Britski, Heraldo A.

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Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Papéis A vulsos de Zoologia ISSN 031-1049 Papéis Avulsos de Zool., S. Paulo, 34(7): 109-114 24.IV.1981 SOBRE UM NOVO GÊNERO E ESPÉCIE DE SORUBIMINAE DA AMAZÔNIA (PISCES, SILURIFORMES) HERALDO A. BRITSKI ABSTRACT Merodontotus tigrinus, a new genus and spectes of Sorubiminae from the Madeira ri ver is de- scribed. The new genus is related to Brachyplatystoma and Goslinia and can be diagnosed as follows: (1) upper jaw longer than lower; (2) teeth absent from the pterygoid bonés, but present and forming two isolated areas on the vomer; (3) occipital process and dorsal pia te long, their tips almost in contact; (4)first ray of dorsal and pectoralfins flexible, not pungent; (5) ventral fin posterior to dorsal fin. Mero- dontotus tigrinus has an unusual color pattern for a catfish, consisting of inclined bars on lhe body, comparable only to //wro/Brachyplatystoma juruensis. Recentemente, recebi do Dr. Michael Goulding do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia uma valiosa coleção de peixes do rio Madeira, Território de Rondônia. A coleção que inclui alguns Siluriformes de grande porte foi depositada no Museu de Zoolo- gia da Universidade de São Paulo (MZUSP). Entre eles encontrei um Sorubiminae que me chamou a atenção por possuir um padrão de colorido pouco comum às espécies de Si- luriformes conhecidas. O exame de outras caracteristicas morfológicas do exemplar reve- lou a existência de diferenças significantes que levam a descrevê-lo como gênero e espécie novo?. Merodontotus, gen. n. Espécie tipo: Merodontotus tigrinus, sp. n. DIAGNOSE Maxila superior ultrapassando um pouco a inferior. Teto do crânio coberto com pele fina; esculturações dos ossos visíveis sob a pele. Processo do supraoccipital e placa pre- dorsal longos, suas pontas quase se tocando. Fontanela frontal pequena, situada entre os olhos. Dentes depressíveis, os do palato menores que os do premaxilar e dentário; dentes do palato presentes somente sobre o vômer, formando duas áreas aproximadamente triangulares separadas medialmente. Barbilhões teretiformes. Rastros curtos em forma de espinho (seta). Dorsal com i + 6 raios; ventral com i + 5. Primeiro raio da dorsal e das pei- torais frágil, flexível, não aculeado. Ventral situada atrás da inserção da dorsal. Adiposa mais longa que a anal. Caudal furcada. Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. 110 Papéis Avulsos de Zoologia Etmologia: do grego "meros" = parte, porção e "odontotos" = guarnecido de dentes; referindo-se ao palato que é parcialmente guarnecido de dentes. Merodontolus tigrinus, sp. n. (Figs. 1 e 2) Holótipo: MZUSP 14004. Cachoeira do Teotônio, rio Madeira, Território de Rondônia; col. Michael Goulding, 10.11.1977. DESCRIÇÃO Corpo alongado, subcilíndrico; altura à frente da dorsal aproximadamente igual à maior largura: Perfil dorsal elevando-se suavemente até a base do processo occipital, su- bindo mais abruptamente dai até a nadadeira dorsal. Cabeça longa e achatada, afilando- se um tanto para a frente; a largura, medida no rictus, cerca de 3/4 da maior largura, me- dida ao nivel dos opérculos. Ossos do teto do crânio estriados com sulcos longitudinais delicados e numerosos. Placa predorsal prolongada para frente, mais longa que o proces- so do supraoccipital; a ponta desses ossos quase se tocam. Fontanela pequena restrita à região interorbital. Dentes pequenos; os do vômer mais finos, cerca de metade do compri- mento daqueles do premaxilar e do dentário. Faixa de dentes premaxilares larga, prolongando-se para trás de ambos os lados como uma seta; faixa de dentes do dentário cerca de 1/3 mais estreita que a do premaxilar; dentes vomerianos formando duas peque- nas áreas sub-triangulares, separadas na região mediana por um estreito espaço (fíg.3). Barbilhões teretiformes; o barbilhão maxilar ultrapassa a origem da dorsal, o pós- mentoniano ultrapassa a origem da peitoral e o mentoniano mede aproximadamente a metade do comprimento do pós-mentoniano. Olho muito pequeno, contido cerca de 5,5 vezes no espaço interorbital; focinho longo, maior que a metade do comprimento da ca- beça. Maxila superior mais longa que a inferior cerca de 2 diâmetros oculares. Nadadeira peitoral alcançando a vertical da base do quarto raio ramificado da dor- sal. A ventral, que se origina atrás da dorsal, alcança a metade da distância que separa sua origem da nadadeira anal. Primeiro raio da dorsal frágil, flexível, isto é, não aculea- do; borda da