Revisão do Cânone Brasileiro e o preconceito com mulheres, negros e índios  como autores na literatura contemporânea

da Silva, Diana Jeine

Rodrigues Costa, Maria Luiza

Portuguese

Projeto SABER

 1    FORMAÇÃO E REVISÃO DO CÂNONE LITERÁRIO:  MULHERES, NEGROS E ÍNDIOS NA LITERATURA BRASILEIRA   Diana Jeine da Silva (Unioeste)1 Maria Luiza Machado (Unioeste)¹    O cânone literário compreende uma regra ou norma que procura estabelecer quais as obras mais importantes de determinada cultura. De acordo com Compagnon (2001, p. 227), a preocupação com a função pedagógica do cânone literário toma corpo no século XX, no sentido de querer fornecer leituras formadoras ao currículo dos jovens e prepará-los para “reconhecer” as obras de qualidade estética. Isso comprova que o cânone literário foi uma seleção fundamentada em fatores extra-literários, ou seja, não se restringiam apenas às questões estéticas do texto literário, mas também a fatores sociais e morais do universo do escritor. Por isso, as listas de cânones não agregavam mulheres, negros, índios, ex-colonizados, enfim, personalidades ex-centralizadas que não preenchiam os critérios ideológicos estabelecidos pela crítica tradicional.  Para discutir a questão de revisão do cânone literário, uso dos artigos científicos: Entre silêncios e estereótipos: relações raciais na literatura brasileira contemporânea, da autora Regina Dalcastagnè; A trajetória do negro na literatura brasileira, do autor Domício Proença Filho; A inserção da mulher Indígena brasileira na sociedade contemporânea através da literatura, das autoras Vera Lucia t. Kauss e Adreana Peruzzo; A representação descritiva e a produção literária indígena brasileira, das autoras Aline Franca e Naira Christofoletti Silveira, entre outros.    A inserção do negro na literatura    O cânone literário fazia a exclusão de muitos homens e mulheres. Quem tinha espaço para escrever eram somente os homens brancos de classe alta, os demais ficavam excluídos da literatura. Isso de sucedeu por muitos anos até que os escritos dos negros começaram a serem                                                           +1Acadêmicas do Curso de Graduação em Letras(Português/Espanhol) na Unioeste - Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Marechal Cândido Rondon - PR.   2  valorizados. Cerca de 1960 a literatura negra toma força, mas somente se destaca em 1980. A preocupação dos negros com a escrita era de mostrar ao povo a sua condição como negro na sociedade. É o caso do precursor Lino Guedes (1897-1951), autor, entre outros títulos, de “O canto do cisne preto (1926), Urucungo (1936) e Negro preto cor da noite (1936)”. A sua poesia retratava a escravidão sofrida pelos negros e descendentes.  Com a necessidade de afirmação étnica e cultural, os negros se uniram em grupos para mostrar a sua força, com as dificuldades que enfrentavam e ainda enfrentam, juntaram-se entre eles e fizeram o grupo Quilombhoje, de São Paulo, criado em 1980, responsável pela publicação dos “Cadernos negros”, periódicos divulgadores com vários números em circulação, o grupo Negrícia, Poesia e Arte do Crioulo, lançado no Rio de Janeiro, em 1982, e o grupo Gens (Grupo de Escritores Negros de Salvador), que data de 1985.   Alguns autores que fizeram poesia negra no Brasil: Abelardo Rodrigues (Memória da noite, 1979), Adão Ventura (Abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul, 1970; As musculaturas do Arco do Triunfo, 1976, A cor da pele, 1980), Arnaldo Xavier (Pablo, 1975, A rosa da recusa, 1980), Cuti (Luís Silva), (Poemas da carapinha, 1978; Sol na garganta, contos, 1979, Batuque de tocaia, 1982), Éle Semog (Luiz Carlos Amaral Gomes) (Atabaques, 1983, em colaboração com J. C. Limeira), Geni Mariano Guimarães (Terceiro filho, 1979), Paulo Colina (Plano de vôo, 1984,Fogo cruzado, 1980), W. J. de Paula (Versos brancos, negra poesia, 1972), José Alberto de Oliveira de Souza (Cinco poemas vivos, 1978), Maria da Paixão (esparsos, nos Cadernos negros), Eduardo de Oliveira (Ancoradouro, 1960, Gestas líricas da negritude, 1967, Túnica de ébano, 1980), Oswaldo de Camargo (Grito de angústia, 1958, 15 poemas negros, 1963), Mirian Alves (Momentos de busca, 1983, Estrelas no dedo, 1985).  