Zucco, Maise Caroline

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Projeto SABER

Ano XI - Nº23 - 2º Semestre 2010 - ISSN 1518-4196 115A Nova História Cultural, como destacaPeter Burke no livro “O que é história cultural?”,ampliou o território desse campo de conhecimentoincluindo novos componentes à historiografia.Cheiros, ruídos, corpos, leituras tornaram-se objetode estudo e, para isso, novas fontes históricaspassaram a ser incorporadas. 2Contudo, como ressalta Burke, novas fontesrequerem novas formas críticas de análise e é nessaperspectiva que o livro “Narrativas, imagens epráticas sociais: percursos em história cultural”procura escrever sobre a História Cultural.Organizado por Sandra Jatahy Pesavento,Nádia Maria Weber Santos e Miriam de SouzaRossini, a coletânea de artigos publicada em 2008pela Editora Asterisco é um livro comemorativo dosdez anos de existência do Grupo de TrabalhoHistória Cultural, ligado a seção regional daAssociação Nacional de História do Rio Grande doSul.Com apresentação de Nádia Maria WeberSantos e introdução de Sandra Jatahy Pesavento, aleitura das primeiras páginas da coletânea possibilitaconhecer a trajetória do Grupo de Trabalho formadoem 1997 e o panorama dos estudos culturais nocampo acadêmico brasileiro – 87% das dissertações,livros e artigos de revistas historiográficos.A partir da própria organização do sumário,o livro pode ser dividido em três partes: a primeiraabordando narrativas, a segunda parte imagens e aúltima tematizando as práticas sociais.Em “História Cultural e Narrativas”, títuloda primeira parte do livro, são reunidos quatroartigos que perpassam diferentes fontes comosuporte para a construção de narrativas históricas.No primeiro artigo da coletânea, intitulado“Nostalgia do tempo em um tempo de nostalgia”,Luiz Fernando Beneduzi – professor da Universitàdegli Studi di Bologna e da Universidade Luteranado Brasil – trabalha com a narrativa de imigrantesitalianos ressaltando o sentimento de nostalgia. Seutrabalho perpassa uma análise médica da nostalgia,como doença ligada a sintomas físicos, e oestabelecimento de uma nova relação dos sujeitoshistóricos com a experiência temporal.História cultural: outros objetos, outras fontes, um olhar sensívelMaise Caroline Zucco1 Para o autor, a modernização teve comoresultado uma aceleração do tempo, quefragmentou o vivido e produziu uma relaçãoconflituosa entre a perda e a preservação damemória. Seria em meio a esses conflitos queimigrantes viveriam suas experiências: arememoração nostálgica do lugar de partida, opresente e a chegada, e as projeções futuras de umaterra que se relaciona com a experiência italiana ea vivência do presente.  Esse capítulo do livro trataainda da narrativa histórica utilizando comoelementos para sua construção a literatura, a cançãoe a escrita ordinária.Claudia Musa Fay, no artigo “A terra vista docéu através das palavras de Saint-Exupéry”, trabalhacom os relatos de viagens do piloto aéreo e escritorfrancês. Seu trabalho apresenta as paisagens e asimpressões de uma personagem que viveu umaexperiência fantástica de sobrevoar e aterrizar emlugares peculiares. Como mesmo ressalta a autora,esses aviadores poderiam ser relacionados à“cavaleiros dos tempos modernos”.Em “Canto e tradição: a voz como narrativahistórica”, Márcia Ramos Oliveira retoma a GréciaAntiga para estabelecer uma analogia entre a artede narrar, por meio da canção na antiguidade, e oofício do/a historiador/a. Assim, seu trabalho torna-se metodológico, uma vez que destaca os elementosque constituem a canção e estabelece sua distinçãoem relação palavra escrita.No último artigo dessa primeira parte dolivro, que possui o título “História, subjetividade ecultura em leituras sensíveis do Eu: um exemplo nasescritas ordinárias de hospício”, Nádia Maria WeberSantos – Doutora e mestre em História e médicapsiquiátrica – trata da subjetividade e do simbolismoda escrita do Eu a partir de Jung. Nesse artigo, suaanálise esta centrada em textos produzidos a parirda vivência em hospícios, como é o caso de LimaBarreto e de cartas escritas por um paciente de umainstituição de Porto Alegre (Rio Grande do Sul).Outra fonte utilizada é o texto de Rocha Pombo,que embora não tenha passado por tal experiência,escreveu sobre o tema manicomial. Assim, a autoratrabalha com a noção de sensibilidade em suas1 Possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004), mestrado em História (2008, PPGHST/UFSC) e atualmentecursa o doutorado na mesma instituição.2 BURKE, Peter. O que é história cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. p.148-149.Ano XI - Nº23 - 2º Semestre 2010 - ISSN 1518-4196116marcas objetivas que possibilitam dar sentido aopassado a partir das entrelinhas.A segunda parte da coletânea, intitulada“História Cultura e Imagem” tem início com o artigo“O mundo da imagem: território da históriacultural”, de Sandra Jatahy Pesavento. Nessetrabalho, a autora discute a imagem em sua relaçãocom o real. Assim, o artigo faz menção à questãovisual desde as pinturas rupestres, à arte bizantina easteca, debatendo a intencionalidade da imagemenquanto fazer crer, e sua apreensão histórica comorepresentação.Sua análise dirige a leitura da imagem combase nos objetivos históricos, problematizando queas intenções desse campo de conhecimento devemestar voltadas para a percepção acerca da realidadevivenciada em determinada época e não para fatosde teriam efetivamente acontecido. O trabalhometodológico de Sandra Jatahy Pesavento vai além,estabelecendo a partir de análise hermenêutica dePaul Ricoeur, uma orientação para a análise daimagem como fonte.