de Almeida, Alessandro

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Projeto SABER

83Espaço Plural   •   Ano VIII   •   Nº 16   •  1º Semestre 2007  •  (          )  •  ISSN 1518-4196A análise dos meios de comunicação de massa constitui um relevanterecurso para o entendimento da vida política nas sociedadescontemporâneas. Em tempos de globalização e de uma certa precariedadedos meios de socialização, como a escola e algumas instituições políticas, ainfluência dos meios eletrônicos passou a ser marcante para a compreensãoda política brasileira, sobretudo após a ditadura militar. A partir dessepressuposto, ressalta-se  que grandes empresas da indústria cultural comoa Disney, a Coca-cola ou mesmo a Fox,  buscam atingir o que Renato Ortizdenominou como “cultura internacional-popular”2 . Essa prática vemexercendo uma influência inegável nas relações político-culturaisinternacionais e nacionais. É a partir de tal realidade que se faz necessário aanálise do episódio “O feitiço de Lisa”3 , parte integrante do desenho animadoOs Simpsons, em que procuraremos investigar as características do Brasile do brasileiro a partir do imaginário construído nos Estados Unidos. Assim,torna-se importante pensar em que medida os elementos que compõem talconstrução imagética já faziam parte da construção da identidade nacional.Acerca da televisão e seu princípio de seleção destaca-se que: “(...)todas as ciências têm por função desvendar coisas ocultas; ao fazê-lo, ela(sociologia) pode contribuir para minimizar a violência simbólica que exercenas relações sociais e, em particular, nas relações de comunicação pela mídia”.4Em sua ótica de sociólogo, Bourdieu acredita que os meios de comunicação,sobretudo a televisão, devido a sua potencialidade de proliferação econstrução de imagens é um alvo importante de estudo, na medida em quecompõe as disputas sociais que estão em jogo na sociedade contemporânea.À luz desse pensamento, nota-se poderio imagético de um desenho que fazseveras críticas ao Brasil, como é encontrado no episódio  “O feitiço deLisa”, o qual nos servirá para propormos a discussão acerca do papel damídia televisiva como uma interlocutora das disputas políticas que perpassamo ambiente familiar e cotidiano dos brasileiros e dos norte-americanos.Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, as antigasestórias que aguçavam a imaginação dos indivíduos, muitas vezes, sãosubstituídas por imagens reais que, de forma alegórica, jornalística, históricaou inventiva compõem o que Michel de Certeau chama de “a sociedaderecitada”. Com isso, “inocentes” desenhos que atingem o cotidiano dosindivíduos passam assim a compor um lugar importante para a análiseProblemas e imagens do Brasilcontemporâneo:uma análise do episódio “O feitiço de Lisa”, da sérieOs Simpsons, de Matt GroeningAlessandro de Almeida11 Mestre em História pela UniversidadeFederal de Uberlândia, professor de Históriada Universidade Estadual de Montes Claros(UNIMONTES) e das Faculdades Unidasdo Norte de Minas (FUNORTE). E-mail:alessandroedales@yahoo.com.br2 ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura.São Paulo: Brasiliense, 1994.3 Episódio do desenho animado OsSimpsons que retrata a vinda da famíliaSimpson para o Brasil. Este episódio foi aapresentado apenas por canais de televisãopor assinatura ou encontrado também naInternet.4 BOURDIEU. Pierre. Sobre a televisão. Riode Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. p. 20.         Resenhas83-86Espaço Plural   •   Ano VIII   •   Nº 16   •  1º Semestre 2007  •  (          )  •  ISSN 1518-419684historiográfica, pois, as emoções, os incômodos, as angústias e as demaissensações dos homens, em inúmeros momentos, são suscitados apósassistirem a cenas de telenovelas ou mesmo de desenhos animados. Aindaacerca da historiografia, percebemos que temáticas referentes aos estudossobre mídia carecem de ser mais bem exploradas, poisna medida em que este instrumento que ‘faz opinião’ é manipulável poraqueles que o seguram, pode-se com razão perguntar sobre ascapacidades que oferecem para mudar a ‘crença’ em ‘desconfiança’, em‘suspeita’ e até mesmo em delação, como também sobre a possibilidadepara os cidadãos de controlar politicamente aquilo que serve defiabilidade circular e sem objeto a própria vida política.5É sabido que, na atualidade, a imagem política de um governo ougovernante é marcada sobretudo pela construção imagética projetada pelapropaganda midiática em geral, destacando-se a televisão. Nesse sentido, ogoverno do presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundomandato (1998-2002), via-se caracterizado pelo caos social em que vivia asociedade brasileira, realidade enfocada constantemente pela mídia. Nessecontexto de globalização e seus