Mendes, Nuno Canas

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	 136	15  A adesão de Timor à ASEAN  Nuno Canas Mendes30  Salvas as devidas e naturais diferenças, entre o pedido de adesão de Portugal às comunidades europeias em 1977 e a assinatura do tratado de adesão, em 1985, decorreram oito anos de difíceis e duras negociações, em que foi necessário ultrapassar várias dificuldades políticas, diplomáticas e técnicas. No caso de Timor, entre a formalização do pedido em 2011 e os dias de hoje, muita água já correu debaixo das pontes, vários argumentos têm sido avançados para justificar a reserva da organização e em particular de alguns dos seus estados-membros, e mesmo em Timor a questão suscita um debate sobre as vantagens da participação num projeto que virá a denunciar, forçosamente, fragilidades. Ora o que nesta comunicação se pretende é dar conta da inscrição deste desiderato entre os eixos da política externa timorense, a evolução do processo e as controvérsias a ele associado. Começamos por um enquadramento histórico e político, incluindo uma referência a todas as vicissitudes do processo e reservas intra-ASEAN a este novo ‘alargamento’ depois passamos para a análise de aspetos formais, que se prendem com as condições de adesão, as quais, de novo, devem ser consideradas também numa ótica conjuntural e finalmente, para uma organização mais ‘visual’ da questão, procederemos a uma análise SWOT da adesão considerada do ponto de vista de Timor-Leste.  Não cabe neste texto uma referência ao momentum atual ASEAN e às apostas políticas nos ciclos de integração por ela definidos, ainda que se lhe façam referências por terem influência na forma como têm lidado com este objetivo da política externa timorense. Trata-se de um tema muito estimulante por lançar várias questões, não só de âmbito processual, como de antecipação de cenários de impacto, interno e regional. Do mesmo modo, a investigação do tema pode sugerir outros caminhos estimulantes, como a comparação com o caso da Papua Nova-Guiné, que há anos detém o estatuto de observador, ou com as entradas, no pós-Guerra Fria, do Vietname, Laos, Camboja e Myanmar.  Breve enquadramento histórico: Uma questão política  A questão da adesão à ASEAN está documentada pelo menos desde 1975 e foi estando presente no discurso dos líderes. Xanana, em 1989, referia-se ao ‘ao firme propósito de [Timor] se candidatar à ASEAN’, num cenário de independência. Em 1998, na proposta de Constituição elaborada pelo CNRT, insistia-se na participação na ASEAN, a par com uma integração no Fórum do Pacífico-Sul e na APEC, numa lógica de equilíbrio de poderes e numa conjuntura de hostilidade do Sudeste Asiático a uma solução para um problema que, do seu ponto de vista, era da responsabilidade da Indonésia. Ramos-Horta, em 1999, sublinhava a importância da articulação de esforços com a Austrália e a Nova Zelândia, embora admitisse a necessidade de uma aproximação ao grupo ASEAN e à Indonésia. Defendia o estatuto de observador, como primeira abordagem para depois conduzir o processo de adesão, contornando dificuldades técnicas e algumas reservas à sua entrada por parte de alguns dos Estados-membros, com destaque para a Birmânia.  Em Julho de 2005 passou a participar no Fórum Regional da ASEAN (ARF) e assinou em 2007 o Tratado de Amizade e Cooperação da ASEAN. Em 2 de fevereiro de 2009 foi criado o Secretariado Nacional para a ASEAN, com o intuito de preparar o processo de adesão. O pedido de adesão materializou-se em Março de 2011, com vários anos de discussão em torno da necessidade de cumprir requisitos técnicos e falta de recursos financeiros e humanos, nomeadamente recursos humanos suficientemente 																																																								30  Nuno Canas Mendes, Instituto do Oriente. