Palavras-chave: Covid-19; Direito à saúde; Prostituição.Keywords: Covid-19; Prostitution; Right to health

Pereira, Rayane de Lima

Silva, Ingrid Michelle Coelho da

Sousa, Tuanny Soeiro

Portuguese

Universidade do Extremo Sul Catarinense: Periódicos UNESC

 PROSTITUIÇÃO, DIREITO À SAÚDE E COVID-19  PROSTITUTION, RIGHT TO HEALTH AND COVID-19  Tuanny Soeiro Sousa  1  Ingrid Michelle Coelho da Silva  2  Rayane de Lima Pereira  3  Palavras-chave:  Covid-19; Direito à saúde; Prostituição.  Keywords:  Covid-19; Prostitution; Right to health.  O  presente  trabalho  consiste  na  apresentação  de  projeto  de  pesquisa  em  fase  de  execução  que  tem  como  tema  “o  direito  à  saúde  da  população  feminina  maranhense  no  período  da  Pandemia  de  Covid-19”,  definindo  como  objeto  de  análise  os  movimentos  discursivos  em  torno  da  demanda  de  reconhecimento  estatal  do  direito  à  saúde  de  mulheres  cisgêneras,  transexuais  e  travestis  profissionais  do  sexo na cidade de São Luís durante a pandemia de Covid-19.  O  direito  à  saúde  está  elencado  como  fundamental  na  Constituição  Federal  de  1988.  No  entanto,  por  seu  caráter  social,  depende  sempre  de  prestação  positiva  do  Estado,  cujas  ações  se  materializam  em  forma  de  políticas  públicas.  Como  o  direito  em  si  não  é  um  fato,  o  seu  reconhecimento  e  a  sua  concretização  são  resultados  de  disputas  travadas  entre  diversos  agentes  no  espaço  social  (VIANNA, 2012; 2013).  No  caso  específico  dos  direitos  humanos,  essas  disputas  tomam  a  forma  de  reconhecimento  das  peculiaridades  próprias  das  identidades  sociais,  marcando  o  processo  conhecido  como  fragmentação  de  direitos.  Dessa  maneira,  para  melhor  atender  aos  seus  cidadãos,  os  Estados  devem  reconhecer  as  peculiaridades  e  3  Graduanda em Direito, Centro Universitário Dom Bosco (UNDB). E-mail: acad.rayane@gmail.com.  2  Graduanda  em  Direito,  Centro  Universitário  Dom  Bosco  (UNDB).  E-mail:  iingridmichellee@gmail.com.  1  Doutoranda  em  Ciências  Jurídicas  (UFPB),  Docente  do  Centro  Universitário  Dom  Bosco  (UNDB).  E-mail: tusoeiro@hotmail.com.  vulnerabilidades  de  cada  grupo  social,  oferecendo  ações  que  respeitem  e  se  adequem a essas diferenças (DOUZINAS, 2009).  É  dessa  maneira  que  políticas  próprias  para  mulheres  e  LGBTQIA+  (lésbicas,  bissexuais,  transexuais,  travestis,  queers ,  intersexuais,  assexuais,  dentre  outros)  vêm  sendo  demandadas  e  reconhecidas  ao  longo  dos  séculos  XX  e  XXI.  Entretanto,  em  razão  das  hierarquias  produzidas  e  mantidas  na  estrutura  social  brasileira,  a  luta  por  reconhecimento  precisa  ser  contínua.  São  através  dessas  disputas  que  os  sentidos  do  mundo  ganham  corpo,  se  reproduzem  ou  se  transformam (ADRIÃO; TONELI; MALUF, 2011; CARRARA; VIANNA, 2008).  No  caso  específico  das  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo,  as  relações  de  poder  que  transpassam  as  ações  de  Estado  costumam  tomar  a  forma  de  regulação  de  gênero,  normalmente  a  partir  de  discursos  normativos  que  também  conjuram  os  recortes  de  raça  e  classe  social  (BUTLER,  2015).  Trata-se  da  (re)produção  de  sujeitos  protegíveis  e  matáveis  que  consolidam  a  necropolítica  numa determinada ordem social (MBEMBE, 2016).  Se  de  um  lado  existe  uma  demanda  do  movimento  de  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo  para  o  reconhecimento  de  suas  peculiaridades  durante  a  pandemia  de  Covid-19,  uma  vez  que  a  manutenção  de  suas  condições  materiais  de  vida  depende  de  uma  exposição  corporal,  de  outro,  a  linguagem  que  o  Estado  emprega  pode  (re)consolidar  a  pirâmide  social  que  torna  possível  a  ultravulnerabilização  desses  corpos.  O  que  o  projeto  em  execução  intenta  analisar  é  como  esses  movimentos  têm  se  estruturado  no  município  de  São  Luís,  para  entender as consequências materiais e discursivas na vida desses sujeitos.  Com  o  intuito  de  alcançar  esse  objetivo,  parte-se  do  seguinte  problema  de  pesquisa:  como  tem  se  movimentado  as  Secretarias  municipais  e  estaduais  maranhenses  e  ludovicenses  diante  da  demanda  de  ações  de  promoção  do  direito  à  saúde  de  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo  durante  a  pandemia  de  COVID-19 (2020-2021) no município de São Luís?  