Resenha do livro Comunicação para a cidadania: caminhos e impasses, de Igor Fuser (org)

Wilson Couto Borges

Revista ECO-Pós

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ECO-Pós, v.12, n.2, maio-agosto 2009, p. 246-251.  246 Comunicação para a cidadania: linhas de um novo campo   Wilson Couto Borges     FUSER, Bruno (Org.). Comunicação para a cidadania: caminhos e impasses. Rio de Janeiro: E-papers, 2008.    A questão do reconhecimento dos Direitos Humanos parece longe de um consenso. Para o pensamente conservador, que comumente se associa à direita, faz-se necessário que o sujeito apresente as condições desejadas, seja possuidor de um conjunto de caracteres que o habilite a merecer tais benesses. Com a saída do regime ditatorial que vigiu em nosso país durante aproximadamente 20 anos, avaliava-se que essa questão fosse estar na pauta do dia dos governos ditos de esquerda, mas o aumento do debate em torno dos bens de cidadania para sujeito  sociais quase-que-invisíveis nos autoriza a pensar que a cidadania no Brasil é para inglês ver.  Por outro lado, à medida que cresce o consenso em torno da questão da centralidade dos meios de comunicação nas sociedades contemporâneas, torna-se emergencial a ampliação da agenda de debates em torno da concentração (e conseqüentemente da necessidade de quebra) de poder por parte dos oligopólios de comunicação em nosso país, oferecendo à população alternativas de sociabilidade, uma vez que muitos dos entidos compartilhados socialmente já estão atravessados por interesses econômicos, políticos e culturais.  Em nossa avaliação, é nesse quadro de referências que se inscreve Comunicação para a cidadania: caminhos e impasses. E sa coletânea, organizada por Bruno Fuser (E-papers, 2008), reúne 16 artigos que foram selecionados (entre 28 trabalhos apresentados) pelos participantes do Núcleo de Pesquisa (NP) para a Cidadania da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) no ano de 2007 e evidencia as principais linhas dos debates realizados pelo NP. O pesquisador ECO-Pós, v.12, n.2, maio-agosto 2009, p. 246-251.  247 aponta que “em certa medida damos continuidade à obra que leva o mesmo nome, organizada pela ex-coordenadora do NP, Denise Maria Cogo, pesquisadora na Unisinos, e pelo professor João Maia, da Uerj, em 2005” (FUSER, 2008, p. 07).  A obra, dividida em quatro partes, reflete a busca dos autores por ampliarem o campo de debates que envolvem as questões que atravssam a comunicação cidadã, partindo de experiências que já estão sendo desenvolvidas em torno da interface cidadania/comunicação. Na observação do organizador, “quando optamos por inserir o complemento ‘caminhos e impasses’ [no título] foi pr ser essa, talvez, a expressão que melhor resume o encontro no NP em 2007” (Idem). Mais do que simplesmente refletir sobre as controvérsias inerentes ao cerne do livro, as abordagens nele reunidas procuram aproximar o real da experiência vivida.  O conjunto de preocupações intrínsecos aos artigos apresentados nesta coletânea parece aproximá-los da perspectiva teórica desenvolvida por Raquel Paiva, sobretudo em O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo (Mauad, 2003). Nesta obra, a autora parte de uma discussão em torno do conceito d  comunidade para pensar novas formas de laços sociais. Abandonando o binômio paraíso esperado / paraíso perdido, nos termos propostos por Zygmunt Bauman em Comunidade (Jorge Zahar, 2003), Paiva trabalha a questão da comunidade (reencontrando-se c m o sociólogo polonês) como lugar de compartilhamento do bem-estar conjuntamente conseguido, a partir do resgate da solidariedade humana ou da organicidade social perdida.  Quando argumenta que “propor um pensamento sobre comunicação, hoje, comporta uma abordagem centrada não apenas na grande mídia, como também nas alternativas que têm sido tentadas” (Paiva, Op. cit., p. 22), a autora abre uma senda através da qual se pode intervir no real priorizando-se o local, o regional, o contato sem abrir mão do aparato técnico. Ou seja, comunitarizando-se a informação. Nesse sentido, passa-se a dar relevância aos veículos de comunicação alternativos frente às grandes redes de informação, colocando em cena novos atores informativos e novas propostas comunicacionais com vistas ao avanço democrático.  Evidentemente, tal perspectiva teórica aparece nos artigos distribuídos na primeira parte da obra, onde se aborda “Comunicação, cultura e cidadania: conceitos, ECO-Pós, v.12, n.2, maio-agosto 2009, p. 246-251.  