Fideles, Andréa Paniago

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ANDRÉA PANIAGO FIDELESGÁLATAS:A EPÍSTOLADA ABERTURADE FRONTEIRASFERREIRA, Joel Antônio. Gálatas: a epístola da abertura de fronteiras. SãoPaulo: Loyola, 2005.desenvolvimento de pesquisas na área das relações de gênero aindaencontra sérias dificuldades tanto na sua discussão quanto no supor-te técnico e financeiro. Talvez o maior de seus problemas seja o pre-conceito, pois algumas pessoas acreditam e consideram essa abordagemdescabida, ultrapassada e enfadonha. Apesar de se apresentar de modosutil, o preconceito é velado e reprime informações fundamentaissobre as relações de gênero e sua importância.Ainda hoje esses fatos podem ser observados nos universos acadêmico epopular, quando se escuta dizer que homens e mulheres são tratadossem ou quase sem distinção, assim como as raças, as idades, a condi-ção econômica ou social, como se não tivessem implicações cruéis nocotidiano, reflexo de um passado cercado pelo silêncio. Na realidade,existe uma grande necessidade de se estudar as diferenças das diversasformas de se analisar os seres humanos na história.Contudo, vozes e mãos se unem em prol de divulgar e aprofundar a questãode gênero existente também na literatura bíblica, proporcionandouma verdadeira revolução na atuação religiosa e social dos que relê-em os textos bíblicos e os colocam em prática. Essa revolução é ofere-OC O M U N I C A Ç Õ E S, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 169-172, jan./jun. 2006 170cida quando o autor Ferreira reconstrói Gálatas, analisando o capítu-lo 3,26-28, tendo como chave de leitura a simetria comunitária, re-flexo da busca que a Epístola conquista ao ser, lida na perspectiva deuma possível sociedade cristã igualitária e livre.Gálatas: a epístola da abertura de fronteiras é um intenso exercíciohermenêutico, fruto de longa pesquisa realizada pelo autor. O livronão se assemelha ao alvoroço de quem descobre a liberdade em Gálataspela primeira vez, muito menos se parece com aqueles(as) que já seassentaram em suas próprias convicções e teorias. O livro é dinâmicoe propõe um belo diálogo entre ciência e religião, na tentativa demanter um intercâmbio entre o pluralismo cultural.O autor é casado, pai, professor na graduação em Teologia e no Mestradoem Ciências da Religião da Universidade Católica de Goiás. Doutorem Literatura e Religião no Mundo Bíblico pela Universidade Metodistade São Paulo, sua tese de doutorado já demonstrava seu interesse narelação de gênero, tendo como tema A abertura das fronteiras rumo àigualdade e liberdade: a perícope da unidade em Cristo – Gálatas3,26-28.A introdução geral é rica na explanação dos acontecimentos das micro emacrorrelações da região da Galácia. O autor preocupou-se em ilus-trar cada passo da formação desse povo antes de adentrar no relacio-namento de Paulo com as comunidades do Norte, antes de caracterizá-lo,sua missiva, seus concorrentes (as missionárias e os missionários ju-deu-cristãos), as comunidades e seus próprios conflitos e ainda a in-fluência das culturas greco-romana.A coerência na abordagem metodológica mescla intensamente os conflitospessoais e comunitários, que colaboram na identificação dos emba-tes que estavam por trás da formação literária da Epístola. Para tanto,foram exercitados pelo autor três métodos de leitura muito bem ela-borados, mas de fácil acesso ao(à) leitor(a): o histórico-crítico, ohermenêutico teológico e o método sociológico. Todos foram acerta-damente delineados pelas retomadas à história do povo reunido naregião da Galácia, pela descrição minuciosa das tensões advindas dosistema político e econômico (+-57d.C.) impostos por Roma, pelasvárias correntes dos cristianismos originários e pelos choques cultu-rais, fortemente vivenciados pela religiosidade.Diante de todos estes conflitos sociais, culturais, políticos, religiosos e de umaparcela do judaísmo conformada com a opressão vinda de Roma, a nova, Goiânia, v. 4, n. 1, p. 169-172, jan./jun. 2006171hermenêutica paulina apresenta uma alternativa libertária, que nega osmoldes do sistema vigente escravagista e que pode acabar com as ‘regalias’judaicas, entre elas, a de ter sua religião como lícita no Império.A sensibilidade do autor encontra o motivo da Epístola aos Gálatas: elaevoca um novo chamamento às