Como  objetivos  específicos,  intenta-se:  sistematizar  os  planos  de  ação  voltados  para  a  concretização  dos  direitos  humanos  de  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo  no  Maranhão  e  em  São  Luís;  levantar  quais  são  as  principais  demandas  dos  movimentos  sociais  de  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo  no  município  de  São  Luís  durante  a  pandemia  de  COVID-19;  acompanhar  o  processo  de  diálogo  das  demandas  dos  movimentos  sociais  de  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo  com  as  Secretarias  estaduais  e  municipais  da  mulher,  da  saúde  e  dos  direitos  humanos;  e  observar  as  ações  executadas  por  essas  Secretarias diante das demandas acima descritas.  Trata-se  de  Pesquisa  Social  qualitativa  que  emprega  o  Estudo  de  Caso  em  seu  aspecto  metodológico.  Em  um  primeiro  momento,  pretende-se  levantar,  através  de  documentação  direta,  os  planos  de  ação  voltados  para  a  proteção  e  promoção  dos  direitos  humanos  de  mulheres  e  travestis  no  âmbito  da  Secretaria  Municipal  e  Estadual  de  Saúde  de  São  Luís,  e  das  Secretarias  Estaduais  da  Mulher  e  dos  Direitos  Humanos  do  Maranhão,  buscando  identificar  quais  políticas  abrangem  especificamente as profissionais do sexo do município.  Em  seguida,  intenta-se  entrevistar  representações  dos  movimentos  sociais  de  mulheres,  de  travestis  e  de  prostitutas  no  intuito  de  compreender  qual  tem  sido  o  discurso  e  a  estratégia  políticas  desses  grupos  em  relação  ao  contexto  vivido  pelas  profissionais  do  sexo  no  município  de  São  Luís.  Os  movimentos  sociais  escolhidos  são:  a)  Associação  das  Profissionais  do  Sexo  do  Maranhão  (APROSMA);  b)  Associação  de  Travestis  e  Transexuais  do  Maranhão  (ATRAMA);  c)  Fórum  Maranhense de Mulheres.  Além  disso,  objetiva-se  acompanhar,  através  de  observação  direta,  as  reuniões  dos  conselhos  municipal  e  estadual  de  direitos  da  mulher,  bem  como  as  do  Conselho  Estadual  dos  Direitos  das  Lésbicas,  Gays,  Bissexuais,  Travestis  e  Transexuais  do  Maranhão  que  ocorrerão  entre  o  segundo  semestre  de  2021  e  primeiro semestre de 2022.  Por  último,  serão  entrevistados  os  coordenadores  da  pauta  na  Secretaria  municipal  e  estadual  de  Saúde,  e  nas  Secretarias  da  Mulher  e  dos  Direitos  Humanos  na  tentativa  de  desvendar  quais  os  discursos  e  ações  que  essas  instituições  estão  empregando para garantir o direito à saúde das profissionais do sexo ludovicense.  Como  método  de  análise  de  dados,  as  pesquisadoras  empregarão  a  Análise  do  Discurso  (AD)  de  matriz  francesa  e  de  base  foucaultiana,  que  classifica  o  discurso  como  um  acontecimento  de  natureza  social  e  histórica  (FOUCAULT,  2013).  Dessa  forma,  como  exterioridade  objetivada  ao  indivíduo,  é  passível  de  ser  analisada  cientificamente.  Portanto,  o  que  se  pretende  apreender  são  os  movimentos  discursivos  dos  atores  em  questão:  de  um  lado,  aquele  enunciado  pelos  movimentos  sociais,  e  de  outro,  os  dos  agentes  de  Estado.  Nesse  caso,  a  (re)produção  do  mundo  social,  e  os  sentidos  dos  próprios  direitos,  estão  atrelados  a  essas disputas discursivas.  Dentre  os  resultados  preliminares,  decorrentes  do  inicial  debate  teórico,  constata-se  que  a  relação  do  Estado  com  a  prostituição  tem  sido  bastante  conturbada  ao  longo  da  história.  Não  se  trata  de  mera  criminalização  das  atividades  de  caráter  sexual,  mas  de  uma  verdadeira  regulação  dos  corpos  –  especialmente  dos  femininos  –  através  do  biopoder  e  da  biopolítica,  ou  do  que  mais  contemporaneamente  Mbembe  (2016)  chamou  de  necropolítica,  ou  a  política  da  morte.  A  adoção,  por  parte  do  Estado,  de  uma  linguagem  que  legitima  a  violência  simbólica  (BOURDIEU,  2012),  impacta  diretamente  na  seleção  daqueles  que  são  protegíveis  –  e,  portanto,  dotados  dos  meios  necessários  para  manutenção  de  suas  vidas  –  daqueles  que  serão  abandonados  à  sua  própria  sorte  sem  condições  estruturais para se viver.  As  mulheres  cisgêneras,  transexuais  e  travestis  já  fazem  parte  historicamente  de  grupos  vulnerabilizados  que,  em  razão  dessas  relações  de  poder,  tendem  ou  a  ocupar  os  estratos  sociais  mais  baixos  ou  a  serem  abjetos  dessa  ordem,  especialmente  quando  os  recortes  de  classe  e  raça  concorrem  para  esse  posicionamento  (BUTLER,  2004;  2015).  