nadadeira reta. Primeiro raio da peitoral flexível, mas provido de numero- sos denticulos delicados na porção posterior. Anal de bordo reto; seu último raio cerca de 1/3 do comprimento do raio mais longo. Caudal furcada, o lobo superior provido de um prolongamento (quebrado no exemplar tipo, mas mesmo assim seu comprimento excede à parte basal do raio); lobo inferior quebrado, provavelmente também com raio prolon- gado. Rastros curtos, aproximadamente do tamanho do olho, 3 + 1-1-16. Raios branquios- tégios 12. D. i + 6; P. i + 9; V, i + 5; A. iv + 8 + ii; C. i + 7 + 8 + i. As medidas do holótipo estão expressas na tabela I. TABELA I. Medidas (mm) do holótipo de Merodontotus tigrinus, sp. n. Compr. padrão 555 Compr. barb. mentoniano 52 Altura do corpo 80 Compr. barb. pos-ment. 103 Alt. ped. caudal 38 Distância predorsal 213 Compr. cabeça 165 Distância preventral 279 Altura da cabeça 56 Base da dorsal 59 Diâmetro do olho 5,5 Dist. dorsal-adiposa 100 Focinho 88 Base da adiposa 113 Distância interorbital 31 Compr. peitoral 97 Abertura da boca 60 Altura dorsal 83 Compr. barbilhão maxil. 185 Altura anal 77 Vol. 34(7), 1981 111 — \ Figura 1. Merodontotustigrinus, sp. n., holótipo. f igura 2. Merodontotus tigrinus, sp. n., foto do holótipo em vista dorsal. COLORIDO Corpo atravessado por 13 faixas castanho-escuras, inclinadas cerca de 45°; o limite dessas faixas é bem conspícuo na margem posterior, mas um tanto difuso anteriormente. Na região anterior do corpo as faixas são mais largas que o espaço claro que as separa; na posterior são de largura aproximadamente igual ao espaço entre elas. Na região mediana do dorso as faixas escuras de cada lado tornam-se um tanto sinuosas e se tocam formando desenhos irregulares. Toda a região ventral, um pouco abaixo do nível das peitorais e ven- trais e a porção inferior da cabeça é uniformemente colorida de amarelo-claro. A porção dorsal da cabeça é escura, porém sem faixas. Nadadeira dorsal com 5 faixas castanho-escuras de largura aproximadamente igual ao espaço claro que as separa, muito mais estreitas que as do corpo, aparentando bifurca- ções das faixas do corpo que se continuam sobre a nadadeira. As faixas escuras do corpo prolongam-se também sobre a nadadeira adiposa. Superfície superior da peitoral com uma grande mácula escura na base dos raios anteriores e com manchas irregulares atrás, sem faixas distintas. Ventral com 3 faixas similares às da dorsal e vestígios de uma quarta na ponta dos raios anteriores. Anal com uma faixa escura na orla posterior da nadadeira e duas saixas muito irregulares na porção mais basal. Caudal com faixas semelhantes às da dorsal, dispostas mais ou menos verticalmente; no lobo superior contam-se 7 faixas; estas se continuam também sobre o raio prolongado, tornando-se, para trás, cada vez mais apagadas. 112 Papéis Avulsos de Zoologia DISCUSSÃO Merodontotus tigrinus aproxima-se de Brachyplatystoma Bleeker e Goslinia Myers pelos seguintes caracteres: 1) conformação geral do corpo; 2) número de raios das nada- deiras; 3) caudal furcada; 4) rastros curtos em forma de espinho. Brachyplatystoma con- grega diversas formas que apresentam considerável variação de caracteres. Dessa manei- ra, a fim de apreciar mais claramente as relações entre estes gêneros, examinei em quatro espécies de Brachyplatystoma e em Goslinia platynema (Boulenger) os caracteres utiliza- dos para definir o novo gênero. Entre estes caracteres destaquei os mais pertinentes para discussão, os quais são mostrados na tabela II. Tabela II. Caracteres considerados de valor genérico em Merodontotus tigrinus, sp. n,, e em alguns Sorubiminae afins. n. Espécie Caráter N, Merodontotus tigrinus Goslinia platynema Brachyplatystoma filamentosum Brachyplatystoma flavicans Brachyplatystoma vaillantii Brachyplatystoma juruensis Área de dentes do pterigóide ausente presente presente presente presente presente Placas do vômer separadas unidas unidas unidas unidas unidas Processo posterior da área de dentes do premaxilar presente ausente ausente ausente ausente ausente Pele da porção superior do crânio fina espessa espessa espessa fina espessa Processo do supraoccipital e placa predorsal próximos distantes distantes distantes próximos distantes Compr. da mandíbula em relação à maxila superior menor menor menor igual menor menor Origem da ventral em relação à base da dorsal atrás abaixo abaixo abaixo abaixo abaixo Barbilhões teretes achatados teretes teretes teretes teretes Nadadeira adiposa longa curta curta curta longa curta Padrão de colorido barrado uniforme uniforme uniforme uniforme