De Biasi, Persio

Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Vol. 15, art. 26 26 - VII - 1962 PAPÉIS AVULSOS DO DEPARTAMENTO DE ZOOLOGIA SECRETARIA DA AGRICULTURA — SÃO PAULO BRASIL ESTRUTURA INTERNA E PRESENÇA DE SEGMENTOS DO ÊMBOLO NO EPÍGINO DE LATRODECTUS GEOMETPdCUS (ARANEIDA: THERIDIIDAE) Pérsio De Biasi A morfologia interna do epígino das aranhas do gênero Latro- dcctus Walckenaer, 1805, foi descrita por Dahl, em 1902, em L. tredecimgiittatns (Rossi, 1790), num trabalho em que êsse autor considera o epigino como estrutura de valor sistemático. Recente- mente, Levi (1959) reestudando o órgão em Latrodectus de diversas localidades, deu-lhe, também, grande importância na identificação das espécies do gênero. Entre as espécies de Latrodectus, L. geométricas Koch, 1841, tem a morfologia do epigino insuficientemente conhecida. Dispondo na coleção do Departamento de Zoologia de seis fêmeas adultas, coletadas em 14/X/1944 por R. Eller, em Americana, Estado de São Paulo, aproveitamos para estudar êsse órgão, procurando uma melhor elucidação de sua estrutura. ESTRUTURA INTERNA DO EPÍGINO No gênero Latrodectus o epígino é constituído por uma placa externa com uma abertura, dois duetos concctivos, dois receptáculos seminais e dois canais de fertilização. Em L. geométricas, a borda posterior da abertura prolonga-se lateralmente, além do ponto de junção com a borda anterior (fig. 1). Os dois duetos conectivos, direito e esquerdo, iniciam-se internamente naquela abertura, e ca- minham pelo espaço entre os dois receptáculos seminais. Cada dueto contorna o receptáculo pela face dorsal, formando lateralmente a êle um novêlo de duas espirais concêntricas; a primeira espiral, a exter- na, que tem duas voltas, dobra-se para fora em seu ápice, num ângulo de 180°, iniciando então a segunda espiral, interna, que também rea- liza duas voltas, terminando por ligar-se á porção anterior do recep- táculo seminal (figs. 1 e 2). O dueto conectivo abre-se na face dorsal da porção anterior do receptáculo seminal (fig. 2). A espiral inter- na, de menor diâmetro, é um tubo achatado que acompanha aproxi- madamente as voltas dadas pelo tubo de secção circular da espiral externa. Departamento de Zoologia, Secretaria da Agricultura, São Paulo, S. P. 328 Departamento de Zoologia, São Paulo Cada um dos canais de fertilização inicia na face lateral interna da porção posterior do receptáculo seminal. PRESENÇA DE ÊMBOLOS Nas aranhas do gênero Latrodectus, notou-se, desde Dahl (1902), que é muito freqüente encontrarem-se fragmentos do embolo do palpo, ou mesmo quase todo o êmbolo, em um ou ambos os duetos conecti- vos, havendo Dahl formulado hipóteses para explicar esse fato. Para Levi (1959) a morte do macho talvez esteja relacionada com a ruptura do êmbolo durante a cópula. Em nosso material, a maioria das fêmeas adultas, das diferentes espécies do gênero, apresenta no epígino fragmentos (gerahnente a extremidade) do êmbolo, quase sempre localizados na porção ter- minal do dueto conectivo e mesmo através da abertura da porção anterior do receptáculo seminal, isto pode ocorrer só em um lado, ou em ambos, simultaneamente. A princípio, pensamos que o fragmento ou fragmentos encontra- dos no epígino deveriam pertencer a um só macho, que copulara com a fêmea, e que a presença dêsses fragmentos no dueto deveria dificultar ou até mesmo impedir outras cúpulas. Rivera (1901), observando a cópula de L. formidabilis Walcke- naer, 1837 (= L. mactans, segundo Bonnet, 1957) notou que o número de machos encontrados na teia de uma fêmea é, em média, de 3 a 4, mas chegou a contar até 10. Um dos machos copulava e, durante tôda a cópula, alguns dos outros procuravam aproximar-se do par, porém a fêmea os repelia. Separado o macho que copulava, outro ia substituí-lo. Uma fêmea que copulara com um determinado ma- cho pôde copular com outros dois no dia seguinte. Os machos fazem funcionar, alternadamente, no decorrer da cópula, duas vêzes cada um dos dois palpos e, por exceção, uma só ou três vêzes. Bonnet (1938a), criando L. geometricus, verificou que um macho copulava com uma fêmea até quatro vêzes, com pequenos intervalos. Estas observações levaram-nos a admitir que a fêmea, copulando com mais de um macho, poderia apresentar num mesmo dueto co- nectivo mais de um fragmento do êmbolo do palpo e, se isto se verificasse, os fragmentos poderiam não constituir obstáculos para impedir novas cúpulas. No exame do epígino de um dos exemplares de L. geometricus encontramos, no término do dueto conectivo esquerdo, atingindo até o interior do receptáculo seminal, duas extremidades de êmbolos achegadas uma a outra e, no dueto conectivo