Para o autor, Domício Proença Filho (2004), “há, flagrantemente, nos poemas, uma preocupação com a singularização cultural. O texto é posto a serviço desta última e, assim caracterizado, ora se situa como denúncia, ora no espaço da ruptura declaradamente assumida”.  Nos trechos de poemas a seguir, percebe-se a crítica e a denuncia no poema "Quem disse?", de Oliveira Silveira: Quem disse já não sermos  aqui burros cargueiros? Em pastos brasileiros  ser negro e proprietário  é fardo na garupa. Ser negro e proletário  é levar carga dupla. A consciência da necessidade de afirmação está, entre outros, no texto de Cúti intitulado “Ferro”:  3  Primeiro o ferro marca  a violência nas costas  depois o ferro alisa  a vergonha nos cabelos  Na verdade o que se precisa  é jogar o ferro fora  e quebrar todos os elos  dessa corrente de desesperos.  Quando o negro assume compromisso com a literatura, enfrenta novas e sutis armadilhas marginalizantes. Quando os negros assumiram essa postura de escritor e de querer, com todo o direito, estar na sociedade brasileira de literatura, o impasse não foi o brasileiro branco, mas o preconceituoso. Segundo o autor “O negro brasileiro não pode ser tratado como o outro, que tanto trabalhou pela grandeza da nação etc. e a quem se deve reconhecimento especial por isso, como não cabe agradecer aos brancos portugueses ou aos índios, mas também não deve tratar-se como o outro em nome de sua auto-afirmação”. Além da luta e da afirmação cultural, nos textos produzidos pelos negros, a causa era puramente o motivo da indiscutível afirmação cultural, revelação, denúncia, ruptura.   O negro como autor começou a tomar forma em 1970, mas como personagem, esteve e ainda está fazendo parte desse papel. Segundo a autora Regina Dalcastagnè, o personagem do romance brasileiro contemporâneo é branco. Quanto a isso podemos dizer que o preconceito ainda se faz presente, mesmo que indiretamente. Assim como mostra a autora na Tabela 1:     Quando olhamos para os protagonistas os números são mais assustadores ainda. Como indica a autora na Tabela 2:  4     Quando se trata das ocupações dos personagens, grande parte dos personagens negros é do crime e a categoria feminina é empregada domesticas e prostitutas, diferente das personagens brancas que assumem papel de Dona de casa. Como mostram as Tabelas 6 e 7:    5     A literatura indígena também não era reconhecida por brancos da sociedade elite. Ela passou a se fazer presente na forma oral, e somente mais tarde por volta da década de 1980 se fez presente na sociedade linguística. Assim como os negros, os  indígenas sofreram e sofrem preconceito por conta de sua raça/etnia. Mas as publicações proporcionam o conhecimento da cultura indígena por pessoas não indígenas e facilita a disseminação da cultura, uma vez que é produzida pelos próprios membros das comunidades indígenas. Segundo as autoras, Aline Franca e Naira Christofoletti Silveira (2014) “O domínio da língua materna e do português, de forma escrita e oral, proporcionou novas formas de interação do indivíduo indígena com a “sociedade nacional”, o que proporcionou os indígenas essa inserção na literatura.  A literatura escrita indígena vai além da publicação de livros com a temática indígena. Ela contém a possibilidade de autorrepresentação de povos que por vezes foram mantidos em categoria secundária, e essas conquistas são frutos da reivindicação dos próprios grupos indígenas. E é nesse cenário que surgem autores como Daniel Munduruku, Olívio Jekupé e Eliane Potiguara, entre outros.  Segundo Daniel Munduruku, escritor indígena “A literatura que os autores indígenas estão criando é nova sim. Traz um olhar sobre suas próprias sociedades e culturas. Traz um viés particular – embora, às vezes, contaminado pela cultura branca, europeia – capaz de confirmar e reafirmar suas identidades distanciando-os do conceito cínico do “ser brasileiro com muito orgulho e com muito amor”, cantado nos estádios de futebol. É uma literatura autenticamente brasileira – no sentido do pertencimento ao lugar onde se vive e no qual se enterra seus mortos.  6  É uma literatura – na falta de um termo melhor – que está além da própria literatura, já que não faz distinção dos jeitos como ela é produzida”.  