comunidades da região e faz de Paulo‘apóstolo de todas as gentes’. Ele, que está ameaçado em sua autori-dade e que sai em sua autodefesa, referenda sua missão apostólica emseu envio divino ao estilo dos profetas do Primeiro Testamento.Para o autor, o cerne da carta está na liberdade e na vida fraterna, na qualnão haja mais judeus(ias) nem gregos(as), escravos(as) nem livres,macho nem fêmea, todos(as) na unidade em Cristo. A proposta dePaulo está na “unidade em Cristo, fundamentada na superação detodos os preconceitos e exclusões. A fé e o batismo aboliram todas asdiferenças” (p. 103).Na visão do autor, Paulo está preocupado e interpreta as comunidades comoretomando a ‘obrigação’ e o legalismo. A falta de compreensão porparte dos Gálatas ameaça a vida comunitária, o projeto de liberdadee a vida no Espírito, pois todos(as) “estão sendo tentados a absolutizaro legalismo rabínico” (p. 156).A prédica radical de Paulo é tratada pelos contornos da humanidade doapóstolo. Seu temperamento aflorado ressalta suas características depessoa sangüínea (Gl 1,8-9). Demonstra que ele próprio está inseri-do num processo de formulação do seu pensamento, de sua vivênciacristã e da revelação de Jesus Cristo:Paulo, com seu temperamento explosivo, trata a temática com os ‘ner-vos à flor da pele’ e, por isso, se torna exagerado na polêmica. Damos odesconto a esta linguagem dura, principalmente porque mais tarde, naEpístola aos Romanos, ele irá rever estas questões, principalmente noque tange à postura dos judeus com relação à Lei (Rm 9ss). Ele querbalançar e questionar seus leitores (p. 40).Ao perceber que seus irmãos e suas irmãs estão se afastando da justiça que vemda fé em Cristo, Paulo tenta, na admoestação, fazer-se instrumento deajuda a todos(as), para que façam uma revisão de seus projetos. “Referin-do-se às virtudes teologais, ele desinstala os gálatas para depois ajudá-losa se reconstruir” (p. 159), para que todos(as) participem da graça e dapaz que não vem de Roma, mas gratuitamente de Jesus Cristo., Goiânia, v. 4, n. 1, p. 169-172, jan./jun. 2006 172Em suma, o autor deixa bem claro que a primeira parte da obra aborda aessência da epístola e seus conflitos. A segunda sustenta a abertura defronteiras que Paulo justifica pela fé e liberdade cristã na experiênciada unidade e igualdade (Gl 3,26-28). E a terceira parte fundamenta aretomada do plano salvífico de Cristo, que é se deixar conduzir con-tinuamente pelo Espírito, para se realizarem a igualdade e liberdadenas comunidades (de mesa). Esta liberdade se estreita mediante oamor, assim todos(as) devem se tornar escravos(as), isto é, colocar-seà disposição para servir aos(às) irmãos(ãs). A conclusão se dá exata-mente na revelação da verdadeira paz e graça que provêm de Jesus eque provocam a unidade eclesiológica e o serviço, na liberdade, aosirmãos e às irmãs.A obra emite, de certa forma, a experiência de vida do autor no camporeligioso, mas não afeta sua contribuição científica, de elevada cate-goria, ao possibilitar tão bela chave de leitura (Gl 3,26-28) para aepístola. Esta possibilidade compreende e vivencia a unidade em Cristocomo uma verdadeira e factível abertura de fronteiras, que rompecom as desigualdades nas relações e prescreve a escravidão do cotidi-ano, colocando em seus lugares a vida no Espírito.Pode-se dizer que o livro tem como sustentáculos a vasta experiência e pes-quisa do autor e uma bibliografia comentada de livros na língua pá-tria e em outros idiomas, além do carinho de ter um breve comentáriocom algumas palavras-chave utilizadas na obra. Fica claro que o livrofoi redigido de forma a possibilitar uma leitura agradável e atualiza-da das recomendações de Paulo às comunidades da Galácia, querecepcionaram a epístola e a fizeram circular pelas liturgias da região.A chave de leitura escolhida pelo autor nos aproxima ainda mais da realida-de vivenciada pelas comunidades dos cristianismos originários. A obranão pretende atar o(a) leitor(a), mas oferece dados riquíssimos capa-zes de questionar nossos conhecimentos e nossas interpretações ulte-riores que não coadunam com a compreensão que o autor nos comunica.ANDRÉA PANIAGO FIDELESMestra em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Goiás.

Gálatas: a epístola da abertura de fronteiras

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