplinar inerente ao trabalho com acervos e coleções ar-queológicas é salientado por Grasiela Tebaldi Toledo no texto “Entre costuras e nós: cenários da Musealização da Arqueologia”. A autora defende o trabalho conjunto entre a arqueologia, museologia e conservação, destacando que essas áreas devem assumir patamares equânimes no tratamento dispensado ao patrimônio arqueológico em suas esferas teóricas e práticas. Destaca o papel da Musealização da Arqueologia, enquanto perspectiva teórico-metodológica nesse contexto, capaz de dialogar diretamente com os desafios contemporâneos da preservação patrimonial. Goiânia,   v. 17, n.1, p. 3-6,  jan./jun. 2019.5Carlos Alberto Santos Costa, no texto “Por Políticas para a Gestão e Museali-zação do Patrimônio Arqueológico: uma escala de sentidos” também destaca a impor-tância do diálogo interdisciplinar no tratamento do patrimônio arqueológico. Em seu texto, as noções de política, gestão, museu, musealização e patrimônio arqueológico são apresentadas como pano de fundo para que as dimensões e princípios da preservação do patrimônio arqueológico sejam esmiuçadas. De especial importância é a noção de museu trazida pelo autor, pautada na definição legal, evidenciando que “instituições científicas especializadas” e as “instituições de guarda e pesquisa” são legalmente mu-seus, o que converge com a noção de museu adotada no presente dossiê. O autor traz diversas dimensões relacionadas à preservação do patrimônio arqueológico, a saber: a dimensão sociocultural, a dimensão técnica e acadêmica, a dimensão patrimonial, a di-mensão política-acadêmica, a dimensão institucional e a dimensão regional, enfatizan-do as diversas escalas de sentidos dessas dimensões, os aspectos normativos envolvidos e os princípios decorrentes desse olhar mais holístico para o desafio da preservação do patrimônio arqueológico. O dossiê traz dois textos voltados a experiências de releitura de coleções e sítios arqueológicos. O primeiro deles de Diego Teixeira Mendes, Tatyana Beltrão De Olivei-ra, Natália Dutra Costa, Manuelina Maria Duarte Cândido “Retomando a primeira coleção arqueológica do Museu Antropológico/UFG, o Sítio Cachoeira (Go-Ca.1) e algumas histórias adormecidas” evidencia o processo de retomada da primeira coleção arqueológica do Museu Antropológico da Universidade Federal de Goiás, envolvendo o exame documental dessa coleção e trazendo à tona questões relacionadas à história da arqueologia no Estado de Goiás. Para os autores, as relações assimétricas informante/arqueólogo aprofundaram a estratigrafia do abandono dessa coleção. Por fim, a equipe envolvida na pesquisa desenvolveu processos de comunicação da coleção com profes-sores da rede municipal de Orizona, município onde está inserido o sítio arqueológico, trazendo reflexões sobre educação e história indígena. Jean Baptista e Tony Boita, por sua vez, no artigo “Memórias Exiladas no Sítio Arqueológico São Miguel Arcanjo: uma visita à igreja e ao cotiguaçu enquanto patrimônios indígenas”, buscam, a partir de uma abordagem etno-histórica, questionar o protagonismo e o reconhecimento da autoria dos Jesuítas sobre o Sítio Arqueológico São Miguel Arcanjo. O autor aponta como os processos preservacionistas inviabilizaram a atuação dos indígenas na construção da-queles espaços, como seres passivos mediante a então nova ordem colonial. Os autores, a partir de dois espaços localizados no Sítio Arqueológico tidos como “não-lugar indí-gena”, procuram, munidos de uma vasta documentação colonial e de produções cine-matográficas, desconstruir o paradigma jesuítico e mostrar que a experiência histórica vivenciada por indígenas no contexto missional esteve longe de ser mero coadjuvante.Por fim, a partir da perspectiva da antropologia visual, Fabíola Silva e Ana Carolina Pellegrini, no artigo “Imagens dos Asurini do Xingu: refletindo sobre a im-portância dos acervos fotográficos nos museus”, exploram os processos de estudo e res-significação de acervos imagéticos e visualidades relacionadas com os povos indígenas. As autoras trazem uma reflexão sobre a relevância dos acervos fotográficos preservados nos museus, bem como da fotografia na pesquisa antropológica. Segundo as autoras, as imagens que constituem os acervos fotográficos não são apenas a “ilustração de uma pesquisa” ou de “um texto escrito”, mas também a “narrativa visual de uma experiência vivida”, no caso em questão, as imagens contam histórias sobre o povo Asurini e evi-denciam aspectos fundamentais do seu modo de ser e de viver.Goiânia,  v. 17, n.1, p. 3-6,  jan./jun. 2019.6O artigo de Edouard Nzoyihera, intitulado “Le Musée National de L’Ouganda, um héritage colonial à repenser” apresenta uma análise crítica da abordagem museo-gráfica do Museu Nacional de Uganda, trazendo reflexões da cultura e da identidade nacional. Aspectos do colonialismo histórico estão marcados nesse museu, considerado o mais antigo da África Oriental, cuja história, segundo o autor, remonta ao ano 1902 com a aquisição das primeiras coleções. O artigo traz importantes considerações sobre o papel das instituições e das coleções museológicas da África na perspectiva de uma descolonização dos museus. Trata-se, portanto, de um tema que está em consonância com os estudos atuais, voltados ao fortalecimento de teorias e metodologias concatena-das a dar outros sentidos à herança colonial. O dossiê também apresenta o documento resultante do “Fórum Acervos Ar-queológicos: por uma política de preservação do patrimônio arqueológico brasileiro”, realizado entre os dias 28 e 30 de agosto de 2018, no auditório do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.  Esse evento acadêmico deu continuidade a uma trajetória de encontros, simpósios e trocas entre profissionais envolvidos na preservação dos acervos arqueológicos, mas com o ineditismo de reunir, pela primeira vez, a Rede de Museus e Acervos Arqueológicos (REMAAE) e o Grupo de Trabalho Acervos da Sociedade de Arqueologia Brasileira (GT Acervos da SAB) em um evento desta natureza, com vistas a congregar profissionais das áreas da Arqueologia, Conservação e Restauração e MuseologiaO dossiê conta ainda com o resumo da tese “Pedras artesãs: materialidade, tecnologias e mobilidades das panelas de pedra-sabão em Minas Gerais” de Vinicius Melquiades dos Santos, defendida em 2018 no Programa de Pós-Graduação em Arque-ologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo e orientada por Maria Cristina Oliveira Bruno. Na tese o autor discorre sobre a história de vida das panelas-sabão, partindo de suas materialidades e abordando a permuta de proprieda-des entre pessoas humanas e coisas, envolvendo etnografias que abordam a análise de coleções arqueológicas, a vivência e acompanhamento de comunidades de artesãos os processos de musealização e patrimonialização desses artefatos. Finalmente,  o dossiê se encerra com entrevista à Dra. Claudia Rodrigues Carvalho, Coordenadora do Resgate de Acervos do Museu Nacional, Diretora da Casa da Ciência. Profa. Dra. Camila A. de Moraes WichersBacharelado em Museologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (FCS/ UFG)Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFG)

“MUSEUS E ACERVOS ARQUEOLÓGICOS E ETNOGRÁFICOS: (RE)LEITURAS E EXPERIÊNCIAS”

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“MUSEUS E ACERVOS ARQUEOLÓGICOS E ETNOGRÁFICOS: (RE)LEITURAS E EXPERIÊNCIAS”

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