Seria  incorreto  afirma  que  a  prostituição  seria  unicamente  uma  consequência  desse  processo  de  hierarquização,  no  entanto,  o  discurso  estatal  sobre  essa  profissão  acaba  tornando-a  mais  perigosa  diante  da  falta  de  proteção  disponibilizada  nos  espaços  sociais  nos  quais  esses  corpos  circulam.  Não  é  à  toa  que  a  Associação  Nacional  de  Travestis  e  Transexuais  identifique  os  “pistões”  como  os  locais  onde  mais  pessoas  trans  são  assassinadas  vítimas de crime de ódio (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).  Da  mesma  forma  que  outros  trabalhadores  de  classes  mais  baixas,  as  profissionais  do  sexo  necessitam  romper  o  isolamento  social  para  trabalharem.  Isso  as  torna  mais  vulnerável  ao  contágio  e  consequentemente  ao  adoecimento  e  à  morte  precoce.  Dessa  forma,  surge  uma  demanda  nova  de  reconhecimento  estatal  que  atua  acionando  o  Estado  a  falar  sobre  “o  sexo”,  e  consequentemente  a  enrijecer  ou flexibilizar as regulações de gênero anteriormente postas (BROWN, 2006).  Assim,  esse  estudo  pretende  descortinar  as  relações  de  poder  que  constituem  as  demandas  políticas  e  as  ações  sociais,  a  partir  daquilo  que  Bourdieu  (2012)  elencou  como  desnaturalização  da  linguagem.  Dessa  forma,  a  contribuição  social  está  em  entender  o  que  está  em  jogo  nos  processos  de  reconhecimento  de  direitos  dos  sujeitos,  especialmente  de  mulheres  e  travestis  profissionais  do  sexo,  podendo servir de base para a futura atuação política desses movimentos sociais.  Além  disso,  essa  também  é  uma  tentativa  de  contribuir  com  as  reflexões  sociológicas  sobre  o  direito,  normalmente  estudado  como  dado  a  priori ,  a  despeito  de  suas  articulações  com  a  economia  e  a  política.  O  direito  é  prática  social  (SANTORO,  2005)  e  o  seu  exercício  concreto  precisa  ser  estudado  e  compartilhado  com estudantes, pesquisadores e práticos desse campo.  REFERÊNCIAS  ADRIÃO, Karla Galvão. TONELI, Maria Juracy Filgueiras. MALUF, Sônia Weidner. O  movimento feminista brasileiro na virada do século XX: reflexões sobre sujeitos  políticos na interface com as noções de democracia e autonomia. In:  Revista de  Estudos Feminista , Florianópolis, 19(3), set/dez.  2011, pgs. 661-681.  BENEVIDES, Bruna G. NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim.  Dossiê dos  assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 .  São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021.  BOURDIEU, Pierre.  O poder simbólico . Rio de Janeiro:  Bertrand Brasil, 2012.  BROWN, Wendy. Finding the man in the state. In: SHARMA, Aradhana. GUPTA,  Akhil (Orgs.).  The anthropology of the State . A reader.  Malden: Blackwell  Publishing, 2006.  BUTLER, Judith.  Undoing gender . New York: Routledge,  2004.  BUTLER, Judith.  Problemas de gênero : Feminismo e subversão  de identidade. Rio  de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.  CARRARA S, VIANNA AR. Os direitos sexuais e reprodutivos no Brasil a partir da  "Constituição Cidadã". In: Oliven RG, Ridenti M, Brandão GM, organizadores.  A  Constituição de 1988 na vida brasileira . São Paulo:  Editora Hucitec; 2008. p.  334-59.  DOUZINAS, Costa.  O fim dos direitos humanos . São Leopoldo:  Unisinos, 2009.  FOUCAULT, Michel . A Arqueologia do saber . Rio de Janeiro:  Forense  Universitária, 2013.  MBEMBE, Achille.  Necropolítica . Revista Arte e ensaios,  n. 32, dez. 2016,  p.123-151.  SANTORO, Emilio.  Estado de Direito e interpretação .  Por uma concepção  jusrealista e antiformalista do Estado de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,  2005.  VIANNA, Adriana. Atos, sujeitos e enunciados dissonantes: algumas notas sobre a  construção dos direitos sexuais. In: MISKOLCI, Richard. PELÚCIO, Larissa (Orgs.).  Discursos fora de ordem : sexualidades, saberes e direitos. São Paulo: Annablume,  2012.  VIANNA, Adriana. Introdução: fazendo e desfazendo inquietudes no mundo dos  direitos. In: VIANNA, Adriana (Org.).  O fazer e o  desfazer dos direitos :  experiências etnográficas sobre política, administração e moralidades. Rio de  Janeiro: E-papers, 2013. 

PROSTITUIÇÃO, DIREITO À SAÚDE E COVID-19

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