“O cinema e a história: ênfase e linguagem”,artigo de Miriam de Souza Rossini, discorre sobreas características da narrativa cinematográfica e oselementos que a compõem. Segundo a descriçãoda autora, filme e cinema podem ser diferenciadosonde o segundo desses componentes é formado porum “tripé”: composto pela área de produção, dedistribuição e de exibição. Para além desses fatores,o filme possui uma linguagem própria que requeruma análise particular, sem, contudo, desconsideraro binômio arte-indústria. Cores, luz, sons, diálogos,cenários, tudo faz parte dessa forma de expressãoque estabelece uma relação com o real, mas que setrata de uma representação.É enfatizando a questão da representaçãoque a autora demonstra que tanto os filmes, comoos documentários, não se tratam de algo realísticoou sem intencionalidade. Quem registra quermostrar algo, direcionar o olhar de uma formadeterminada, e isso é ficcional.No artigo “Construindo a história da cidadeatravés de imagens”, Charles Monteiro trabalha comalgumas coleções de fotografias publicadas no livro“Porto Alegre: biografia duma cidade”. Essa obraestá inserida em um contexto no qual a cidadeexpande as exibições de cinemas e os espetáculos,em que a publicidade ganha mais espaço e asfotografias passam a ser incorporadas, com objetivosinformativos, por meio de reportagens, ou mesmoatravés da publicidade.Com base nas imagens da referida obra,Charles Monteiro narra a construção de uma históriavisual de Porto Alegre que buscou legitimar reformasurbanas ocorridas durante o Estado Novo.A terceira parte do livro, “História cultural epráticas sociais”, inicia com o texto “Cultura política:as mediações simbólicas do poder”, de Ricardo deAguiar Pacheco. O objetivo central desse artigo éperceber como os problemas tradicionais da históriapolítica são analisados pela perspectiva da históriacultural. Para isso o autor utiliza o termo culturapolítica, que compreende as representações epráticas sociais codificadas pelos sujeitos históricos,ou seja, as formas como interpretam e agem sobreo campo político em um determinado espaço e emuma determinada época. Nesse sentido, comoressalta o autor, os objetivos da história políticapassam a ser observados a partir das lentes dacultura.Maria Luiza Filippozzi Martini, – professorado Departamento de História da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul – no segundo artigodesse capítulo trabalha com a expressão artísticaconhecida como “happenings”.  Esse trabalho,intitulado “Espetáculo: acontecimento edocumento”, explica esse movimento artísticopresente no imaginário da década de 1960, formadopor acontecimentos de rua que agrupavam dança,teatro e artes plásticas em meio a arquitetura urbana,e que fazia parte da contracultura.Após sua explanação sobre “happenings”,Maria Luiza Filippozzi Martini perpassa referênciasconceituais da década estudada, como é o caso deMarcuse, Derrida, Artaud e Caio Prado Jr.; além dedebater a montagem de peças teatrais, como é ocaso de “Paradise Now”, “O rei da vela” e “Homens,variações sobre o tema”.O último artigo desse livro recebe o nomede “Adivinhações, feiticeiras e cura: os poderesnaturais e sobrenaturais dos negros e a fé dossenhores de escravo (Rio Grande do Sul/século XIX)”.Paulo Roberto Staudt Moreira, autor do texto,trabalhando com processos criminais, discorre sobreo imaginário de cura e feitiçaria que rodeava acultura negra e como esse imaginário também erapartilhado pelos donos de escravos. Entre astestemunhas do processo é possível perceber acrença nos poderes sobrenaturais dos africanos3 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.Ano XI - Nº23 - 2º Semestre 2010 - ISSN 1518-4196 117envolvidos com o caso e, consequentemente, comoo misticismo transitava na sociedade gaúcha doséculo XIX. Em outros termos, com base nessa análiseé possível perceber a circularidade cultural.Com uma proposta bem variada, a série deartigos que compõem o livro “Narrativas, imagense práticas sociais: percursos em história cultural”aborda a subjetividade, as sensibilidades, oimaginário, as representações, seguindo os olharespropostos pela história cultural. Filmes, cartas,imagens, processos crime, textos literários,fotografias, peças teatrais são utilizados como fontespara as pesquisas ampliando as possibilidadeshistoriográficas ou, como descreveu Sandra JatahyPesavendo em seu livro “História & História Cultural”3, constituindo um “espectro de fontes que se revelaquase infinito” 4.Diferente de livros como “O que é HistóriaCultural?”, de Peter Burke, e “História & HistóriaCultural”, anteriormente citado, que discorrem sobreo percurso dessa perspectiva historiográfica, oumesmo diferente do trabalho organizado por LynnHunt em “A Nova História Cultural”, que reúneartigos abordando diferentes autores e autoras,referências aos estudos culturais; o livro “Narrativas,imagens e práticas sociais” reúne recortes depesquisas elaboradas por pesquisadoras epesquisadores vinculados ao GT da ANPUH do RioGrande do Sul. Ou seja, é uma amostra do que estásendo desenvolvido por um determinado grupo eassim, uma das possibilidades de abordagem dediferentes fontes por esse campo de estudos.O livro além de ser um indicativo dessecampo de pesquisa historiográfico no Sul do Brasil,é um suporte para estudantes, pesquisadoras epesquisadores que procuram ter um panorama deanálise de determinadas fontes históricas através daperspectiva da história cultural de forma clara eobjetiva.Resenha recebida em 01.12.2010.Resenha aprovada em 05.03.2012.4 Ibid. p. 96.Maise Caroline Zucco Seção de Artigos

História Cultural: outros objetos, outras fontes, um olhar sensível

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