248 impasses e perspectivas”. Nesta parte, discussões em torno dos termos popular e comunitário, ora encarados como sinônimos ora como diferentes, apontam para um conjunto de práticas onde a comunicação popular repres ntaria uma ruptura com a ordem vigente, enquanto a comunitária reproduziria as características das mídias tradicionais.  Analogamente, encontramos a reflexão em torno da rel ção entre mídia comunitária e novas construções identitárias, marcad s pelas dimensões locais e transnacionais, entendendo a mídia como ator de peso n se processo, além da preocupação com a questão do conceito de política de comunicação, sobretudo quando absorvido por organizações sociais, bem como a centralidade da comunicação comunitária como prática na ampliação da participação democrática e do desenvolvimento. Encerrando a primeira parte, encontramos a reflexão em torno da questão da identidade, da representação e do imaginário, em termos teóricos, na América Latina.  Na segunda parte, sob o título “Cidadania, redes e novas tecnologias”, encontram-se reflexões cuja temática aparece associda às novas tecnologias da comunicação e da informação, onde se equivoca, por exemplo, sobre o papel das organizações não governamentais no processo de politização (e a consequente participação) dos atores sociais que estão à margem: a inclusão digital capitaneada por esses organismos ampliam a participação das pessoas ou simplesmente atenuam as desigualdades sociais, onde a internet acaba se conv rte do em instrumento de controle social?  Imersa na mesma dinâmica, ainda que com perspectiva diferente, discuti-se sobre a questão da contribuição das comunicações digitais no processo de restabelecimentos de laços que se afrouxaram face o avanço do mercado vis-à-vis o enfraquecimento do Estado. Encerrando essa segunda etap , propõe-se uma discussão em torno do telecentro como um “equipamento de comunicação comunitária”. Nessa abordagem, a questão da inclusão digital aparece problematizada nos seguintes termos: trata-se de um incremento à construção da cidadania participativa ou, antes, de uma forma de consumo subalterno.  ECO-Pós, v.12, n.2, maio-agosto 2009, p. 246-251.  249 No terceiro bloco, “A comunicação na construção da ci dania”, encontramos relatos sobre experiências concretas nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil. Com relação à TV, analisa-se o caso do programa NoAr, onde parte-se da apreensão da juventude como minoria, buscando-se compreender como esses atores intervêm na realidade através de práticas audiovisuais. Outra fer menta importante do processo de comunicação, o rádio aparece nas quatro abordagens dessa parte da obra. Com exceção de Gabbay – que, a partir da experiência no Maranhão, argumenta sobre o quanto um projeto de “comunicação comunitária” pode reificar o status quo –, os demais trabalhos enfatizam a utilização desse veículo como instrumento de comunicação que funciona em oposição às estruturas monopolistas de comunicação, fomentando o pensamento crítico e incentivando à cidadania.  É interessante observarmos o quanto a base teórica do intelectual Milton Santos aparece materializada nessas iniciativas. Em Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal (Record, 2000), mesmo se debruçando sobre a internet, o geógrafo argumenta sobre as múltiplas o sibilidades abertas na contemporaneidade, uma vez que vivemos um momento histórico onde os meios de produção (comunicacionais) podem ser utilizados a favor dos menos favorecidos, sendo provocadores do pensamento crítico e de uma atitude positiva com relação à reivindicação de reconhecimento social.  Na última parte, “Comunicação, identidades culturais e cidadania”, o debate gira em torno das questões de identidade e cidadania a prtir da centralidade que os processos de comunicação ocupam na contemporaneidade. N s abordagens presentes nesse bloco, dois pontos aparecem como norteadores no desenvolvimento dos argumentos: a construção da hegemonia e as disputas em torno da primazia por significar. O que desperta em particular nossa atenção é o fato de perceber o quanto aquela dimensão da interpretação, “como possibilidade inventiva e revolucionária do indivíduo no mundo”, nos termos propostos por Gianni Vattimo (Paiva, Op. cit., p. 164), acaba esbarrando naquilo que Muniz Sodré definiu como o “plano subjacente ao modo de agir dos sujeitos e das culturas” (Idem, p. 17), ou seja, o Imaginário.  