O que os índios escrevem é “literatura indígena” e eles a fazem para, assim como os negros, contarem sobre a sua vida e de seus entes, para mostrar como é a vida e a formação do seu povo. Segundo as autoras, Vera Lucia t. Kauss e Adreana Peruzzo (2012), “a literatura, para essas mulheres, também é mais um instrumento de luta pelo lugar a que têm direito numa sociedade que as marginalizou desde sua formação. E é um pouco desse grito de revolta e de dor que podemos encontrar em seus poemas ou textos narrativos”. É o que podemos perceber neste trecho de um belo poema de Eliane Potiguara que diz:   Não sou violência Ou estupro Eu sou história Eu sou cunhã Barriga brasileira Ventre sagrado Povo brasileiro Ventre que gerou O povo brasileiro Hoje está só … A barriga da mãe fecunda E os cânticos que outrora cantava Hoje são gritos de guerra Contra o massacre imundo. (POTIGUARA, 2004, p. 34-35).   Segundo as autoras, a compreensão de literatura para o povo indígena difere da maneira de pensar e fazer literatura dos não indígenas, porque eles não têm necessidade da apresentação sob a forma da escrita, pois, como vimos acima, os indígenas consideram literatura toda forma de expressão  No Brasil, temos, entre outras, duas figuras femininas que se destacam na literatura por divulgar as condições de vida das mulheres indígenas: Graça Graúna e Eliane Potiguara. Todas elas escrevem a literatura para transpor a força dos indígenas, e é nas letras que o sentimento de ser reconhecido é expresso.  Sendo homem negro é um grande impasse para se tornar escritor, mas agora ser mulher, negra e desejar ser escritora, o preconceito dobra, principalmente por homens brancos da sociedade brasileira.       O Canône Literário e a produção feminina articuladora   Ao longo do tempo, as escritoras mulheres foram sistematicamente excluídas do cânone literário. Segundo Virgínia Woolf (1985) o problema começa bem antes, com a exclusão da mulher do mundo das letras e artes.Eram poucas as mulheres alfabetizadas, o pouco contato que tinham com escrita era por meio de cartas, tinham receio de compartilhar seus textos.  As restrições atribuídas à participação da mulher no desenvolvimento da arte é consequência da discriminação que elas sofriam em seu meio social. A partir dos séculos XIX  7  e XX, as mulheres não tinham seu direito ao voto, as práticas masculinas buscavam meios para que a figura feminina não participasse desse processo político. A mulher por muito tempo foi negado ao estímulo a escrita, qualquer oportunidade de publicar textos, ou qualquer ligação com a literatura. Em relação aos homens, as mulheres tinham uma pequena quantidade de produção da escrita, a mulher não era qualificada para esta atividade. A literatura não era vista como uma atividade humana, mas como uma das diferenças do homem e a mulher. A figura da mulher na literatura aparece em segundo plano, a mulher estava na literatura apenas como, a esposa benevolente, a filha escravizada, ou seja, as personagens femininas estavam sujeitas as ordens naturais da época, da mesma forma que a figura indígena participava da literatura.  As mulheres eram restritas a qualquer participação no desenvolvimento da arte, elas eram discriminadas em seu meio social. Estas restrições atribuídas passam por processos de conscientização, após reflexões acerca dessa prática, a mulher conscientizou-se e tenta recuperar o passado anulado pela tradição e mostrar que a literatura de autora feminina possui seu valor, a presença da mulher na sociedade abrangeu um novo estilo.   Esse fenômeno é idêntico, tanto para a literatura feita pelos homens, como por aquela feita pelas mulheres. Entretanto, há, na literatura feminina atual, algo mais, algo essencial dentro das transformações em processo no ser humano e na sociedade, e que podemos definir como a busca da Nova Mulher. Ou em outras palavras, a busca do feminino autêntico, pressentido para além dos destroços da “imagem tradicional da mulher”, patente na crise em processo em nossos tempos (NOVAES COELHO, 1989, p.04).   A partir do processo de emancipação feminina, pelo qual a sociedade ainda passa a profissionalização da mulher, o acesso à universidade, a liberdade sexual, viabilizou também o processo de politização da mulher, bem como o conhecimento dos códigos civis e de seus direitos como ser humano.  