graves impactos sociais produzidos noBrasil, principalmente após a crise asiática e do dólar e a proliferação deseu “efeito dominó”, é que foi (ou deveria) ter sido apresentado em todo oBrasil o episódio do desenho Os Simpsons, intitulado “O feitiço de Lisa” emque a família Simpson viaja para o Brasil.Para efeito de esclarecimento ater-nos-emos a um breveesclarecimento sobre o episódio. Este se inicia com a família Simpsonsreunida frente à televisão. Posteriormente, é percebido pelos pais de Lisaque a conta telefônica do mês está com um valor muito alto, por causa deligações realizadas para o Brasil. Depois de procurar os culpados, e Bart foio primeiro suspeito, os pais perceberam que a filha comportada Lisa é quehavia feito as ligações. A motivação para tais telefonemas eram algumasdoações feitas a um órfão brasileiro que se chamava Ronaldo, apelidado de“Ronaldinho”. Sensibilizados com a atitude de Lisa, a família Simpsons resolveviajar para o Brasil. No decorrer de toda a viagem, o Brasil é representadopelos Simpsons como um país de valores fúteis, marcado por seqüestros,sexualidade, pobreza, futebol, carnaval, favelas, corrupção, falta de crenças,dentre outras características pejorativas.Acerca do episódio, a Revista Veja, em 17 de abril de 2002, destacaa indignação de representantes da cidade do Rio de Janeiro. Sobre essaconstrução imagética extremamente depreciativa do Brasil, a mesma revistadeclara:O humor politicamente incorreto do desenho animado americanoOs Simpsons desembarcou no Brasil e fez estrago. Em um episódio queacaba de ser exibido nos Estados Unidos, a família decide visitar o Rio deJaneiro e se mete em uma série de confusões. Aparecem ruas cheias deratos e trombadinhas. Um táxi clandestino seqüestra o patriarca, Homer.Macacos e sucuris andam pela cidade. O pestinha Bart se dedica a aprenderespanhol antes da viagem e a trilha sonora é de ritmos caribenhos. A Riotur,empresa de turismo do Rio, anunciou que vai processar a Fox, produtorado desenho animado. O episódio deve ser exibido no Brasil apenas emoutubro. Outros países já foram alvo desse tipo de gozação, sem maioresconseqüências. 6Analisando o desenho e repensando a crítica acima apresentada, umdos aspectos que nos chama a atenção n’Os Simpsons é realmente “o humorpoliticamente incorreto do desenho americano”. Nesse sentido, o criadordo desenho, Matt Groening, representa de forma irônica e caricaturada asaventuras de uma família de classe média americana e suas relações5 CERTEAU, Michel. A invenção docotidiano: artes de fazer. Rio de Janeiro:Vozes, 1994. p.291.6 “O Rio contra os Simpsons”. Revista Veja.17 de abril de 2002.Resenhas83-8685Espaço Plural   •   Ano VIII   •   Nº 16   •  1º Semestre 2007  •  (          )  •  ISSN 1518-4196cotidianas, marcadas por problemáticas presentes na realidade  neoliberal eglobalizante. Por meio do humor e da animação características dos desenhos,o autor “brinca” com questões interessantes como as crises políticas norte-americanas, a banalização da violência, as problemáticas que circundam osavanços tecnológicos, as rivalidades religiosas e étnicas presentes nosEstados Unidos e outras questões interessantes para pensarmos a atualidadehistórica. Outra característica interessante deste seriado televisivo é quenas suas 16 temporadas já produzidas, comumente a família Simpsons viajapara outros países e, dessa maneira, o episódio em que eles vêm para oBrasil trouxe problemáticas interessantes para a análise historiográfica. Comoa ridicularização do Brasil, incomodou a Riotur, empresa de turismo do Rio,o presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e a própria RedeGlobo de televisão, proibiu a veiculação do episódio em sua programação,sendo este restrito apenas a canais de televisão por assinatura como a Fox.A partir deste fato, nosso principal alvo de análise serão os episódios emque o desenho se refere ao Brasil, atentando-nos, com uma atenção especial,ao capítulo intitulado “O feitiço de Lisa”, em que a família vem visitar oBrasil. Demonstrando a inquietude do então presidente Fernando HenriqueCardoso mediante a representação do Brasil expressa no episódio, o líderdo executivo brasileiro exigiu desculpas dos produtores do programa. Nodia 13 de abril de 2002, o jornal Folha de São Paulo, destacou que:a produção do desenho animado “Os Simpsons” pediu desculpas ontempelo episódio “Blame it on Lisa”, que escarnecia do Rio, mas aproveitoupara provocar o presidente Fernando Henrique Cardoso. “Pedimosdesculpas à amável cidade do Rio de Janeiro”, disse o produtor James L.Brooks. “Se isso não resolver a questão, Homer Simpson se oferece paralutar com o presidente do Brasil no ‘Celebrity Boxing’.”Ele se referia ao novo programa da Fox, emissora de “Os