De certo, a assertiva do fim do parágrafo anterior em nada compromete o trabalho sintetizado nessas 16 reflexões. Isso porque, concordando com Paiva, “o ECO-Pós, v.12, n.2, maio-agosto 2009, p. 246-251.  250 surgimento dum veículo comunitário [mas, principalmente, as questões que esse surgimento suscita] pode ter justificativas que vãodesde a necessidade de promover a circulação da informação entre os membros duma comunidade (...) até a divulgação de propostas e reivindicações” (Idem, p. 161). Assim, as abordagens organizadas por Bruno Fuser representam um importante passo no amadurecimento do debate em torno da inclusão social e, por conseguinte, cidadã de uma considerável parcela da nossa sociedade. Dessa forma, falar cidadania através de iniciativas de comunicação comunitária é por em marcha simultaneamente dois prcessos: o primeiro, evidente em si mesmo, diz respeito à dotação de cidadania para aqueles que não têm; o segundo, a possibilidade de subversão dos mecanismos hegemônicos de poder através da transformação da comunicação como paradigma de uma nova democracia.  Quando os autores reunidos em Comunicação para cidadania: caminhos e impasses se propõem a trabalhar com a questão da comunicação comunitária, poderíamos incluí-los no conjunto de teóricos cujas reflexões têm invertido perguntas e produzido respostas alternativas. Para sermos um pouco mais específicos, estamos pensando em abordagens como a de Bauman em Globalização: as conseqüências humanas (Jorge Zahar, 1999), onde o autor apresenta suas preocupações com as conseqüências que tanto a transnacionalização do capital quanto o processo de desterritorialização tem produzido concretamente, onde “o significado mais profundo da separação espacial era a proibição ou a suspensão da c municação e a perspectiva de isolamento” (Idem, p. 114). Ainda que nessa passagem a preocupação maior do sociólogo seja com a discrepância entre Lei global, ordens locais não é menos pertinente que pensemos os isolamentos produzidos pelos meios hegemônicos de informação nessa dinâmica.  Avaliando por esse prisma, o trabalho organizado por Fuser representa uma das linhas de atuação proposta pelo Centro Internacional de Estudios de Comunicación para a América Latina (Ciespal) no que diz respeito à questão da preparação de professores e agentes dentro da perspectiva da comunicação comunitária, provocando a participação dos atores sociais de dentro das comunidades. Ou, nos termos propostos por Paiva ao falar desse agente fomentador da transformação, identif cando-o como “aquele que primeiramente é capaz de promover e potencializar a articulação comunitária, seja via ECO-Pós, v.12, n.2, maio-agosto 2009, p. 246-251.  251 instituições (...) ou por meio da evocação duma comunidade determinada” (Op. cit., p. 143).  Por último, porém não menos significativo, é que encontramos nos trabalhados reunidos em Comunicação para a cidadania: caminhos e impasses aquela viragem proposta por Martin-Barbero, em Ofício de cartógrafo (Edições Loyola, 2004), no que diz respeito aos estudos no campo da comunicação produzidos na América latina. Ou seja, nos termos propostos pelo intelectual latino-americano, “pensar a comunicação (...) não só a partir dos deslocamentos do capital e inovações tecnológicas, mas profundas transformações na cultura cotidiana das maiorias: mudanças que trazem à superfície estratos profundos da memória coletiva ao mesmo tempo em que movimentam imaginários que fragmentam e des-historicizam” (Idem, p. 209).  O que mais nos anima na leitura da coletânea organizada por Fuser é a percepção de que o papel do intelectual comunicador proposto por Martin-Barbero encontre materialidade nos esforços empreendidos pel 16 autores presentes naquele trabalho. Nele percebe-se claramente que a comunicação parece como “um lugar estratégico desde o qual se pensa a sociedade” (I m, p. 213). Nesse sentido, encontramos algumas linhas daquele desenho sobre o novo campo de investigação da comunicação de que fala o mesmo autor de Dos meios às mediações: que ele [campo] “possa ser pensado não como mero assunto de mercados e consumos, mas como espaço decisivo de redefinição do público e da reconstrução da democracia” (Idem, p. 222).       WILSON COUTO BORGES é doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF).   

Comunicação para a cidadania: linhas de um novo campo

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Comunicação para a cidadania: linhas de um novo campo

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