VIADANA, ADLER GUILHERME

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Estudos Geográficos, Rio Claro, 3(2): 103-107, Dezembro - 2005 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm NOTA  A classificação fisionômica de Kuechler empregada na definição dos padrões vegetacionais do cerrado    Adler Guilherme Viadana∗    INTRODUÇÃO  Kuechler (1949) apresentou para a comunidade científica envolvida com as diferentes formações vegetacionais, um sistema artificial de classificação à semelhança dos climas definidos em classes e expressos por letras conforme a proposta por Koeppen. Troppmair (2002) divulgou este empenho, como uma das técnicas utilizadas pelos biogeógrafos, na tentativa de facilitar a compreensão das diferentes formas que a cobertura vegetal apresenta-se, destacando as paisagens da superfície terrestre onde ocorre.  Os conhecimentos advindos desta aplicação sistematizada concorrem para subsidiar em parte, o planejamento ambiental e consequentemente possibilitar os arranjos espaciais que necessitam de preservação para garantir a manutenção da biodiversidade e a qualidade de vida num determinado território. Um dos biomas que necessita atenção emergencial no caso brasileiro, em termos de garantia de sua manutenção é o cerrado. Nas últimas décadas, em função do uso não disciplinado, esta formação vegetal típica do país passou por processos degenerativos que conduziram a sua destruição quase levada a termo; restando na atualidade menos de 5% de sua área original, que era da ordem aproximadamente de 1.900.000 km². Investidas em saberes mais detalhados sobre o cerrado, precisam ser incentivadas para que o seu patrimônio genético esteja garantido no futuro. Este estudo pretende contribuir para o conhecimento dos diferentes padrões de manifestação do cerrado e tornar possível colaborar com ações dirigidas para a sua manutenção nas suas diferenciações fitofisionômicas; avançando, portanto, nos conteúdos de cunho biogeográfico, tão necessários para a edificação de um país mais justo e solidário com a sua natureza e a sua população.   O BIOMA CERRADO  Como já mencionado esta fisionomia ocupou até em passado recente aproximadamente 1.900.000 km² do espaço geográfico brasileiro. O domínio do cerrado que encerra um quadro morfológico e climático singular, a ter como área nuclear de ocorrência as terras planálticas alongadas do Brasil Central, nos chapadões interiores dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins e Bahia, responde a um imperativo climático tropical onde se alternam duas                                                  ∗  Professor Adjunto ao Departamento de Geografia do IGCE – UNESP – (Rio Claro) – adlergv@rc.unesp.br Estudos Geográficos, Rio Claro, 3(2): 103-107, Dezembro - 2005 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm 104 estações bem definidas: as das secas, coincidindo com as temperaturas atmosféricas médias mais baixas e, a chuvosa, com médias térmicas maiores, ao longo do transcurso anual. Manchas expressivas de cerrado  aparecem ainda nos estados de Rondônia, Piauí e São Paulo, e em algumas áreas pontuais do Paraná. Enclaves deste agrupamento vegetal aparecem de forma paradoxal ao clima prevalecente na atualidade de permeio à Floresta Amazônica. Pode ser considerada uma vegetação típica de inter- flúvios, com composição florística e estrutura bastante individualizada, que na opinião de Goodland (1979), expressa um conjunto botânico cujo gradiente da fitomassa e a correspondente aparência vão de quase uma campina até quase uma floresta. No geral, esta unidade de vegetação se estabelece em solos arenosos e com reduzida fertilidade natural, onde os processos de lixiviação são bastante atuantes e as ulcerações dos tecidos ecológicos apontam para a evolução de sulcos, ravinamentos e na seqüência o surgimento de destacadas voçorocas com perdas maciças de manto pedológico. Troppmair (op. cit.) informa que o cerrado é um demonstrativo do pseudo-xeromorfismo em resposta às altas concentrações de alumínio no solo e fraca porcentagem de nutrientes na sua composição edáfica. Disto resulta o seu aspecto rústico, com troncos e galhos retorcidos, folhas coriáceas e cascas espessas, emprestando às plantas a falsa aparência xeromórfica. No entanto, estudos de campo atestam que em grande parte, as mesmas florescem, frutificam e rebrotam em plena estação seca. A justificativa para tais manifestações fenológicas reside no fato do solo se comportar como uma verdadeira “caixa d’água” em sub-superfície, armazenando as lentes hídricas das quais principalmente os arbóreos e os arbustivos se beneficiam, em virtude de possuírem um sistema radicular bastante profundo e desenvolvido. No presente admite-se que o cerrado se enquadra nas biomassas de grande diversidade, cujo bioma aporta