Pistola, Renato

Portuguese

Universidade de Lisboa: Repositório.UL

Debates de clásicos  [143]   A Economia Portuguesa no Século XIX. Crescimento Económico e Co-mércio Externo 1851-1913  Autor: Pedro Lains Editorial: Imprensa Nacional Casa da Moeda (Lisboa) Año: 1995 ISBN: 972-27-0763-9 Páginas: 273  A carreira ímpar de Pedro Lains pela História económica foi marcada, ao longo de cerca de trinta anos, pela pro-cura das razões do atraso económico português e pelo esforço para a interna-cionalização da história económica portuguesa, sendo pesarosa e inespe-rada a notícia do seu desaparecimento recente. Esta resenha apresenta-se, por isso, como uma homenagem e como um estímulo para a (re)leitura da sua vasta obra.  O trabalho que aqui revisitamos, A Economia Portuguesa no Século XIX. Crescimento Económico e Comércio Externo 1851-1913, tendo ascendido ao estatuto de clássico da historiografia económica portuguesa, constituiu uma mudança na abordagem à temática do atraso económico português e foi o re-sultado da conclusão do doutoramento no Instituto Universitário Europeu em Florença, em 1992. O objeto deste es-tudo não era particularmente novador: o debate em torno do atraso económico português não só marcara os principais trabalhos na área ao longo dos trinta anos que a democracia conhecia, como as suas raízes se podiam encontrar no debate recorrente sobre a decadência portuguesa que ocorreu intensamente a partir do século XIX .  Aquando da publicação deste trabalho, uma tese era dominante: a de que o atraso económico português se devia à excessiva dependência da economia portuguesa ao exterior, nomeadamente à Grã-Bretanha, resultando daí deter-minantes com poder explicativo, tais como uma excessivamente especializa-ção agrícola ou uma estagnação do se-tor industrial que resultava de políticas livre-cambistas imposta ao país pelas mesmas razões. São estes os elementos que Pedro Lains se propõe refutar.  Mais do que apresentar teses alternati-vas, a proposta do autor é a de referen-dar a capacidade explicativa da tese da dependência externa, em particular a tese de Miriam Halpern Pereira pre-sente na obra Livre-Câmbio e Desen-volvimento Económico (1971), con-Debates de clásicos  [144] forme é assumido pelo autor. Para sus-tentar a sua perspetiva, o autor recorre a metodologias que vinham a ser imple-mentadas pela designada Nova História Económica desde a II Guerra Mundial. A face mais evidente dessa abordagem é a utilização de novos dados quantita-tivos sobre a evolução, a composição e a distribuição do comércio externo, os níveis de proteção alfandegárias e a pesquisa de indicadores de crescimento económico, trazendo assim uma nova leitura sobre questões como o peso da ingerência britânica, a profundidade e os efeitos da implementação de uma política livre-cambista e o comporta-mento da agricultura e da indústria por-tuguesa e o papel do comércio.  Através da prática de uma abordagem quantitativa, o autor propõe-se des-montar os principais argumentos que sustentam a tese da dependência ex-terna e opor à mesma a ideia de que Portugal cresceu de acordo com o seu potencial económico. Em primeiro lu-gar, com o recurso a dados atualizados sobre a evolução do Produto português, o autor afere que ao contrário do que anteriormente se supunha, Portugal não partia do mesmo nível de desenvolvi-mento que a teoria da dependência ex-terna considerara, tendo um nível de rendimento relativamente menor da-quele que se pressupunha para as déca-das de 1870 e 1880, assim como a taxa de crescimento anual do PIB até 1913 foi igualmente baixa (0,8% ao ano), conforme era aceite nos principais es-tudos portugueses sobre o tema.  O mesmo recurso à quantificação ser-viu-lhe de suporte para contrariar a tese de que a estagnação da Indústria portu-guesa se devia à prossecução de políti-cas de livre-câmbio introduzidas entre 1852 e 1892, uma opção que teria inun-dado Portugal de produtos industriais ingleses e contribuído para a estagna-ção da indústria portuguesa. Pedro Lains defende, de forma oposta, que o comportamento da indústria portu-guesa entre 1851 e 1913 terá sido supe-rior ao anteriormente considerado, sus-tentando a sua abordagem num índice de produção industrial construído com base nas estatísticas de importação de matéria-prima para a indústria. O autor aproxima-se, desta forma, de aborda-gens análogas de Manuel Villaverde Cabral (1979), Armando de Castro (1971) e Joel Serrão (1978), que elen-caram alguns períodos de intensa in-dustrialização, e sobretudo da perspe-tiva de Jaime Reis (1986) quando afirma que o crescimento do produto industrial foi próximo do seu potencial máximo. Para além disto, Lains con-testa que Portugal tenha implementado políticas livre-cambistas, mantendo ní-veis consideráveis de protecionismo, sustentando a sua argumentação num rol de novos dados retirados da análise de pautas aduaneiras.  No que respeita à agricultura, a prefe-rência metodológica de Lains por da-dos quantitativos permitem-lhe opor à tese da dependência externa na agri-cultura e a ideia de que a dependência da Grã-Bretanha teria conduzido a agricultura a uma especialização ex-cessiva, uma argumentação assente em novas cronologias da evolução da agricultura, mormente a oposição en-tre o período positivo que se estendeu até à década de 1880, marcado pela  Debates de clásicos  [145] emergência de um setor agrícola dire-cionado para a exportação, e o período seguinte, quando as condições nos mercados externos se alteraram nega-tivamente. Como os mercados exter-nos não puderam ser substituídos pelo mercado interno, em função da sua re-duzida dimensão, a agricultura decli-nou a arrastou os efeitos positivos in-troduzidos com a Regeneração.  