barrado A conformação das placas dentárias da maxila superior de Merodontotus é bem dis- tinta daquela encontrada nos outros dois gêneros: em Brachyplatystoma e Goslinia as placas do vômer e do pterigóide são contíguas, formando uma área dentígera única (vide, por exemplo, bigenmann & higenmann, 1890, p. 199, lig. 43); o novo gênero não tem Vol. 34 (7), 1981 113 dentes sobre o pterigóide e as placas do vômcr sào separadas na linha mediana. Além dis- so, a área de dentes do premaxilar é truncada lateralmente naqueles dois gêneros, ao pas- so que apresenta uma projeção posterior bem pronunciada e característica em Merodon- totus (fig. 3). P v d Figura 3. Áreas de dentes das maxilas de Merodontotus tigrinus: d — área do dentário; p — área do premaxilar; v — área do vômer. Outro caráter que separa o novo gênero dos outros dois é a posição da ventral: situa- se sob os últimos raios da dorsal em Brachyplatystoma e Goslinia e posterior à origem da dorsal em Merodontotus. Merodontotus mostra maior semelhança com Goslinia, no que se refere à forma do corpo e cabeça, mas — à parte das diferenças de dentes — distingue-se claramente dele no que diz respeito à forma dos barbilhões. Pode-se destacar ainda que Brachyplatystoma apresenta considerável variação inter- especifica com referência a alguns dos caracteres da tabela II. Isto evidencia que tais ca- racteres não devem ser utilizados na diagnose desse gênero. Além de Merodontotus, também Steindachneridion Eigenmann & Eigenmann apre- senta dentes apenas no vômer (Eigenmann & Eigenmann, 1890; 203, fig. 47 e 205, fig. 48). Apesar disso, considero-o mais distante do novo gênero, pois a forma do corpo, bem como a conformação da área de dentes do premaxilar, sào bem distintas nos dois gêneros. BrachyplatystomaJuruensis Boulenger é um Sorubiminae com faixas transversais so- bre o corpo, algo similares às de Merodontotus tigrinus. Entretanto, naquela especie. co- mo bem mostra a figura de Boulenger (1898: pi. 39), as faixas sào mais largas, mais ou menos verticalmente dispostas e em número menor. 114 Papéis Avulsos de Zoologia O exemplar que Orcés (1976-77) identificou como Brachyplatystoma juruensis, mui- to provavelmente, pertence à espécie que ora descrevemos, Embora o autor nào forneça dados, a figura do exemplar (fig. 3) mostra um Sorubiminae com a mesma forma de cor- po e o mesmo tipo de faixas escuras observadas nesta nova espécie. De qualquer forma, o exemplar de Orcés é distinto de B. juruensis e necessita ser identificado corretamente. Se o exemplar pertence à espécie ora descrita, como tudo indica, devemos supor que M. tri- grinus tem ampla distribuição pela bacia amazônica, pois tal exemplar é do baixo Bobo- naza no Equador. O fato de uma espécie de tal porte e de padrão de colorido tão peculiar ser descrita somente agora sugere que ela é rara ou possui hábitos muito especiais que di- ficultam sua captura. O Dr. Goulding informou-me que Merodontotus tigrinus é apanhada esporadica- mente na Cachoeira do Teotônio pelos pescadores locais, onde é conhecida como dourada-fita, juntamente com o babão (Goslinia platynema) e a dourada {Brachyplatys- toma flavicans). Um outro exemplar de M. tigrinus de pequeno tamanho foi visto por ele, mas foi desprezado por estar em início de decomposição. Material Examinado MZUSP 14000 e 14001: Goslinia platynema; cachoeira do Teotônio, rio Madeira, RO; col. M. Goulding, 3.1.1978. — MZUSP 5528: Brachyplatystomafilamentosum; lago Jacupá, Oriximiná, PA; col. Expedição Permanente da Amazônia ( = EPA), 11.1967. — MZUSP 5738: Brachyplatystoma flavicans; lago Ururiá, Oriximiná, PA; col. EPA, 11.1967, — MZUSP 10406: Brachyplatystoma juruensis; boca do rio Jutaí, AM. col. EPA, 21.X. 1968. — MZUSP 10405: Brachyplatystoma vaillantii; rio Solimões, em frente a Jacaré, próximo de Fonte Boa, AM; col. EPA, 7.X. 1968. AGRADECIMENTOS Agradeço ao Dr. Michael Goulding pela remessa do exemplar que serviu de base pa- ra a presente descrição e ao Dr. Naércio A. Menezes por suas sugestões. REFERÊNCIAS Boulenger, G. A., 1898. On a collection of fishes from the Rio Juruá, Brazil. Trans. Zool. Soe. Lon- don 14; 421-428, pis. 39-42. Eigenmann, C. H. & R. S. Eigenmann, 1890. A revision of the South American Nematognathi, Occ. Pap. Califórnia Acad. Sei. 1: 1-508,1 mapa. Orcés, G., 1976-77. Contribuciones al conocimiento de los peces dei Ecuador. 1. Especies de la sub- familia Sorubiminae. Politécnica, Quito 3 (3); 76-91. 

Sobre um novo gênero e espécie de Sorubiminae da Amazônia (Pisces, Siluriformes)

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