[Excerto] AS BASES DO NOVO CONCEITO ESTRATÉGICO DE DEFESA NACIONAL
(CEDN) são esperadas para o final do corrente ano, conforme declarado pela Ministra
da Defesa Nacional, Helena Carreiras, na
audição parlamentar, em maio, no âmbito da
apreciação na especialidade do Orçamento
do Estado para 20221. O presente artigo
sustenta um novo conceito que assuma clara e apoditicamente, para fins operativos, o
nexo entre segurança externa e segurança
interna (NSEI), justificado pela complexidade de um ambiente de (in)segurança pautado
por ameaças, riscos, problemas e desafios de
crescente sinal transnacional e transetorial

Brandão, Ana Paula Lima Pinto de Oliveira Almeida

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Universidade do Minho: RepositoriUM

142JANUS 2022AS BASES DO NOVO CONCEITO ES-TRATÉGICO DE DEFESA NACIONAL (CEDN) são esperadas para o final do cor-rente ano, conforme declarado pela Ministra da Defesa Nacional, Helena Carreiras, na audição parlamentar, em maio, no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 20221. O presente artigo sustenta um novo conceito que assuma cla-ra e apoditicamente, para fins operativos, o nexo entre segurança externa e segurança interna (NSEI), justificado pela complexida-de de um ambiente de (in)segurança pautado por ameaças, riscos, problemas e desafios de crescente sinal transnacional e transetorial.Crise e turbulência para lá das fronteiras nacionaisA revisão do CEDN dá-se em contexto inter-nacional multicrítico, cujos epicentros mais recentes atentam os valores fundamentais, entre os quais, com destaque, a integridade e dignidade da vida humana e a liberdade: a pandemia da Covid-19, já apelidada de polipandemia  pelos efeitos para lá da área da saúde, e a Guerra na Ucrânia, provocada pela agressão militar russa contra um Estado soberano (com situações de barbárie, ines-peradas e inaceitáveis, em pleno século XXI, nas fronteiras da União Europeia).A análise das ameaças realizada no âmbito do processo conducente à  Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa, adotada no pas-sado mês de março, contempla um espetro diversificado: a nível global – abrandamento da globalização, crescente rivalidade econó-mica entre potências globais, alterações cli-mática e competição por recursos, pressões migratórias, ameaças contra o multilateralis-mo; a nível regional – instabilidade regional e local, conflitos, fragilidade estatal, tensões interestatais, impacto desestabilizador de atores não estatais, influências externas; contra  a UE – estratégias híbridas, ciberata-ques,  campanhas de desinformação,  inter-ferência direta nas eleições e nos processos políticos,  coerção económica e  instrumen-talização dos fluxos de migração, utilização de tecnologias emergentes e disruptivas, por atores estatais e não estatais; terrorismo e extremismo violento; criminalidade orga-nizada.Neste ambiente pautado por desafios, problemas, riscos e ameaças complexos, dissemina-se a perceção de turbulência, medo, incapacidade e contestação. O último Schuman Report The State of the Union2, do conceituado think-tank francês, Fondation Robert Schuman, refere uma “Europe in perfect storm” num “mundo global, turbu-lento e mais brutal”.  Os participantes na Munich Security Conference, no passado mês de fevereiro, alertaram para a necessi-dade de “unlearn helplessness” e demons-trar que as democracias são capazes de dar resposta às crises e inverter o rumo dos acontecimentos3. Os momentos críticos (critical junctures) são também janelas de oportunidade para a mudança, senão mesmo para a transforma-ção (mudança estrutural).  A sucessão inter-conectada dos mesmos, nas duas primeiras décadas do século XXI, confirmou e intensi-ficou tendências, entre as quais destacamos, no presente apontamento, o nexo entre as dimensões interna e externa da segurança. O nexo segurança externa-interna na União Europeia: do declarativo ao operativoNo início do século, a Estratégia Europeia em matéria de Segurança (2003) afirmava “uma indissolúvel ligação entre os aspectos internos e externos da segurança”4.  Esta ar-ticulação seria objeto de uma reflexão estru-turada e de um plano de operacionalização, oito anos depois, no  relatório conjunto da Comissão Europeia e do Alto Representan-te para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança e no subsequente roteiro do Conselho, contemplando cinco áreas (co-nhecimento de situação e apoio em matéria de informações;  intercâmbio de informação e  apoio mútuo; melhoria dos mecanismos no processo de tomada de decisão; melho-ria da cooperação no planeamento da ação externa da UE; ; capacidades – recursos hu-manos e formação) e 27 linhas de ação (12 prioridades de curto-prazo e  15 prioridades de médio-prazo)5. Os documentos incidiram sobre a ligação mais específica entre a Políti-ca Comum de Segurança e Defesa (PCSD) e o Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (ELSJ), deixando para uma abordagem pos-terior a componente associada à Cláusula de Solidariedade (artigo 222.° do Tratado so-bre o Funcionamento da União Europeia). Cinco anos mais tarde, o Serviço Europeu de Ação Externa (SEAE)  sustentava que, face à evolução do contexto internacional e dos desafios à segurança europeia, era ne-cessário ir mais além das medidas previstas no Roteiro de 2011 e focar em três áreas prioritárias: melhoria do conhecimento de situação e do intercâmbio de informações no seio da UE; operacionalização do NSEI; convergência e sinergias Civ(il)Mil(itar).  