mais de 800 espécies de árvores e arbustos e uma gama diversa de gramíneas e herbáceas, lianas e epífitas, além de plantas suculentas (cactáceas). Apresenta um grande número de plantas endêmicas e variedades ainda não catalogadas cientificamente. Relaciona-se a seguir alguns de seus indivíduos vegetais: o pequi, lixeira, barbatimão, diversos ipês, pau-santo, vernônias, bauínias, palmeiras, vassoura-de-bruxa, ananás, tabebuia, dentre outras. Comparada às formações abertas africanas, a fauna do cerrado é bem mais limitada com representantes, a título de menção como: o lobo-guará, tamanduá, tamanduá-mirim, várias espécies de tatu, cachorro-do-mato, onça-pintada, jaguatirica, etc. Araras, tucanos, papagaios, maritacas, seriemas e gaviões também marcam presença. Dentre os insetos comuns citam-se saúvas e térmitas. Passos (1980) admite que em seções de cerrado sua estrutura estética e a composição florística variam marcadamente em função dos traços morfológicos e pedológicos; ação do fogo, criação intensa do gado bovino e pelo uso predatório de seus recursos para fins variados. Nesta consideração pode-se alinhavar ainda, os desmatamentos criminosos promovidos para a produção de carvão vegetal e a implementação do chamado agro-negócio visando a produção de grãos e outros cultivos especializados.   MÉTODO E TÉCNICA  A condução metodológica que norteia este estudo corre pela indicação teórica de Grisebach (1872 apud ACOT, 1990) que revela a unidade da vegetação, como um reflexo no Estudos Geográficos, Rio Claro, 3(2): 103-107, Dezembro - 2005 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm 105 agrupamento que plantas que individualiza traços fisionômicos facilmente perceptíveis e identificáveis, como por exemplo, uma formação arbórea ou ainda, uma formação campestre. A investigação sistematizada proposta neste esforço interpretativo de conotação fitogeográfica, firma-se nas suas bases ideais, de que toda classificação é um processo complexo que tem como objetivo separar os conceitos ou, no plano material os objetivos (as coisas) organizados em classes. Sendo as mesmas a conjugação de seres, objetos ou fatos quantificáveis; porém de forma indeterminada, possuindo sem exceção propriedades em comum. Uma classificação é considerada artificial quando se alicerça num caráter eleito de forma arbitrária e, portanto sem validade universal (CUVILLIER, 1969). Com estes princípios epistemológicos, Kuechler (1949) organizou uma classificação fisionômica artificial para a vegetação, a ter por referencial a técnica de Koeppen, empregada para os diferentes tipos climáticos existentes (TROPPMAIR, op. cit.), fazendo o uso de letras (maiúsculas e minúsculas) e a construção de expressões simbólicas; cada qual com os respectivos significados, como por exemplo, a combinação das letras Etc diz respeito a Mata de Araucárias; sendo que a combinação das letras Btcejy diz respeito a uma formação arbórea, com altura mínima de 25 m (das árvores) e das plantas herbáceas atingindo 2 m; com crescimento contínuo; presença de epífitas e lianas, fetos arborescentes e plantas com folhas em penacho, ou seja, a Mata Latifoliada Tropical. Troppmair (op. cit.) apresenta a classificação de Kuechler, nos moldes que se seguem: as letras maiúsculas são utilizadas para a vegetação arbórea ou herbácea; enquanto as minúsculas são indicadoras da altura das plantas (grupo I), da densidade vegetal (grupo II) e das propriedades ou dos caracteres especiais dos vegetais (grupo III). Para a vegetação arbórea (letras maiúsculas): B – latifoliada perene; D – latifoliada decídua; E – coníferas perenes; N – coníferas decíduas; O – sem folhas. Em relação à vegetação herbácea também simbolizada pelas letras maiúsculas, têm-se: G - gramíneas; H - arbustos; L – liquens e musgos. O uso das letras minúsculas simboliza a altura da planta (grupo I): t – alta (árvores com altura mínima de 25 m ou herbáceas com no mínimo 2 m). A letra m – simboliza altura média dos indivíduos vegetais (árvores de 10 a 25 m e herbáceas de 0,5 a 2 m). A letra l identifica plantas baixas (árvores até 10 m e herbáceas com um limite de 0,5 m). Para arbustos com altura mínima de 1 m a letra empregada é s e o z para arbustos com altura de até 1 m. Quanto à densidade vegetal (grupo II), Kuechler, optou por: c – crescimento contínuo; i – plantas que não se tocam; p – plantas lenhosas dispersas e isoladas e herbáceas em agrupamentos descontínuos; r – raro; b – pobre, descontínua ou ausente. Para o grupo III (caráter especial da planta), as letras escolhidas foram: e – epífitas; j – lianas; k – suculentas (cactáceas); q – plantas almofadadas; u – palmeiras; v – bambu; w – vegetação aquática; y – fetos arborescentes e plantas com folhas em penacho. Por último, resta comunicar que no procedimento técnico-metodológico deste estudo fez-se uso de um recorte do perfil fitofisionômico do bioma cerrado, construído por Coutinho (2002, p.83, apud KLEIN, 2002), onde são representados os diferentes padrões desta formação vegetacional. Com as devidas adaptações no documento cartográfico do referido autor, pode-se aplicar a Classificação Fisionômica de Kuechler nas diferentes seções deste agrupamento de plantas.   