Palavras-chave: Covid-19; Estado; Feminismo.Keywords: Covid-19; State; Feminis

Carvalho, Iracema Matos

Gonçalves, Antônia Verônica da Silva

Sousa, Tuanny Soeiro

Portuguese

Universidade do Extremo Sul Catarinense: Periódicos UNESC

 ESTADO, GÊNERO E FEMINISMO: UMA ANÁLISE ACERCA DA CONDIÇÃO  DAS MULHERES NA PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL  STATE, GENDER AND FEMINISM: AN ANALYSIS ABOUT WOMEN'S CONDITION  IN THE PANDEMIC OF COVID - 19 IN BRAZIL  Tuanny Soeiro Sousa  1  Antônia Verônica da Silva Gonçalves  2  Iracema Matos Carvalho  3  Palavras-chave:  Covid-19; Estado; Feminismo.  Keywords:  Covid-19; State; Feminism.  O  presente  trabalho  tem  como  objetivo  geral  problematizar  a  demanda  de  reconhecimento  estatal  proposto  por  movimentos  sociais  brasileiros,  especialmente  feministas,  no  intuito  de  refletir  sobre  as  consequências  discursivas  que  uma  maior  intervenção  do  Estado  pode  trazer  para  a  vida  das  mulheres  no  período  da  pandemia  de  Covid-19.  Trata-se,  portanto,  de  um  exercício  teórico  que  vem  sendo  desenvolvido  como  etapa  de  execução  de  outro  projeto  de  pesquisa  paralelo  que  intenta  analisar  a  dinâmica  entre  profissionais  do  sexo  e  o  Estado  no  município  de  São Luís do Maranhão durante a crise sanitária.  Dessa  forma,  parte-se  do  seguinte  problema:  que  consequências  a  demanda  por  ampliação  de  políticas  públicas  para  mulheres  durante  a  pandemia  de  Covid-19  pode  trazer  para  a  alocação  social  desses  sujeitos?  Como  objetivos  específicos,  definem-se:  analisar  as  condições  sociais  das  mulheres  brasileiras  durante  a  pandemia  de  Covid-19;  levantar  o  modelo  de  atuação  política  dos  movimentos  feministas  brasileiros;  e  identificar  os  problemas  relativos  à  demanda  de  maior proteção estatal.  3  Acadêmica de Direito, Centro Universitário Dom Bosco – UNDB, iracemamatcarvalho@gmail.com  2  Acadêmica de Direito, Centro Universitário Dom Bosco – UNDB, w.veronica_silva@hotmail.  1  Doutoranda  em  Ciências  Jurídicas  (UFPB),  Docente  do  Centro  Universitário  Dom  Bosco  –  UNDB,  tusoeiro@hotmail.com  Para  responder  ao  questionamento  principal,  utiliza-se  como  pressuposto  teórico-metodológico  a  teoria  do  discurso  de  Ernesto  Laclau  e  Chantal  Mouffe  (2015)  em  sua  intersecção  com  a  teoria  do  sujeito  de  Judith  Butler  (2004;  2015a;  2015b).  Para  os  três  autores,  a  análise  do  social  depende  de  uma  sobreposição  entre  o  mundo  discursivo  e  o  material.  Além  disso,  como  abordagens  pós-estruturais,  entendem  que  tanto  as  relações  humanas,  quanto  todo  o  conhecimento  apreensível,  são  condicionados  por  estruturas  linguísticas  significantes  contingentes,  que  se  estabilizam  momentaneamente  em  ordens  hegemônicas,  mas  que  estão  sempre  sujeitas  a  disjunções  em  razão  das  contradições  inerentes  ao  político  (MOUFFE,  2015).  Tal  vertente  metodológica  possibilita  a  compreensão  das  relações  de  poder  na  produção  discursiva  da  estrutura  social,  bem  como  permite  imaginar  as  condições necessárias para a sua superação.  Entre  os  resultados  encontrados,  é  possível  observar  uma  piora  na  qualidade  de  vida  das  mulheres  brasileira  durante  a  crise  sanitária.  Segundo  os  dados  organizados  por  Bueno  et  al  (2021),  no  primeiro  ano  de  pandemia  de  Covid-19,  1  em  cada  4  mulheres  brasileiras  (24,4%)  acima  de  16  anos  afirmou  ter  sofrido  algum  tipo  de  violência  (física,  psicológica  ou  sexual),  ao  mesmo  tempo  em  que  5  em  cada  10  brasileiros  (51,1%)  relataram  ter  visto  uma  mulher  sofrer  violência  no  seu  bairro  ou  na  sua  comunidade.  No  que  concerne  à  precarização  das  condições  de  vida,  61,8%  das  mulheres  vitimadas  afirmaram  que  a  renda  familiar  diminuiu  durante  esse  período,  com  46,7%  tendo  perdido  o  emprego.  68,2%  relataram  o  aumento  do  nível  de  estresse.  Essa  conta  pesou  ainda  mais  para  as  mulheres  negras,  cuja  violência  atingiu  28,3%  de  pretas,  24,6%  de  pardas  e  23,5%  de  brancas,  reproduzindo  um  quadro  que  já  tinha  previsto  pelo  Atlas  da  violência  de  2020  (BUENO;  CERQUEIRA,  2020),  quando  elas  representavam  66%  das  vítimas  de feminicídio.  