Raquel de Queiroz colocou-se na vanguarda de sua época ao penetrar no mundo das letras. Sua estréia em livros, em 1930, foi com o romance: O Quinze. Causou assombro. Seria realmente de mulher? Indagavam. O Quinze foi levado à televisão, numa série na Globo.  Caso de Rachel de Queiroz, a primeira mulher a ingressar, em 1977, no “clube do bolinha” que era a Academia Brasileira de Letras. Pouco depois, a ABL acolheu duas outras prosadoras consagradas: Dinah Silveira de Queiroz e Lygia Fagundes Telles.     8   CONSIDERAÇÕES FINAIS   O cânone foi uma das formas que a crítica literária encontrou para assegurar seu poder, de experimentar seu imperialismo sobre as minorias. Nesse sentido, a releitura de obras canonizadas a partir de teorias que valorizem a mulher, o negro e o ex-colonizado, teorias que critiquem as convenções sociais que pregam pelo paternalismo e pelo eurocentrismo problematizando a realidade, é capaz de suscitar a curiosidade do público em questionar os pilares que sustentam a história da literatura tradicional.   A escrita dos negros é muito importante, para que, talvez o branco entenda o que é ser negro e o que significa ser branco em uma sociedade racista. A literatura negra é um dos elementos mais importantes para a conquista definitiva do respeito de uma sociedade que, por não admitir ser preconceituosa, atrasa ainda mais o longo processo de igualdade de direitos. Porém, mais que apenas uma arma de denúncia contra o preconceito e a desigualdade social, ela é arte em constante movimento, é expressão de uma das várias facetas da cultura brasileira, e deve ser vista e respeitada como tal.  As escritoras femininas aos poucos estão conquistando o mundo e o espaço literário, mas ainda a representação das mulheres na literatura é baixa em comparação aos homens, evidenciando que a escritor mulher e suas obras são menos valorizadas que a figura masculina.   Ao negar a participação do negro, indígena e da mulher em qualquer atividade humana, principalmente que envolve o processo de escrita, é negar a nossa própria história, tanto um como o outro está neste processo de existência. Considerando que a literatura é produzida e consumida por indivíduos sócio-hitóricos, é indispensável pensar que qualquer atividade humana é movida por interesses coletivos e individuais, estes afastamentos que a sociedade escolheu para a figura negra e feminina passou a ser uma escolha caracterizada pela necessidade dos indivíduos de demarcar uma espécie de poder.     9   REFERÊNCIAS  COELHO, N. N. Tendências Atuais da Literatura Feminina no Brasil. In: ---. Feminino Singular. São Paulo: Arquivo Municipal, 1989, 03-13.   COMPAGNON, A. O Demônio da Teoria: literatura e senso comum. Trad. Cleonice P. B. Mourão, Consuelo F. Santiago. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.   DALCASTAGNÉ,  R e g i n a .  “Entre silêncios e estereótipos: relações raciais na literatura brasileira contemporânea”. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, nº. 31. Brasília, janeiro-junho de 2008, pp. 87-110. Disponível em: http://www.redalyc.org/html/3231/323127095005/ acesso em: 10 Dez/17  FRANCA, Aline e SILVEIRA, Naira Christofoletti. A representação descritiva e a produção literária indígena brasileira TransInformação, Campinas, 26(1):67-76, jan./abr., 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tinf/v26n1/a07.pdf acesso em: 10 Dez/17.  JACOMEL, Mirele Carolina Werneque, Uma leitura do processo de formação do cânone literário: o relativismo e a pretensão à universalidade www.unioeste.br/travessias, Pesquisas em educação, cultura, linguagem e arte. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/viewFile/2761/2157.  acesso em: 10 Dez/17.  KAUSS, Vera Lucia, e PERUZZO, Adreana - A inserção da mulher indígena brasileira... Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 32-45, jul./dez. 2012. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/viewFile/31868/23619 acesso em: 10 Dez/17.   

Formação e revisão do cânone literário:  mulheres, negros e índios na literatura brasileira

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