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa. E-mail: ncm@iscsp.ulisboa.pt 	 137	treinados, incluindo na língua inglesa, língua oficial da organização, para poderem assegurar uma participação eficaz nos vários órgãos da instituição. No seu Plano de Desenvolvimento Estratégico 2011-2030 (Governo de Timor-Leste, 2011, p. 211), baseava a sua aspiração a integrar o grupo na localização geográfica, nas vontades dos líderes e do povo e nas afinidades culturais com os vizinhos e antecipava no curto-prazo, uma adesão até 2015 e no médio-prazo, com notável exagero, que Timor-Leste seria um dos principais membros da ASEAN:  A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) foi formada em 1967, com o objectivo de desenvolver o crescimento económico, progresso social e desenvolvimento cultural da região, através de esforços conjuntos e no espírito da igualdade e cooperação, fortalecendo as bases para uma comunidade próspera e pacífica das Nações do Sudeste Asiático. Presentemente, Timor-Leste é a única Nação do sudeste asiático que não é membro da ASEAN. Em Julho de 2005, tornámo-nos membro do Fórum Regional da ASEAN e assinámos o Tratado de Amizade e Cooperação ASEAN, em 2007. A aspiração de Timor-Leste em se juntar à ASEAN é assente na localização geográfica, no anseio dos nossos líderes e cidadãos e na afinidade cultural com os países vizinhos. Em Março de 2011, Timor-Leste entregou oficialmente o pedido de adesão à ASEAN e continuaremos a ter como meta prioritária, da política externa, a adesão fomentando os interesses estratégicos a longo prazo. A adesão à ASEAN dará acesso ao fórum regional, onde questões importantes, tais como: segurança, desenvolvimento, integração económica e assuntos socioculturais podem ser debatidos. Actualmente Timor-Leste tem um gabinete de ligação ao Secretariado da ASEAN, em Jacarta. Abrimos missões diplomáticas em quatro dos dez países membros da ASEAN e estamos plenamente credenciados para os restantes países. Apesar destes resultados encorajadores, reconhecemos que temos um longo caminho a percorrer para a plena adesão.  Esta aposta estratégica, fundamentada no propósito do crescimento económico e da segurança num quadro de integração regional, teve de lidar com toda uma argumentação baseada em dificuldades processuais associadas à falta de capacidade, a fruste economia, um sistema de justiça disfuncional, quadros legislativos para adaptar, e sobretudo com a evidência que a organização não considerava o assunto como especialmente relevante. Concentrados na criação de um tripé comunitário que, de 2020 foi antecipado para 2015, vozes críticas, nomeadamente de Singapura, tornaram explícitas as suas reservas (Singh, 2011):   A maior reserva nomeada por aqueles que estão a favor de adiar a admissão é ceticismo sobre a capacidade de Timor-Leste de cumprir as obrigações e responsabilidades de se tornar membro. Argumentam que Timor-Leste não tem recursos humanos ou o número mínimo exigido de funcionários a falar Inglês para participar nas reuniões da ASEAN que são às centenas por ano, cerca de 50% delas exigindo especialização económica. Há preocupações reais de que a adesão possa contribuir para desacelerar o doloroso progresso da ASEAN no caminho da integração económica (…) Por ambas as razões – a sua própria credibilidade e um ambiente geopolítico muito mais desafiante -, é difícil para a ASEAN saber quais devem ser as suas prioridades mais importantes e a mais alta deve ser conseguir alcançar uma maior coesão e integração económicas, como a condição necessária para lidar com os novos desafios. Qualquer coisa que distraia a ASEAN destes objetivos deve ser posta de lado, pelo menos nos tempos mais próximos..  Logo após a formalização do pedido de adesão, em 2012 e 2013, procurou mostrar que era capaz de organizar eventos diplomáticos, como a Missão de Observação Eleitoral do ASEAN Regional Forum (abril 2016) e o ADB/OECD Anti-Corruption Initiative for Asia and the Pacific. Entre 3 e 5 de agosto de 2016, por iniciativa do governo timorense, realizou-se uma conferência da sociedade civil da ASEAN/Fórum dos Povos da ASEAN. Também a presidência da CPLP, entre 2014 e 2016, teve um efeito de ‘relações públicas’ junto da ASEAN, tanto pelo envolvimento e treino, como pela ideia de Timor-Leste poder ser o elo de 	 138	ligação entre o sudeste asiático e os países lusófonos. Entretanto, Timor-Leste foi abrindo embaixadas nos países da ASEAN e enviou funcionários seus para junto do Secretariado.  