Simpsons”, quereúne duas celebridades já em decadência para uma luta de boxe.7A associação da figura do presidente Fernando Henrique Cardoso às“celebridades já em decadência” é interessante para pensarmos a importânciapolítica do episódio “O Feitiço de Lisa”. Em 2002, os brasileiros viviam ummomento de grave crise social decorrente, entre outros fatores, da crise doPlano Real, do “efeito dominó” da globalização que assolou os países domundo, após sucessivas crises econômicas na Rússia e nos Tigres Asiáticos,no final da última década do século XX. Nesse sentido, a confiança dosbrasileiros no governo federal estava gravemente abalada e a imagem dopresidente brasileiro estava, sem dúvida, em decadência.Assim, percebia-se, no Brasil, um distanciamento claro entre aspráticas governamentais do governo Fernando Henrique Cardoso e ascomunidades locais brasileiras que, em sua maioria, viam-se desamparadasdiante da fragilidade do Estado brasileiro, sobretudo no que concerne aosapoios a causas sociais. Atentando-nos para esta questão, enfatizamosconforme Paul A. Cantor que a política presente no desenho Os Simpsons épautada desde seu primeiro episódio “na falta de confiança no poder e,principalmente, no poder distante das pessoas comuns”.8  Dessa maneira,vale lembrar que o primeiro episódio deste desenho foi apresentado, em1989, nos Estados Unidos pela rede de televisão Fox, onde as crises daspolíticas neoliberais já afetavam e influenciavam o cotidiano dos norte-americanos. Cantor aponta ainda que, por meio da utilização da famílianuclear, o desenho associa o cotidiano destes familiares às maioresinstituições políticas da vida americana, como a Igreja, a escola e a própriaprefeitura. Os Simpsons, mesclando tradicionalismo e modernismo, moramem Springfield, uma cidade marcada por uma vida em que, ao contrário doque acontece atualmente, os americanos se sentiam mais em contato comsuas instituições governantes e a família era solidamente ancorada em uma7 “Produtor ‘propõe’ luta FHC x Simpson”.Folha de São Paulo.  13 de abril de 2002.8 CANTOR, Paul A. Os Simpsons: políticaatomística e a família nuclear. In: OsSimpsons e a Filosofia. São Paulo: Madras,2004. p. 166.         Resenhas83-86Espaço Plural   •   Ano VIII   •   Nº 16   •  1º Semestre 2007  •  (          )  •  ISSN 1518-419686comunidade maior citadina. Demonstrando sua insatisfação com o descasodo governo federal norte-americano com os anseios das comunidades locais,Matt Groening, citado por Cantor, afirma que ‘as pessoas no poder nemsempre levam em conta os nossos interesses’.9  É sabido que a relação entrerealidade e construção fictícias, presentes na obra de Groening,  entrecruzam-se desde o momento em que o autor retira os nomes dos personagens depessoas de sua infância (Homer – pai; Marge – mãe; Bart, Lisa e a pequenaMeggie – os filhos).A rispidez com que o autor destaca seus olhares críticos à realidadeglobalizante e, neste caso, do episódio “o Feitiço de Lisa”, remonta-nostambém à problemática da missão civilizadora e do darwinismo social queserviam de justificativas imperialistas no século XIX e que ressoam alto atéo século XXI. Nesse sentido, o personagem brasileiro “Ronaldinho” convivecom macacos em um orfanato e tem como forma de adquirir dinheirodançar no carnaval (com os sapatos gentilmente doados pela personagemda família Simpsons Lisa). No decorrer do desenho, Homer (pai da famíliaSimpson) é seqüestrado. Bart, seu filho, foge e fica assistindo a um programainfantil brasileiro chamado “Tele-melões”. Nota-se que nos Estados Unidos,Bart costumava assistir desenhos violentos e no Brasil programas“educativos” vinculados à sexualidade. Ou seja, a fuga de Bart preocupadocom sua individualidade e com seus “valores” demonstra problemáticasdas sociedades contemporâneas. Portanto, a crítica não se focaliza apenasao Brasil. No sentido de depreciação da sociedade brasileira, marcada pelaselvageria, Bart no fim do episódio é engolido por uma cobra, mas afirmadançando que não tem problema “pois estava no país do carnaval”. Emsuma, a idéia de barbárie urbana e selvageria natural perpassam o episódiode maneira a adquirirem uma simbiose que incomodou representantes deempresas de turismo e mesmo o presidente Fernando Henrique Cardoso,mas que poderiam, sem dúvida, incomodar empresas e governantesamericanos, sobretudo, se a população brasileira assistisse ao episódio deforma livre, direito que não foi conferido à ela.9 CANTOR, Paul A. Os Simpsons: políticaatomística e a família nuclear. In: OsSimpsons e a Filosofia. São Paulo: Madras,2004.Resenhas83-86

Problemas e imagens do Brasil contemporâneo: uma análise do episódio "O feitiço de Lisa", da série Os Simpsons, de Matt Groening

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