Ao longo dos anos, a articulação tem sido objeto de ações concretas. Assim, ao nível da partilha de informações, de referir: a cooperação entre o INTCEN, na provisão de avaliações da ameaça e outros produtos relacionados com o contra-terrorismo, o Comité Permanente da Segurança Interna (COSI), o Grupo de Trabalho sobre Terro-rismo (TWP) e o Comité Político e de Segu-rança; as reuniões informais entre o COSI e o CPS; a provisão de serviço de satélite à FRONTEX pelo Centro de Satélites da UE (SatCen); a cooperação entre o Centro de Inteligência e de Situação da UE (INTCEN) e a Frontex, através da partilha dos produtos analíticos e relatórios de situação. No que respeita aos procedimentos, de destacar: as reuniões trilaterais e as staff talks entre a Comissão Europeia, o SEAE e as agências (Europol, Frontex); a participação do SEAE no estabelecimento dos programas de traba-lho das agências;  a definição de disposições administrativas sobre partilha de informação classificada entre o SEAE e as agências; o estabelecimento de métodos de trabalho entre  o SEAE e a Frontex; a troca de cartas sobre reforço da cooperação entre o SEAE, a Europol e a Interpol. No plano formativo, de relevar as atividades organizadas pelo Colégio Europeu Defesa e a Academia Eu-ropeia de Polícia (e.g. Webinar EU CSDP/Freedom Security and Justice Nexus, Struc-tures and Instruments). A operacionalização do nexo tem sido particularmente expressiva no âmbito das missões da PCSD, designada-mente através da participação de especialis-tas área do ELSJ na condução das missões e do contributo destas para conhecimento da situação e intercâmbio de informações entre atores da UE. Neste contexto, de mencio-nar, a título ilustrativo, o projeto piloto de uma Célula de Informação Criminal (CIC) no âmbito de uma operação naval da PCSD no Mediterrâneo (EUNAVFOR MED SO-PHIA), que continua em funcionamento no âmbito da nova operação (EUNAVFOR MED IRINI),  destinada à receção, recolha  Os momentos críticos (critical junctures) são também janelas de oportunidade para  a mudança, senão mesmo  para a transformação (mudança estrutural).O NEXO SEGURANÇA EXTERNA-INTERNA: DA ESTRATÉGIA  À OPERACIONALIZAÇÃOAna Paula BrandãoTexto entregue em Junho de 20222.11 • O País que Somos, O(s) Mundo(s) que Temos143JANUS 2022e transmissão de informações sobre o em-bargo ao armamento contra a Líbia, sobre as exportações ilegais de petróleo da Líbia sobre a introdução clandestina de migrantes e o tráfico de pessoas, e  sobre crimes com implicações para a segurança da operação (Decisão (PESC) 2020/472).A caminho de um novo CEDNO CEDN aprovado em 2013, ainda em vi-gor, comunga de um conceito de defesa in-tersectorial, que não se restringe à dimensão militar. Nesta linha, afirma a indispensabili-dade da “definição de uma estratégia civil e militar para fazer face às ameaças e riscos atuais” e a necessidade de “respostas estra-tégicas multissectoriais e integradas” para fazer face a ameaças transnacionais. Refe-re ainda a dimensão interna da segurança, sustentando uma “abordagem integrada”, multiatores (forças e serviços de segurança, proteção civil, emergência médica, autorida-des judiciárias) e multinível (internacional, nacional e local). No entanto, o documento é contido no que respeita à efetiva coorde-nação entre “defesa” e “segurança interna”.A natureza complexa e o ritmo acelerado da mudança do ambiente de (in)segurança não se compadece de ciclos de revisão de dez anos sob uma lente compartimentada. E porque a transformação deve ser gradual (“passo a passo”) e consolidada, importa começar por prever no novo Conceito Es-tratégico: a monitorização anual da respe-tiva execução; um instrumento agilizado de análise periódica de tendências, riscos e ameaças; (na esteira da UE) um roteiro de operacionalização do NSEI.  No futuro, de-verá caminhar-se no sentido de uma Estra-tégia de Segurança Nacional delineada sob tutela interministerial. n Notas1 RTP (9 maio 2022). Ministra da Defesa compromete-se com bases de novo Conceito Estratégico. Disponível em: https://www.rtp.pt/madeira/sociedade/ministra-da-defesa-compromete-se-com-bases-de-novo-conceito-estrategico_93119.   Pascale Joannin (ed.) (2022). The Schuman Report on Europe, the State of the Union 2022.Clinchy: Editions Marie B.2 Munich Security Conference (2022). Munich Security Report 2022: Turning the Tide – Unlearning Helplessness. Disponível em https://securityconference.org/en/publications/munich-security-report-2022/3 Conselho da União Europeia (2009). Estratégia europeia em matéria de segurança: uma Europa segura num mundo melhor. Luxemburgo: Serviço Oficial de Publicações da União Europeia: 29. Documentos estratégicos subsequentes (Estratégia de Segurança Interna da UE, 2010; Estratégia Renovada de Segurança Interna da UE, 2015; Estratégia Global para a Política Externa e de Segurança da União Europeia, 2016; Estratégia da UE para a União da Segurança 2020) reiteraram esta ligação. A Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa, adotada em março do presente ano, reafirmou a necessidade de maximizar as sinergias e a complementaridade entre segurança externa e interna. 4 European Commission and High Representative (2011).  Strengthening ties between CSDP and FSJ actors – proposals for a way ahead (SEC/2011/560). Brussels; Council of the European Union (2011). Strengthening Ties Between CSDP and FSJ—Elements of a Draft Road Map (15562/11). Brussels.5 EEAS (2016).  CMPD Food for thought Paper: from strengthening ties between CSDP/FSJ actors towards more security in Europe (EEAS/2016/9). Brussels.

O nexo segurança externa-interna: da estratégia à operacionalização

https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/83733/1/Janus%202022%202.11%20Ana%20Paula%20Branda%cc%83o.pdf

O nexo segurança externa-interna: da estratégia à operacionalização

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