As reservas de Singapura e do Laos são pelo menos parcialmente explicadas pela ideia de que tendo um desempenho ‘democrático’ na condução dos negócios políticos, causa algum incómodo numa região onde as práticas autocráticas são frequentes: “estes países não querem incluir Timor-Leste porque o pequeno país é um inequívoco advogado da democracia e dos direitos humanos” (Talesco, 2016).   Khoo Ying Hooi publicou em New Mandala um artigo intitulado ‘Unlocking Timor Leste’s road to ASEAN’, onde argumentava que o adiamento da entrada de Timor-Leste não refletia senão as insuficiências do processo de tomada de decisão (Hooi, 2017).  Na 30.ª Cimeira da ASEAN de 29 de abril de 2017, a declaração da presidência filipina foi igualmente pouco assertiva quanto à adesão de Timor-Leste ao reiterar que candidatura timorense se encontra ainda em estudo e o compromisso de assistência a Díli em matéria de capacitação (ASEAN, p. 22):  Notámos que a candidatura de Timor-Leste para se tornar membro da ASEAN ainda está em estudo pelos altos funcionários da organização. Para preparar Timor-Leste para integrar a ASEAN, reiteramos o nosso compromisso de prestar assistência para a sua capacitação, de acordo com os elementos e procedimentos definidos pelo Grupo de Trabalho de Coordenação da Candidatura de Timor-Leste.  O processo de adesão à OMC, aprovado pelo Conselho Geral da Organização, a 10 de dezembro de 2016, segue em paralelo o objetivo de aderir, a breve trecho, à ASEAN cujo pedido de adesão remonta a 2011. Estes dois processos pretendem ser complementares sendo a adesão à OMC perspetivada como facilitadora da integração económica na região. Todos os membros da ASEAN são membros também da OMC e para muitos compromissos assumidos em sede da ASEAN há uma base que se inspira nas disciplinas OMC (por exemplo, os compromissos assumidos em matéria de barreiras não pautais). A adesão à OMC abre portas à possibilidade de recorrer ao mecanismo de resolução de litígios da OMC, que tem funcionado de forma irrepreensível para os países mais pobres membros daquela organização e projeta para o exterior o facto do comércio de Timor-Leste passar a reger-se pelas regras de comércio internacional. O Conselho de Ministros aprovou recentemente o Memorando do Regime de Comércio Externo (MFTR), que deverá ser submetido à OMC e que servirá de base das negociações de adesão. Também sido ventilada uma sugestão de ‘pré-integração’, através da criação de um triângulo de crescimento que unisse Timor ao Norte da Austrália e à parte oriental da Indonésia, tida por menos exigente e como tal preparatória do salto, apostando-se na construção de infraestruturas, a incontornável aposta na educação e na formação profissional (incluindo uma maior ligação com Timor Ocidental), como foi sugerido em 2016.  As condições da adesão. “Uma Visão, uma Identidade, uma Comunidade”   Claro que à parte as condições institucionais definidas para a adesão de novos membros, está em causa uma discussão sobre a própria natureza e propósitos da ASEAN. Décadas de passos tímidos, com mecanismos de decisão complexos, uma abertura no imediato pós-Guerra Fria à entrada de países economicamente débeis, a entrada em funcionamento da zona de comércio livre, a aprovação tardia da Carta (2007) e a aposta na comunidade tripartida (antecipada para 2015), têm suscitado um amplo debate político e teórico, em torno do qual se inscreve a admissão de Timor ou da Papua Nova-Guiné.  A Carta estabelece, no seu art.º 6, que os critérios são os seguintes (ASEAN, 2008, p. 9): - localização na região reconhecida geograficamente como Sudeste Asiático; - reconhecimento por todos os Estados da organização; - compromisso de estar vinculado e respeitar os princípios da Carta; 	 139	- capacidade e vontade de assumir todas as responsabilidades inerentes às obrigações de ser membro.  A somar aos critérios, a decisão tem de ser tomada por consenso de todos os Estados-membros, durante a Cimeira, e por proposta do Conselho de Coordenação da ASEAN. No melhor estilo ‘ASEAN Way’, não há nestes preceitos impedimentos formais de monta, remetendo para a discussão técnica e política a construção de um complexo consenso.  