Neste artigo comento aspectos do movimento participativo relacionado ao processo eleitoral da FACED em 1984 e de suas repercussões no cotidiano de uma nova administração. Saliento a necessidade de compreensão do setor público como serviço à comunidade como sendo a premissa básica para uma sociedade democrática.This article presents my cormments about the participatory movement occurred during the electoral process of 1984 at the Faced. It also relates this process to the needs of a new adrninistration. The public sector as service to the community is the basic premise towards a democratic society

Fischer, Nilton Bueno

Educação & Realidade

Portuguese

Lume 5.8

Educ. e Real., Porto Alegre, 10(1): 139·144, jan/abr. 1985 ELEIÇÕES NA FACED: INAUGURAÇÃO DE UM MOVIMENTO PARTICIPATIVO Nilton Bueno Fischer* RESUMO Neste artigo comento aspectos do movimento participativo relacionado ao processo eleitoral da F ACED em 1984 e de suas repercussões no cotidiano de uma nova administração. Saliento a necessidade de compreensão do setor público como serviço à comunidade como sendo a premissa básica para uma sociedade democrática. "Falar em opção é referir-se a algo concreto, ou seja o alO humano. A to e escolha são duas coisas que se  complementam na compreensão da moral. Se o ato é sobretudo questão de escplha, logo é, sobretudo, da liberdade humana" (Perelra, Moral revolucionária, 1984). o aspecto mais significativo de 'todo processo eleitoral ocorrido na FACED;UFRGS, em 1984, foi a escolha de um caminho novo para a participação na gestão da fáculdade. Vale mencionar que essa escolha não se reduziu a um movimento específico, aquele da eleição direta para o cargo de diretor dessa unidade. Foi antes de tudo a tentativa de se instaurar uma sistemática de manutenção do processo participativo durante todo o período de vigência dessa direção. No presente artigo pretendemos comentar tal acontecimento, além de estabelecer algumas relações com o contexto da sociedade brasileira. Q processo vivenciado no qual estava inerente a opção por uma lista sêxtupla, caracterizou-se como um ato consci�nte dos diversos segmentos da comunidade, explicitamente vinculado a compromisso com os destinos da FACED. • ProC. do Departamento de Estudos Básicos e dos Cursos de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação, UFRGS. Educ. e ReGI., Porto Alegre, 10(1): 139-144, jan/abr. 1985 139 Especificamente no caso da eleição houve a conquista da legitimidade de novos valores. Em outras palavras: o processo de escolhoa, de opção por novos valores significativamente democráticos, concretizados na eleição, trouxe consigo a legitimidade da participação, acima da simples obediência às prescrições contidas nos regimentos e de iniciativas de cunho paterna"lista. Ao exercer-se tal opção, houve um desafio: aceitar as regras do jogo, especialmente quanto à necessidade de indicação de uma lista sêxtupla e o necessário "referendum" da: Congregação. Mas esse aceitar estava diretamente relacionado com um poder de energização da lei e do regimento, através da força do engajamento, transformando-se em elemento de serviço e não de controle (imposição). Sem dúvida que tal aspecto não justifica por si só a manutenção desses mecanismos intrincados da burocracia (lista sêxtupla, congregação, etc.), mas demonstra que houve' uma combinação de indivíduos agregados em propostas comuns, que sensibilizaram também outros indivíduos com maior poder decisório, situados que estavam em órgãos hierarquicamente superiores. Ocorreu então, uma dupla ação para que a norma fosse superada: de um lado a fonte gerada nas assembléias gerais que motivava grande parte da comunidade, de outro, essa mesma fonte permitia a ação dos participantes,de assembléias que agiam politicamente junto a alguns setores ainda não convencidos da mudança, tentando argumentar diante de posições pré-concebidas de resistência. Uma avaliação geral realizada após todo o movimento eleitoral, comparativamente às outras unidades desta Universidade, veio demonstrar que o engajamento da comunidade da FACED foi quase um processo único e original. Em outras palavras, a combinação de Assembléias Gerais, criação de lista sêxtupla com a configuração explícita de "chapa" e mais o "lobby" com a congregação, trouxe para a Reitoria e MEC uma ação dependente do que a comunidade desejava: uma escolha de "diretor" entre os seis escolhidos por eleição direta. Analisando um pouco mais detalhadamente o movimento eleitoral ocorrido na FACED, desde a época da Greve Geral até a indicação do diretor via Reitoria/ MEC, se constata a prática da criação de regras de convivência as quais se tornam normas comuns através da participação e discussões em Assembléias Gerais. É necessário salientar a forma pela qual isso ocorreu. Em primeiro lugar não houve nenhum discurso, analítico ou prescritivo de como seria a sistemática eleitoral. Não cairam regras de cima para baixo. O que aconteceu foi a escolha de representantes de funcionários, alunos, professores da FACED e do Colégio de Aplicação (este sem os alunos), feita de forma paritária, ou seja, dois elementos de cada segmento. Estava assim constituída a Comissã6 Eleitoral, cuja atuação_ trouxe um dos mais significativos exemplos de como se assume um poder delegado por Assembléia. Poder este legitimado, tanto pela forma de indicação (Assembléia Geral), quanto por sua competência técnica, demonstrada no decorrer do movimento 140 Educ. e Real., Porto Alegre; 10(1): 139·144, jan/abr. 1985 eleitoral. Frise-se que seus componentes não eram especialistas em matéria política. Simplesmente eles souberam ler o papel que lhes cabia.