A ÚLTIMA DÉCADA TEM SIDO DE PROFUNDA TRANSFORMAÇÃOno Direito 
Internacional Fiscal e 2021 foi um ano-chave 
nesta evolução. Apresentamos, de seguida, os 
mais recentes desenvolvimentos, contextualizando a sua relevância

Beraldo, Mariana Passos

Valério, Carla

Janus anuário

Portuguese

Camões - Repositório Institucional da Universidade Autónoma de Lisboa

30JANUS 2022A ÚLTIMA DÉCADA TEM SIDO DE PRO-FUNDA TRANSFORMAÇÃO no Direito Internacional Fiscal e 2021 foi um ano-chave nesta evolução. Apresentamos, de seguida, os mais recentes desenvolvimentos, contextuali-zando a sua relevância.1. Continuação do reforço do Quadro Inclusivo BEPSO Quadro Inclusivo sobre a Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros (BEPS) da OCDE/G20, doravante Quadro Inclusivo, foi criado em 2016 com o objetivo de reunir a participação, em pé de igualdade, de todos os países, à escala global, que pretendam imple-mentar o Projeto BEPS. O Quadro Inclusivo em vindo gradualmente a alargar-se, contando neste momento com 141 países1. As últimas adesões ao grupo foram do Togo e da Mauri-tânia, já na segunda metade do ano. Todos os membros integrantes se assumem como es-tando empenhados em implementar o pacote BEPSpara melhorar a consistência das regras fiscais internacionais e garantir um ambiente fiscal mais transparente.2. O Instrumento Multilateral (o MLI) A Convenção Multilateral para Implemen-tar Medidas para Prevenir a Erosão de Base e Transferência de Lucros aos Tratados Tribu-tários (doravante MLI ou Instrumento Multila-teral), é um dos standards mínimos do Projeto BEPS, que permite implementar, em bloco, um conjunto de alterações aos tratados bilaterais de dupla tributação. Atualmente, o MLI cobre mais de 1700 trata-dos fiscais bilaterais, evidenciando o compro-misso das 96 jurisdições que a ele aderiram para prevenir o abuso dos tratados fiscais e abordar a erosão da base e transferência de lucros (BEPS) por empresas multinacionais, tendo já sido ra-tificado por 67 jurisdições2. A partir de 1 de janeiro de 2022, espera-se que produza efeitos sobre 850 tratados concluídos entre aquelas 67 jurisdições, com 900 tratados adicionais a se-rem modificados assim que o MLI for ratificado por todos os signatários3. 3. BEPS 2.0Na sequência do reconhecimento no Relatório da Ação 1 do Projeto BEPS que seria difícil, se não impossível, delimitar, para efeitos de tributação, a economia digital do resto da eco-nomia, visto que a economia digital se estava a tornar a própria economia4, não se propuse-ram imediatamente soluções para os desafios decorrentes da digitalização da economia. A Task Force da Economia Digital (TFDE) foi incumbida de continuar os trabalhos depois de concluídos os trabalhos das restantes ações do projeto BEPS e de chegar a um relatório final em 20205.O Quadro Inclusivo aprovou, a 23 de Janeiro de 2019, uma nota política que revelava haver acordo para examinar propostas envolvendo dois pilares: o primeiro pilar abordando os desa-fios mais amplos da digitalização da economia, nomeadamente focando-se na alocação dos di-reitos de tributação, e o segundo pilar para atender às restantes questões de erosão de bases tributárias e transferência de lucros6. Ainda em 2019 foi desenvolvido um progra-ma de trabalho7 e foram feitas consultas públi-cas. Em 2020, os Relatórios dos Blueprints de ambos os pilares foram apresentados aos Ministros das Finanças do G20.A 1 de julho de 2021, foi divulgada pelo Quadro Inclusivo uma versão preliminar da “Declaração sobre uma solução de dois pilares para enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia”8. Esta declaração foi endossada pelos Ministros das Finanças do G20 a 10 de Julho, mas só 3 meses depois foi alcançado o almejado acordo político.A 8 de outubro, 136 dos 140 membros do Quadro Inclusivo, representando conjunta-mente 94% do PIB global, incluindo todos os países da OCDE e do G209, chegaram a um entendimento político quanto à “Declaração sobre uma solução de dois pilares para enfren-tar os desafios fiscais decorrentes da digitaliza-ção da economia”, numa versão desenvolvida da apresentada em junho e acompanhada de um plano detalhado de implementação que inclui tanto trabalhos futuros como datas concretas para a entrada em vigor das novas regras10. Esta declaração foi endossada pelos Ministros das Finanças do G20 a 13 de Outu-bro, em Washington. Em concreto, e com enfoque apenas para os ele-mentos mais revolucionários e de forma resumi-da, o acordo alcançado visa adaptar as regras de tributação, por forma a torná-las adequadas à economia global e digitalizada. Com o primeiro pilar, 25% do lucro residual das empresas multinacionais mais lucrativas será tributável nas ju-risdições de mercado com base num novo nexo – o que, até agora, em