Análise SWOT da adesão do ponto de vista de Timor-Leste  S: A entrada na ASEAN dará a Timor o acesso a um forum importante para discussão de assuntos de segurança, desenvolvimento económico e integração, e neste sentido a sua socialização tenderá a criar as condições ‘materiais’ para um reforço da sua pertença ao Sudeste Asiático e às suas dinâmicas.   W: Pobreza, necessidade de infraestruturas, riscos fiscais, situação pós-conflito e o peso dos guerrilheiros, o regime da propriedade apresenta várias dificuldades, a babel linguística, um deficiente sistema de Justiça. Escassez de qualificação dos recursos humanos. Falta do domínio da língua inglesa, que é a língua oficial da organização.  O: Desenvolver as capacidades para organizar e apresentar um dossiê de candidatura; realização de eventos onde pôde demonstrar essas capacidades na gestão de questões diplomáticas, de formação e treino dos recursos humanos, quadros (em especial dos diplomatas) e de realização de eventos multilaterais (eg a presidência timorense da CPLP). A adaptação e harmonização da legislação, a coordenação dos serviços alfandegários. O pedido de adesão à OMC.  T: O primeiro país a aderir na vigência da Carta; não existem procedimentos de adesão divulgados publicamente nem registos do que os Estados-membros exigiram em relação à harmonização legislativa; também não se sabe exatamente a que tratados ficaria Timor associado, pois a Carta prescreve “adherence to multilateral trade rules and ASEAN’s rules based regimes for effective implementation of economic commitments and progressive reduction towards elimination of all barriers to regional economic integration, in a market-driven economy”, embora não inclua nenhum Anexo com a lista dos tratados (acordos para comércio de bens, aduaneiros, de serviços, de transporte aéreos, de liberdade de circulação de pessoas, de propriedade intelectual, de investimento, de energia, petróleo e segurança alimentar, de transportes transfronteiriços, de participação nas zonas de comércio livre existentes, da participação nas parcerias económicas regionais abrangentes). Aposta na educação e formação.   Conclusões  Trata-se de um tópico de investigação que exige um trabalho de levantamento de informação em Timor e no seio da ASEAN e dos governos dos países que a compõem para analisar o processo ‘burocrático’ na conjugação com as sensibilidades políticas. Com efeito as questões que emergem como polémicas são: 1) se Timor-Leste está preparado; 2) se a entrada de Timor pode ter impacto no abrandamento do ritmo do grupo; 3) quais seriam os efeitos 	 140	positivos da entrada quer para a região quer para Timor. Outro dos tópicos de potencial interesse – não sabemos se pode dar o seu contributo para aquilo a que a moda chama de lógica win-win – é o facto de Timor estar numa zona de cruzamento e de participar em vários teatros, através da ligação com os países da CPLP e com o Fórum do Pacífico Sul  Referências  ASEAN, 2008, ASEAN Charter, http://asean.org/wp content/uploads/images/archive/publications/ASEAN-Charter.pdf. ASEAN, 2017, ‘Partnering for Change, Engaging the World: Chairman’s Statement’, 30th ASEAN Summit, Manila, 29 April, http://asean.org/storage/2017/04/Chairs-Statement-of-30th-ASEAN-Summit_FINAL.pdf Hooi, Khoo Ying, 2017, ‘Unlocking Timor Leste’s road to ASEAN’, in New Mandala, Março 2017, http://www.newmandala.org/unlocking-timor-lestes-road-asean/, consultado a 25.06.2017. Singh, Daljit, 2011, ‘East Timor’s Quest for a ASEAN Membership’, in ISEAS Viewpoints, May 2. Talesco, Cristian, 2016, ‘How East Timor’s Democracy is Making it na Outcast’, in Foreign Policy, http://foreignpolicy.com/2016/05/10/how-east-timors-democracy-is-making-it-an-outcast-asean-southeast-asia/, consultado a 07.06.2017 Timor-Leste, Governo de, 2011, Plano de Desenvolvimento Estratégico 2011-2030, http://timor-leste.gov.tl/wp-content/uploads/2012/02/Plano-Estrategico-de-Desenvolvimento_PT1.pdf, consultado a 1.06.2017.    

A adesão de Timor à ASEAN

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