(*) O papel da Comissão Eleitoral foi excelente, associando responsabilidade e capacitação (qualificação que os seus membros obtiveram pela "entrega" ao objeto de trabalho). Além disso, convidados especiais estiveram contribuindo para esclarecer fórmulas que melhor representariam a participação dos setores da FACED, como para estabelecer relações com o sistema eleitoral brasileiro.(**) Considero que as ações da Comissão Eleitoral estavam como que envolvidas por um clima especial, um clima que aspirava por mudanças, no desenrolar'das assembléias. Nelas percebia-se uma "direção" subjacente, o que, entretanto não retirava o aspecto de respeito às posições antagônicas. Concretamente, a combinação de engajamento e qualificação dos membros da Comissão Eleitoral resultou na sua plena legitimidade. E não é isso que se deseja numa sociedade? Não é isso que se aspira num novo Contrato Social? Ou seja, o que se quer é que os participantes do jogo, da disputa, sejam sujeitos que elaborem as leis, as normas, para então estas estarem legitimadas visceralmente na vida dessas pessoas. O aprendizado da prática participativa <lO nível de uma instituição pública, de uma unidade pequena como a F ACED, dentro do espaço tão complexo de uma Universidade, pode fazer renascer a esperança de uma sociedade mais humana e democrática. Considero que as características específicas desta unidade condicionam o projeto democrático, que está em vias de maturação. Sugiro que se atente para dois pontos: 1) os limites da participação plena e 2) a extensão desse fato. Primeiro eu testemunho com minhas observações que, de fato, ocorreu uma dinâmica educativa entre os quatro setores envolvidos (alunos, professores, funcionários da FACED e o Colégio de Aplicação). Esses segmentos trazem, dentro de si e entre si, alguns sinais de hierarquização, resultado de uma história (*) Não posso omitir dois sentimentos que me ocorriam durante cada Assembléia, onde eram expostos os cronogramas, artigos e proposições para a composição final do Regulamento Eleitoral: uma emoção profunda e uma impaciência. A emoção era proveniente da mais transparente atitude de respeito à manifestação do pensamento dos participantes das Assembléias Gerais. A impaciência, ao mesmo tempo, no desenrolar desses encontros: na abertura, a leitura da ata da Assembléia anterior, feita detalhadamente, com a maior riqueza de informações possível. Depois de lida a ata, a pergunta generosa: .IAlguma objeção?" ou "Alguma questão?". Nessa mesma linha de exposição da dinâmica das Assembléias Gerais, lembro como o cronograma previsto para a,quele dia específico era, algumas vezes, prorrogado para um outro encontro, a f im dê que o total esclarecimento das questões ocorresse. Entretanto, esses pequenos fatos pareciam solidificar a proposta democrática da FACED, tornando-a diferenciada em relação ao que ocorria em outras unidades. (*.) Um representante do Tribunal Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul foi palestrante em Assembléia Geral sobre o funcionamento do sistema representativo e esclareceu questões sobre paridade, entre outras. Educ. e Real .• Porto Alegre, 10(1): 139-144, jan/abr. 1985 14 1 anterior das pessoas e também da própria formação da administração do setor público. Entretanto, foi durante as Assembléias Gerais, nos momentos próprios da externalização das opiniões, que grupos mais articulados manifestaram suas opiniões com mais assiduidade. O relato dessa dinâmica não pretende negar o já obtido, pelo contrário, o objetivo é trazer à tona pontos ainda não atingidos pelo movimento iniciado na FACED. Mais ainda, uma vez que foi efetivada a escolha do diretor - componente que foi da chapa - permanecem ainda desafios muito concretos, especialmente aqueles do cotidiano, os quais ainda não obtiveram o espaço necessário para o debate. Nessa nova etapa de trabalho, parece que precisamos fazer algumas aprendizagens, tanto pelos eleitores como eleitos: em relação aos alunos da graduação, por exemplo, lembro quantas vezes houve o pedido, por parte dos seus colegas de diretório, de liberação de aulas para suas assembléias e mesmo para a escolha de representantes de turmas, e a reação de uma grande maioria foi de apatia, de alienação. O mesmo pode ser dito em relação aos funcionários, só que estes com uma característica própria, observação constatada ao longo das Assembléias Gerais e também, durante a greve, nas reuniões específicas desse segmento: sempre o grupo mais articulado era o que se manifestava. Saliento esse aspecto como sinal da necessidade de emergirem oportunidades para o treinamento do "falar" as coisas publicamente sem a tradicional divisão entre os que "sabem" e os "outros". Precisamos favórecer relações de troca, de saberes, de opiniões, para revigorar a proposta democrática. Em relação aos professores, embora, durante o período eleitoral houvesse um relacionamento pessoal elevado o respeitoso, percebia-se no ar pouca ou nenhuma manifestação de opiniões por parte daqueles que se opunham ao movimento coletivo, da chapa. No máximo