Esta questão da especialização da eco-nomia portuguesa, assim como a sua relação com a dependência externa e com o comércio, surge especialmente tratada pelo autor, que parte da cons-tatação de que a capacidade de expor-tar depende da capacidade de determi-nados sectores produtivos de cada país, a qual está subordinada dos ní-veis médios de produtividade que são, por sua vez, uma função do rendi-mento per capita. Ou seja, o conceito de que o rendimento das exportações depende também do crescimento do rendimento per capita leva Lains a concluir que os mercados externos afi-nal não terão sido tão importantes para o comportamento da agricultura e da indústria portuguesa, argumentação a que faz acrescer a já mencionada ine-xistência de políticas de comércio li-vre, pilar da perspetiva da dependên-cia.  Por fim, a argumentação que Portugal cresceu de acordo com o seu potencial económico é referendada pela via da comparação entre o caso português e a condição económica de outros países que o autor considerou terem um ponto de partida análogo. Por isso compara os níveis de produtividade de Portugal com os dos países escandina-vos, concluindo que estes consegui-ram ter mais sucesso na sua inserção na economia internacional, dado que tendo maiores níveis de especialização da sua produção, alcançaram, conse-quentemente, maiores ganhos na pro-dutividade e taxas de crescimento mais elevadas, recuperando o atraso que os separava dos países mais desen-volvidos. O autor alicerça a sua argu-mentação na ideia de que diferentes ní-veis podem conduzir a diversos níveis de desenvolvimento económico e de que era necessário um determinado es-tágio de desenvolvimento para se pro-ceder ao take off industrial, desenvol-vidas respetivamente por Gerschen-kron e Kuznets, nomes maiores da Nova História Económica.  Passados quase trinta anos da sua pu-blicação, torna-se evidente que a aná-lise da obra A Economia Portuguesa no Século XIX. Crescimento Econó-mico e Comércio Externo 1851-1913, não deve ser realizada de forma iso-lada, mas deve considerar o percurso de Pedro Lains durante as três décadas seguintes, materializado num conjunto de obras que reveem e amplificam as principais ideias desta obra e tornam obsoleta e caricata uma análise que vá além da recomendação de leitura.  Considerando os elementos argumen-tativos utilizados em 1992, os mesmos que Lains viria a atualizar ao longo dos anos seguintes, sugerimos primei-ramente, no que respeita à questão da implementação de políticas livre-cam-bistas ou protecionistas e a sua influ-ência no atraso económico português, a leitura do trabalho “Portugal’s Growth Paradox, 1870-1950” (2004), Debates de clásicos  [146] na qual o autor revê a questão da dico-tomia livre-cambismo/protecionismo e a sua relação com a evolução da eco-nomia portuguesa contemporânea.  A mesma autocrítica foi efetuada pelo autor no que respeita à problemática do potencial económico numa perspetiva comparada. A este respeito o autor pro-cedeu a uma revisão dos países que considerava estarem em situação aná-loga a Portugal terem diminuído a dife-rença económica para os países mais desenvolvidos e Portugal não, afas-tando a realidade portuguesa de se-gunda metade do século XIX daquela que pautava os países escandinavos, mormente no artigo “Southern Euro-pean Economic Backwardness Revisi-ted: The Role of Open Economy Forces in Portugal and the Balkans, 1870-1913” (2002).  Por fim, os trabalhos produzidos pelo autor depois de 1992 vieram também complementar e atualizar algumas das perspetivas menos consideradas em A Economia Portuguesa no Século XIX. Crescimento Económico e Comércio Externo 1851-1913, em particular a am-pliação da capacidade explicativa da abordagem institucional do atraso eco-nómico português, conforme podemos verificar nas obras “Catching-Up to the European Core: Portuguese Economic Growth, 1910-1990” (2003), “New Wine in Old Bottles: Output and Pro-ductivity Trends in Portuguese Agricul-ture, 1850-1950” (2003) ou Os Progres-sos do Atraso. Uma Nova História Eco-nómica de Portugal, 1842-1992 (2003), (re)leituras que se recomendam agora.  Renato Pistola Instituto de Ciências Sociais Bibliografia  Bairoch, Paul, 1969. Working Popula-tion and Its Structure. Gordon & Breach, s. l. Bonifácio, Maria de Fátima, 1987. “Comercio externo e política pautal na 1ª metade do séc. XIX (Com-merce extérieur et politique dou-anière pendant la première moitié du XIX siècle)”, Ler História, 10, pp. 75-108. Cabral, Manuel Vilaverde, 1979. Por-tugal na alvorada do século XX: Forças sociais, poder político e crescimento económico de 1890 a 1914. A Regra do Jogo, Lisboa. Castro, Armando de, 1971. A revolução industrial em Portugal no século XIX. Publicações Dom Quixote, Lisboa. Crafts, N. F. R., 1984. “Patterns of de-velopment in nineteenth century Europe”, Oxford Economic Papers, 36:3, pp. 438-458. Gerschenkron, Alexander, 1962. Eco-nomic Backwards in Historical Per-spective: A Book of Essays. Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge, MA. Lains, Pedro, 1995. A economia portu-guesa no século XIX: crescimento económico e comércio externo, 1851-1913. Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa. Lains, Pedro, 2002. “Southern European economic backwardness revisited: The role of open economy forces in Portugal and the Balkans, 1870-1913”, Scandinavian Economic His-tory Review, 50:1, pp. 24-43. 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[Debates de clásicos] A economia portuguesa no século XIX. Crescimento económico e comércio externo 1851-1913

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