direito, em posição correspondente a dos dois fragmentos do lado oposto, uma extremi- dade de êmbolo e um outro fragmento, êste na primeira volta da espiral externa do dueto (fig. 2). Considerando que os fragmentos encontrados no epígino são conseqüências de rupturas acidentais na cópula, somos levados a admitir que em L. geometricus a presença de um fragmento que não seja muito grande (às vêzes, é quase a totalidade do êmbolo) não constitui dificuldade para uma outra intromissão no epígino, o que é demonstrado no caso comentado da presença de mais de um frag- mento (fig. 2). Papéis Avulsos 329 e.e / r',. é I ■iv.. V Fig.l Imm {r\ )"■) : \ / ! .".V; :% ; vAV;;sv •. •• «•%x' / ) / x  ■v - /-• ( •-r % / // / \ •' S .:0$K y n*n '«S / - . U : ,Kv Fig. 2 Latrodectus geometricus Koch, 1841, fêmea, DZ: C-5.001. Epígino contendo de ambos os lados dois fragmentos de êmbolo. Fig. 1, vista ventral. Fig. 2, vista dorsal, aparecendo, à direita, um dos fragmentos na primeira volta da espiral externa, a, abertura do epígino; e.e., espiral externa; e.i., espiral interna; r.s., receptáculo seminal; d, dueto de fertilização; /, fragmento do êmbolo 330 Departamento de Zoologia, São Paulo Quando encontramos no epígino um só fragmento ou mesmo um par de fragmentos (um em cada dueto), isto não significa que a fêmea tenha copulado com um só macho, visto que ela pode copular com vários. Se este fôr o caso, pode haver dentre êlcs os que perdem parte do êmbolo e os que nada sofrem; em nosso material há fêmeas sem fragmentos de êmbolo no epígino, embora acreditemos que entre essas haja virgens. Quando encontramos mais de um par de frag- mentos (mais de um fragmento em cada dueto), como é o caso por nós verificado em um exemplar de L. geometricus, torna-se evidente que a fêmea copulou com pelo menos dois machos. Pode também cada fragmento pertencer a um macho diferente e neste caso ela teria copulado com quatro machos. Nos seis exemplares de L. geometricus examinados, verificamos que, em três, há um fragmento em cada dueto; em dois, um só fragmento num dos duetos e, em um, dois fragmentos em cada dueto. A freqüência com que os machos perdem partes do êmbolo du- rante a cópula, deve ser considerada como de significação para a espécie, pois êsses acidentes impossibilitarão ou tornarão difíceis aos machos outras cúpulas. Isto permitirá que uma fêmea possa ser copulada por machos diferentes, limitando a endogamia. Êste fato também pode nos levar à hipótese de que na espécie haja uma proporção maior de machos. Segundo as observações de Rivera, já citadas, nota-se que, pelo menos entre os adultos de L. formidabilis, o número de machos é maior. Para a verificação da porcentagem dos sexos, seria necessário criar-se em cativeiro, até a maturidade, o maior número possível de exemplares provenientes de um mesmo ovisaco, que pode ter, em L. mactans, em média, de 200 a 300 ovos, chegando mesmo até 900 (Ghamberlin & Ivie, 1935) e comparar, estatisticamente, o resultado da criação de vários ovisacos. No presente trabalho faço os meus sinceros agradecimentos ao Dr. Hélio F. de Almeida Camargo por sua colaboração e também por haver-me iniciado na Araneologia; ao Dr. Lauro P. Travassos Filho, por sua valiosa colaboração. ABSTRACT The internai morphology of the epigynum of Latrodectus geometricus Koch, 1841 is described, and the presence of fragments of emboli within it is noted. Comments are made on pairing and copulation in the genus Latrodectus. The hypotheses are raised that the breaking of emboli within the epigynum may be a device to limit inbreeding and that the sex ratio is biased towards a larger number of males. REFERÊNCIAS 1. Dahl, F., 1902; über abgebrochene Copulationsorgane mãnnlicher Spinnen im Korper der Weibchen. Sitz. ber. Ges. naturf. Fr. Berlin 2: 36-45, figs. 2. Rivera, M. J., 1901: Apareamiento dei L. formidabilis. Act. Soe. Sei. Chili 11: 1-19. Papéis Avulsos 331 3. Levi, H. W., 1959: The spider genus Latrodectus. Trans. Amer. Micr. Soe. 78 (1) : 1-43, figs. 4. Bonnet, P., 1938a: Élevage de Latrodectus geometricus. Buli. Soe. hist. nat. Toulouse 72 (2) : 171-8. 5. —, 1938b; La proportion sexuelle chez les Araignées. Ibidem (3) : 241-56. 6. —, 1945: Bibliogrwphia Araneorum. Tome I, xvii -|- 832 pp., Doula- doure, Toulouse. 7. —, 1957: Ibidem, Tome II (3me. partie), pp. 1927-3026. 8. Chamberlin, R. V. & W. Ivie, 1935: The Black Widow spider and its varieties in the United States. Buli. Univ. Utah Biol. ser. III (1) : 1-29, figs. 

Estrutura interna e presença de segmentos do embolo no epígino de Latrodectus Geometricus (Araneida: Theridiidae)

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