Em  contradição  a  esse  quadro,  o  investimento  em  políticas  públicas  para  mulheres  vem  decrescendo  no  Brasil.  Segundo  pesquisa  do  INESC  (2021),  nunca  se  investiu  tão  pouco  nessa  pauta  desde  2015.  De  2020  para  2021,  por  exemplo,  os  recursos  orçamentários  sofreram  corte  de  51,8%,  impactando  diretamente  em  ações  como  as  previstas  pela  Políticas  de  Igualdade  e  Enfrentamento  à  Violência  Doméstica,  a  Construção  e  Manutenção  da  Casa  da  Mulher  Brasileira,  e  o  funcionamento do Conselho Nacional de Direitos das Mulheres.  A  despeito  do  cenário  de  desmonte  e  de  desvalorização  das  pautas  que  visam  a  garantia  dos  direitos  humanos  e  fundamentais  das  mulheres  brasileiras,  ainda  é  possível  observar  uma  alta  demanda  pelo  desenvolvimento  de  novas  políticas  públicas  que  possam  dar  conta  do  agravamento  dos  problemas  causados  pela  pandemia  de  Covid-19.  Um  exemplo  paradigmático  desse  modus  operandi  está  na  proposição,  no  Senado,  de  projeto  de  lei  que  estabelece  a  Política  Nacional  de  Informações  Relacionadas  à  Violência  Contra  a  Mulher  (Pnainfo),  iniciativa  decorrente  de  parceria  entre  o  Observatório  da  Mulher  contra  a  Violência  e  a  Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) (SILVA, 2021).  Essa  maneira  de  proceder  é  bem  característica  dos  movimentos  femininas  brasileiros  que  têm  investido,  ao  longo  da  segunda  onda,  na  linguagem  dos  direitos  para  a  superação  das  desigualdades  de  gênero  no  país,  especialmente  na  pauta  da  violência  contra  mulheres  (HEILBORN;  SORJ,  1999).  Como  estratégia  de  atuação,  esses  grupos  optaram  por  demandar  políticas  públicas  estatais  que  dessem  conta  de  um  acolhimento  especial  às  vítimas,  e  que  passassem  a  punir,  especialmente  através  do  sistema  penal,  seus  agressores  (GROSSI,  1994).  Apesar  de  conquistarem  a  criação  de  uma  delegacia  especial  já  na  década  de  80,  é  apenas  no  início  dos  anos  2000  que  efetivamente  se  observará  o  reconhecimento  da  condição  feminina  como  digna  de  atenção  do  Estado,  seja  pela  promulgação  da  Lei  11.340/2006, ou pela criação da Secretaria Nacional de Política para Mulheres.  No  âmbito  dos  debates  acerca  da  relação  existente  entre  os  movimentos  sociais  e  o  Estado,  parte  da  teoria  feminista  tem  se  preocupado  em  problematizar  o  anseio  crescente  por  uma  maior  interferência  estatal  na  vida  das  mulheres.  Na  perspectiva  de  Mackinnon  (1991),  por  exemplo,  a  linguagem  neutra  e  objetiva  do  Estado  e  do  Direito  universaliza  valores  masculinos,  constituindo,  coercitiva  e  autoritariamente,  uma  ordem  social  no  interesse  dos  homens  através  da  legitimação  de  suas  normas,  formas,  relações  sociais  e  políticas  substantivas.  Na  opinião  da  autora,  o  Estado  é  masculino,  pois  olha  e  trata  as  mulheres  da  forma  como  os  homens a tratam.  Deslocando  o  debate  para  uma  versão  menos  reificada  da  análise  política,  Brown  (2006)  pontua  que  historicamente  o  argumento  de  que  as  mulheres  dependem  do  Estado  tem  operado  para  ligar  a  “feminilidade”  a  privilégios  de  classe  e  raça.  Nesse  sentido,  códigos  de  proteção  também  são  marcas  e  veículos  da  divisão  entre  as  mulheres,  diferenciando  aquelas  que  são  violáveis,  e  consequentemente  protegíveis,  daquelas  que  são  responsáveis  por  suas  próprias  violações.  Logo,  para  essa  autora,  o  Estado  aparece  como  uma  tecnologia  de  regulação  do  ideal  da  mulher  privilegiada,  atuando  na  intensificação  da  vulnerabilidade  e  da  degradação  daquelas  que  estão  do  lado  desprotegido  da  divisão  produzida  entre  brancas  e  negras,  esposas  e  prostitutas,  mulheres  honestas  e desonestas.  No  Brasil,  a  proposta  teórica  de  Vianna  e  Lowenkron  (2017)  para  a  compreensão  do  gênero  e  do  Estado  como  um  duplo  fazer  tem  possibilitado  um  adensamento  das  análises  que  contemplam  essa  relação.  