ocorria por parte dela, a utilização de argumentos, baseados na falsa dicot.omia entre escolha via grupo (chapa) versus escolha individual. Quanto ao Colégio de Aplicação, constatou-se, tanto durante a campanha como durante assembléias para escolha específica de seu diretor, que ainda subsistem, como não poderia deixar de ser, enormes dificuldades para maior entrosamento com a F ACED como um todo. Os pontos levantados acima não vem em desabono, nem aos atores e nem ao movimento. Pelo contrário, o que está se propondo é uma reflexão sobre os avanços obtidos durante a greve, nas assembléias gerais, campanha e na eleição em si, os quais trouxeram marcas concretas e indeléveis, da possibilidade da mudança. Mudança essa sentida nos momentos de "pique", de congraçamento, �omo os vivenciados durante momentos especiais da eleição. Para maior compreensão do processo por nós vivenCiado, caberia estabel�cer algumas relações com o processo histórico, os quais estão profundamente enraizados não só nos últimos 2 1  anos de autoritarismo e desmandos. Na própria formação do Estado brasileiro os setores majoritários da população, dos trabalhadores, foram sempre pouco representados e ao mesmo tempo 1 4 2  Educ. e Real., Porto Alegre, 10(1): 139·144, jan/abr. 1985 manipulados por ações de cunho paternalista. Esse Estado favoreceu o gigantismo, especialmente na área do setor terciário, onde a administração do lerviço público muitas vezes se tornou apropriação privada por parte de certas cheftas. A universidade brasileira, como parte desse setor, apresentou tendência desviar-se de suas funções técnicas e críticas para exercer um papel burocrático e aplicador de pacotes tecnológicos alienígenas, provenientes de centros do capitalismo internacional. Entretanto, esta mesma universidade, conseguiu resistir a isso, especialmente dentro do movimento estudantil e de docentes, associados também ao dos funcionários. Mas quando essa resistência é um confronto com inimigo comum (tipo aumento salarial) pode ocorrer alianças de cunho mais corporativista, favorecendo . a possibilidade de alguns conflitos internos serem sublevados. Em parte é o que se percebe avaliando o que representou o movimento eleitoral junto à F ACED: maior união, especialmente entre o corpo docente, união essa de interesse da categoria (salário), portanto ainda parcial. Nesse início da nova administração a FACED deverá demonstrar, mesmo dentro da pluralidade ideológica ' existente e nunca contestada, a coragem indispensável para externalizar, tornar público, o pensamento de seus profissionais, tanto em suas práticas pedagógicas (professor como profissional), como em suas funções administrativas (professor como participante em órgãos administrativos - colegiados, comissões, etc.). Alunos e funcionários também estão envolvidos nessa proposta. Em outras palavras, um projeto democrático é por princípio um projeto dinâmico e como tal não poderá significar uma adesão pura e simples a uma proposta de uma nova chefia (direção). Especialmente existe a necessidade honesta e firme da manifestação de princípios políticos para que ocorra o aperfeiçoamento do movimento instaurado durante a greve geral de 1984. Caberá a nova administração, eleita que foi pelo voto direto, oportunizar a livre e pública opinião de todos, para que os interesses conflitantes, que permanecem intactos durante o cotidiano, não se tnnsformem em impecilhos à mudança. Convém salientar que retirar obstáculos para uma transformação da FACED num serviço público de serventia para a maioria da população que não está nela representada, significará a publicização cada vez maior dos compromissos, que aqueles que nela trabalham, têm para com essa maioria. É a tentativa de manter sempre alerta a relação entre a prática de cada um com a totalidade nela envolvida. A solidificação do projeto participativo emergente na FACED neces�ita transpor suas paredes, envolvendo um projeto de sociedade. O ensaio para o projeto acima já iniciou durante a greve. Agora torna-se necessário cada vez mais adequar essa experiência nas vidas, no dia a dia, de todos os setores da F ACErf�Ao mesmo tempo que esse treinamento é uma ação contínua, sem limites estabelecidos, é uma tentativa de superação da alienação no trabalho de cada um. O movimento pela participação plena de todos exige Educ. e Real., Porto Alegre, 10(1): 139-144, jan/abr. 1985 1 43 compromissos concretos .quanto à( mudança do modelo Dominante d e  apropriação privada por parte de quem trabalha no setor público. A partir dessa experiência que iniciou e vem ocorrendo na FACED, se pode antever possibilidades de uma sociedade mais justa e humana. A proposta democrática vai além da cópia, da ventriloquia de discursos, para encenar-se na ação consciente de cada um e de todos. O caminho da liberdade humana pede isso. ABSTRACT This article presents rny cornrnents about the participatory rnovernent occurred during the electoral process of 1 984 at the Faced. It also relates this process to the needs of a new adrninistration. The public sector as service to the cornrnunity is the basic prernise towards a dernocratic society. (Recebido para publicação em 17.05.85) 144 Educ. e Real., Porto Alegre, 10(1): 139-144, jan/abr. 1985 

Eleições na FACED : inauguração de um movimento participativo

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