RESULTADOS  Na Fig. 1 adaptada de Coutinho (op. cit.) constata-se que o cerrado lato sensu exibe cinco categorias de agrupamentos vegetais, variando do campo limpo ao cerradão, que exibe maior biomassa no sentido para o adensamento arbóreo, com graduada melhora do solo e Estudos Geográficos, Rio Claro, 3(2): 103-107, Dezembro - 2005 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm 106 menor ação do fogo. Este último agrupamento pode ser considerado pedoclímax; enquanto o cerrado sensu stricto; campo cerrado ; campo sujo e campo limpo caracterizam a situação de um piroclímax. Fazendo uso das expressões compostas pelas letras da classificação de Kuechler para as cinco feições distintas e documentadas na Fig. 1, o resultado obtido e registrado do perfil fisionômico é apresentado a seguir:   • Dmi – para o cerradão; pois é uma formação arbórea latifoliada decídua, cuja altura dos indivíduos oscila entre 10 e 25 m e suas copas não se tocam.  • DGl – expressa o cerrado sensu stricto, com árvores latifoliadas decíduas cuja altura máxima atinge 10 m, sendo a formação atapetada por herbáceas com menos de 0,5 m.  • GHsc – conferido ao campo cerrado, onde predominam as gramíneas e alguns arbustos com altura mínima de 1 m. A extensão das gramíneas apresenta  um crescimento contínuo.  • GHzc – identifica o campo sujo, com reduzidos arbustos de 1 m de altura máxima e gramíneas de crescimento contínuo.  • Gmc – configura o campo limpo, com plantas herbáceas de 0,5 a 2 m e crescimento contínuo.  A Fig.1, representada abaixo, ilustra as seções do cerrado com as respectivas siglas conforme a proposta classificatória fisionômica de Kuechler (op. cit.).    Figura 1: Gradiente fitofisionômico do cerrado e a correspondente identificação através das siglas conforme Kuechler (op. cit). Fonte: Organizado e adaptado de Coutinho (op.cit.)   CONSIDERAÇÕES FINAIS  Á guisa de conclusão para este estudo referente à aplicação técnica dirigida para as fitofisionomias do cerrado, pode-se admitir o seguinte:   Estudos Geográficos, Rio Claro, 3(2): 103-107, Dezembro - 2005 (ISSN 1678—698X) - www.rc.unesp.br/igce/grad/geografia/revista.htm 107 1) Qualquer classificação artificial, incluindo a que foi adotada nesta pesquisa, é sempre arbitrária, sendo a sua utilização limitada, pois não resulta de uma razão com aceitação coletiva. No entanto, como demonstrado, sua utilização no cartograma de Coutinho (op. cit.) representado pela Fig. 1, mostrou-se eficaz e de fácil operação no seu exercício.  2) Na forma óbvia a leitura das siglas ou dos códigos criados conforme os significados das letras em consonância a proposta de Kuechler (op. cit.) exige um esforço de memorização. Conduta esta, aceitável aos conhecimentos associados à simbologia.  3) O resultado final atingido constituiu um instrumento de valor para os pesquisadores envolvidos com a questão da preservação do cerrado.  4) Deve-se, entretanto reconhecer que para os biomas tropicais, a proposta de Kuechler (op. cit.) necessita revisões e adequações em virtude da biodiversidade extremada existente. Novas letras com significados mais específicos podem ser adicionados no sentido de enriquecer as interpretações que o sistema possibilita.  5) Por último, informa-se que o objetivo de apresentar um procedimento técnico para o reconhecimento dos diferentes padrões vegetacionais do cerrado, foi na forma satisfatória atingido.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  ACOT, P. História da Ecologia. Rio de Janeiro: Campus, 1990.  CUVILLIER, A. Pequeno vocabulário da língua filosófica. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.  GOODLAND, R. A Ecologia do cerrado. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1979.  KLEIN, A. L. (Org.). Eugen Warning e o cerrado brasileiro: Um século depois. São Paulo: Editora Unesp, Imprensa Oficial do Estado, 2002.  KUECHLER, W. A physionomic classification of vegetation. Ann of the Am. Geogr. 39 (3), 1949.  PASSOS, M. M. Variação fitossociológica dos cerrados em função da variação topográfica e de espaço. 1981, 167f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – FFLCH – USP, São Paulo, SP, 1981.  TROPPMAIR, H. Biogeografia e Meio Ambiente. 5ª ed. Rio Claro: Edição do autor, 2002.   

A classificação fisionômica de Kuechler empregada na definição dos padrões vegetacionais do cerrado

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