virtu-de das regras tradicionais de alocação de direitos de tributação, não era possí-vel. Já o acordo sob o segundo pilar im-plica a introdução de uma taxa global mínima de 15% de imposto sobre as empresas. Esta taxa aplica-se a empre-sas com receitas acima de 750 milhões de euros. A OCDE afirmou que acordo permitiu, de ime-diato, um abrandar de tensões a tanto a nível fiscal como comercial.A 30 e 31 de outubro, os líderes do G20 esti-veram reunidos em Roma para abordar os “de-safios globais mais prementes e convergir em esforços comuns para a melhor recuperação da crise de Covid-19 e permitir o crescimento sustentável e inclusivo nos [respetivos] países e em todo o mundo”11. O ponto 32 da Decla-ração dos Líderes do G20 Roma é relativo à tributação internacional, e descreve o acordo de 8 de outubro como uma conquista histórica, através da qual estabelecerão um sistema inter-nacional fiscal mais estável e justo. Os líderes do G20 apelaram ainda ao Quadro Inclusivo para desenvolver as regras modelo e os instrumen-tos multilaterais, por forma a assegurar que as novas regras entrem em vigor à escala global em 2023. 4. Covid-19: respostas e medidas de política tributária introduzidaspara fazer face à pandemia A pandemia Covid-19 resultou numa crise de saúde global e precipitou um declínio acentua-do na atividade económica sem precedentes na história recente. Ações e medidas políticas foram rapidamente tomadas, que se refletiram na retoma do PIB global aos níveis anteriores à pandemia12. A crise, no entanto, causou uma deterioração nas finanças públicas, au-mentando os desafios estruturais pré-existen-tes. A OCDE sustenta que à medida que os países buscam “reconstruir melhor”, eles têm a oportunidade de repensar sua abordagem às finanças públicas e desenvolver estratégias fis-cais que possam proporcionar um crescimento económico inclusivo e sustentável no médio e longo prazo.Assim, tendo em conta o papel que os impos-tos desempenham na resposta crise provocada pela pandemia de Covid-19, a OCDE publicou a compilação das medidas de política tributária adotadas pelos governos em 2020 e início de A pandemia Covid-19 resultou numa crise de saúde global  e precipitou um declínio acentuado na atividade económica sem precedentes  na história recente.2021 NA (R)EVOLUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL FISCALCarla Valério, Mariana Passos BeraldoTexto entregue em Janeiro de 20221.8 • Conjuntura Internacional31JANUS 2022202113. Para o efeito, a OCDE coletou dados sobre a política fiscal dos países e medidas fis-cais introduzidas durante a crise Covid-19, em cada país ou jurisdição entre 2020 e início de 2021, em relação ao (i) imposto sobre o ren-dimento das empresas, (ii)  imposto sobre o rendimento da pessoa singular e contribuições para a segurança social, (iii) impostos sobre o consumo, (iv) impostos relacionados com o ambiente, (v) impostos sobre a propriedade e (vi) outros impostos. Foram reunidos dados de 66 países e jurisdições, incluindo todos os países da OCDE e do G20, e de outros 21 membros do Quadro Inclusivo. Os resultados foram compilados no Country Tax Measures in response to Covid-19 Pandemic produzi-do pela Country Tax Policy Team no OECD Centre for Tax Policy and Administration. As respostas dos países incluem medidas de administração tributária como (i) extensões de prazos para cumprimento da obrigação, (ii) mudanças nas penalidades por atrasos no cumprimento da obrigação, (iii) mudanças nas políticas de auditoria, (iv) medidas de recupe-ração de dívidas, entre outras.Acresce que a edição de 2021 da publicação anual Tax Policy Reforms14 forneceu uma visão geral das medidas fiscais introduzidas durante a crise Covid-19. O relatório examinou como as respostas da política tributária variaram en-tre os países e evoluíram no último ano, além de oferecer algumas orientações sobre como as respostas da política tributária podem ser adap-tadas para enfrentar os desafios de curto prazo e descrever o trabalho futuro que a OCDE em-preenderá para ajudar os países a reavaliar suas políticas tributárias e de gastos no longo prazo.Por fim, foi ainda publicado o relatório Tax and Fiscal Policies after the Covid-19 Crisis: OECD Report for G20 Finance Ministers and Central Bank Governors15 que fornece uma primeira análise de como as políticas fiscais podem apoiar o crescimento inclusivo e sus-tentável além da crise Covid-19. O relatório sustenta como a política tributária pode ser projetada de forma abrangente para que os sistemas fiscais possam oferecer um equilíbrio entre equidade, crescimento e sustentabilida-de, apresenta ainda, algumas das principais considerações que os formuladores de po-líticas devem levar em conta para garantir o desenho ideal da política