Assim,  para  as  autoras,  a  inteligibilidade  do  gênero,  com  as  suas  consequentes  produções  discursivas  e  materiais,  depende  intimamente  do  Estado,  ao  mesmo  tempo  em  que  opera  perpetuamente  na  generificação  de  suas  práticas  e  agentes.  Dessa  forma,  qualquer  análise  de  fenômenos  de  natureza  social  requer  uma  interpretação  a  partir  dessa  interconexão, ainda que diretamente não envolva mulheres.  Como  propostas  de  estudos  que  atendem  ao  chamado  de  Vianna  e  Lowenkron,  tanto  Efrem  Filho  (2018)  na  análise  do  julgamento  do  Habeas  Corpus  do  Lula,  quanto  Mello  e  Sousa  (2020)  no  exame  do  debate  sobre  a  descriminalização  do  porte  pessoal  de  drogas,  identificam  nos  discursos  dos  ministros  do  Supremo  Tribunal  Federal  a  mobilização  de  categorias  como  “família”,  “ambientes  honestos”,  “homicidas”  e  “estupradores”,  que  contribuem  com  a  reificação  de  convenções  de  gênero que trabalham para reforçar desigualdades entre os sujeitos sociais.  Essas  são  apenas  algumas  das  ideias  que  devem  ser  consideradas  nesse  momento  de  agravamento  das  condições  de  vida  das  mulheres  brasileiras,  especialmente  diante  do  fortalecimento  de  forças  conservadoras  no  cenário  político  nacional  e  da  persistente  hegemonia  neoliberal  no  cenário  econômico.  Dessa  forma,  os  movimentos  feministas  precisam  inserir  em  sua  agenda  de  debates  os  possíveis  prejuízos  a  longo  prazo  que  essa  intervenção  estatal  pode  trazer  daqui  para  frente  na  vida  desses  sujeitos.  Isso  não  significa  renunciar  às  políticas  sociais,  apenas  considerar  que  outras  formas  de  fazer  política,  tal  qual  aquela  proposta  pela  democracia  radial  (LACLAU;  MOUFFE,  2015),  podem  tanto  auxiliar  na  superação  da  estrutura atual, como articular uma nova hegemonia das esquerdas brasileiras.  REFERÊNCIAS  BROWN, Wendy. Finding the man in the state. In: SHARMA, Aradhana. GUPTA,  Akhil (Orgs.).  The anthropology of the State . A reader. Malden: Blackwell  Publishing, 2006.  BUENO, et al.  Visível e invisível : a vitimação de mulheres no Brasil. 3ª ed. 2021.  [S.l.]: Fórum de Segurança Pública, 2021. Disponível em:  https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e-invisivel  -3ed-2021-v3.pdf. Última visualização em: 28 ago. 2021.  BUENO, Samira; CERQUEIRA, Daniel (coord.).  Atlas da violência 2020 . [S.l.]:  Instituto de Pesquisa Aplicada, 2020. Disponível em:  https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/3519-atlasdaviolencia2020co  mpleto.pdf. Última visualização em: 28 ago. 2021.  BUTLER, Judith.  Precarious life : the life of mournig violence. New York: Verso,  2004.  BUTLER, Judith.  Senses of the subject . New York: Fordham University Press,  2015a.  BUTLER, Judith.  Quadros de guerra . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015b.  EFREM FILHO, Roberto. “Um Paraíso de Homicidas, Estupradores, Corruptos”:  sexualidade e gênero no julgamento do Habeas Corpus de Lula no STF.  Revista  Direito e práxis , v.9, n. 3, 2018, p. 1871-1896.  GROSSI, Miriam Pillar. Velhas e Novas Violências Contra A Mulher: 15 Anos de  Lutas e Estudos Feministas.  Revista Estudos Feministas  (UFSC. Impresso),  BRASIL, v. ESP., p. 473-484, 1994.  HEILBORN, Maria Luiza e SORJ, Bila. “Estudos de gênero no Brasil”, in: MICELI,  Sérgio (org.)  O que ler na ciência social brasileira (1970-1995) , ANPOCS/CAPES.  São Paulo: Editora Sumaré, 1999, p. 183-221.  INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos.  Balanço Semestral do Orçamento  Geral da União: janeiro a junho de 2021 . 2021. Disponível em:  https://www.inesc.org.br/wp-content/uploads/2021/07/BGU-1o-Semestre-2021_Versa  o-Final-1.pdf. Última visualização em: 28 ago. 2021.  LACLAU, Ernesto. MOUFFE, Chantal.  Hegemonia e estratégia socialista . Por uma  política democrática radical. São Paulo: Intermeios; Brasília: CNPq, 2015.  MACKINNON, Catharine.  Toward a feminist theory of the state . London: Harvard  University Press, 1991.  MELLO, Breno Marques de. SOUSA, Tuanny Soeiro. Filhos, famílias e ambiente  honestos: gênero, sexualidade e (des)criminalização do consumo de drogas.  Revista direito e práxis , v. 11, n. 2, abr.-jun. 2020, p. 1312-1331.  MOUFFE, Chantal.  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