tributária e a imple-mentação bem-sucedida da reforma tributária.5. Impostos e meio ambienteO trabalho da OCDE sobre impostos e meio ambiente visa investigar até que ponto os países aproveitam o poder dos impostos e dos siste-mas de licenças comercializáveis para a política ambiental e climática. Os estudos versam ainda sobre a interação entre a tributação ambiental e o sistema tributário geral, e os impactos dos impostos ambientais na competitividade e na equidade fiscal.Em 2021, a OCDE publicou o relatório Effec-tive Carbon Rates 2021: Pricing Carbon Emis-sions through Taxes and Emissions Trading16, que avalia o preço das emissões de CO2 do uso de energia em 44 países da OCDE e do G20, cobrindo, assim, cerca de 80% das emis-sões mundiais. A análise apresenta uma visão abrangente dos preços do carbono, incluindo impostos de consumo de combustível, impos-tos de carbono e preços de licenças de emissão comercializáveis. A “pontuação do preço do carbono” avalia o quão próximos os 44 países, tanto juntos quanto individualmente, estão da meta de fixar o preço de todas as emissões de carbono relacionadas à energia em valores de referência atuais e futuros para os custos do carbono. O relatório destaca a estrutura das taxas efetivas de carbono entre os países e se-tores em 2018 e discute as mudanças em com-paração com 2012 e 2015. Fornece ainda, uma perspetiva sobre as tendências recentes no comércio de emissões na China e na União Europeia.A OCDE destaca que os preços do carbono incentivam, de maneira muito eficaz, a mudan-ça das escolhas de produção e consumo para opções de baixo e zero carbono, que são ne-cessárias para limitar as mudanças climáticas. A OCDE defende ainda que, ao colocar um preço na poluição, os impostos e os sistemas de licenças negociáveis incentivam a redução das emissões ao menor custo possível nNotas1 OCDE, Lista dos membros do Quadro Inclusivo BEPS. Disponível em https://www.oecd.org/tax/beps/inclusive-framework-on-beps-composition.pdf  OCDE, Belgium, Estonia, the Netherlands and Qatar deposit new notifications under the Multilateral BEPS Convention. Disponível em:2 https://www.oecd.org/tax/belgium-estonia-the-netherlands-and-qatar-deposit-new-notifications-under-the-multilateral-beps-convention.htm3 OCDE, Belgium, Estonia, the Netherlands and Qatar deposit new notifications under the Multilateral BEPS Convention. Disponível em: https://www.oecd.org/tax/belgium-estonia-the-netherlands-and-qatar-deposit-new-notifications-under-the-multilateral-beps-convention.htm4 OECD, ‘Addressing the Tax Challenges of the Digital Economy, Action 1 - 2015 Final Report’ (2015) 9789264241022 54 <http://dx.doi.org/10.1787/9789264241046-en>.5 ibid 138.6 OECD, ‘Addressing the Tax Challenges of the Digitalisation  of the Economy – Policy Note’ (2019) <https://www.oecd.org/tax/beps/policy-note-beps-inclusive-framework-addressing-tax-challenges-digitalisation.pdf>.7 OECD, ‘Programme of Work to Develop a Consensus Solution to the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy’ (2019).8 ‘Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising From the Digitalisation of the Economy  – 1 July 2021’ 5.9 ‘OECD Secretary-General Tax Report to G20 Leaders, Italy, October 2021’ 158, 4.10 ‘Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy  – 8 October 2021’ 8.11 G20 Rome Leader’s Declaration 2021 20.12  Relatório disponível em: https://www.oecd.org/tax/tax-policy/tax-and-fiscal-policies-after-the-covid-19-crisis.htm13 Quadro sobre respostas e medidas fiscais introduzidas durante a crise Covid-19 disponível em:  https://www.oecd.org/tax/tax-policy/14 Relatório disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/taxation/tax-policy-reforms-2021_427d2616-en15 Relatório disponível em: https://www.oecd.org/tax/tax-policy/tax-and-fiscal-policies-after-the-covid-19-crisis.htm16 Relatório disponível em: https://www.oecd.org/tax/tax-policy/effective-carbon-rates-2021-0e8e24f5-en.htmMEDIDAS FISCAIS MAIS COMUNS ENTRE GRUPOS DE PAÍSESFonte: https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/tax-policy-reforms-2021_427d2616-en#page33100%90%80%70%60%50%40%30%20% 10%0%Deferimentos de pagamento de IRCDedução de prejuízos fiscaisIncentivos fiscais  ao investimentoDiferimentos no pagamento do IVAAntecipação  da devolução do IVARedução do IVA Reforço dos benefícios e créditos no IRS OECD    non-OECD G20    Other

2021 na (r)evolução do direito internacional fiscal

https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/5521/3/Janus%202022%201.8%20Carla%20Val%c3%a9rio%20-%20Mariana%20Passos%20Beraldo.pdf

2021 na (r)evolução do direito internacional fiscal

Abstract

Similar works

Full text

Available Versions

Camões - Repositório Institucional da Universidade Autónoma de Lisboa