Ainda o cogito: uma reconstrução do argumento da Segunda Meditação

Abstract

O termo “cogito” designa de modo genérico e impreciso um argumento que Descartes propõe em diversos momentos de sua obra. De um modo geral, os comentadores, tal como o fizeram os interlocutores contemporâneos ao autor, consideram que a expressão “penso, logo existo” (cogito ergo sum), ausente das Meditações Metafísicas, resume adequadamente este argumento único e procuram esclarecê-lo ou criticá-lo, nem sempre levando em consideração as diferentes formulações que recebe e os diferentes contextos em que ocorre. Meu objetivo neste texto é simplesmente analisar o quarto parágrafo da Segunda Meditação (AT VII, 24-25; IX-1,19), no qual ele supostamente apresenta este mesmo argumento sem empregar a famosa expressão. Das muitas, diversas e relevantes questões filosóficas que este argumento suscita, gostaria de me concentrar em investigar se ele pode ser reconstruído sem que seja necessário introduzir – como uma premissa não justificada – a concepção do pensamento como sendo essencialmente consciência de si e, portanto, como envolvendo - por definição, a auto-referência imediata e incorrigível do sujeito a si mesmo. Gostaria de poder mostrar que o argumento não apenas independe dessa concepção como, além disso, conduz a essa concepção; todavia, somente o primeiro passo em direção a esta interpretação será dado neste artigo. Quanto à expressão “penso, logo existo”, minha hipótese é que, embora ausente do texto, ela, de fato, resume o sentido geral da posição cartesiana. Sua ausência explica-se pelo fato de que Descartes pretende apresentar nas Meditações a versão mais completa de seu argumento e a passagem que será aqui analisada constitui, na realidade, apenas uma primeira etapa dessa versão. A análise e a reconstrução que serão propostas supõe que o argumento apresentado no parágrafo 4 deva ser compreendido, como propõe H. G. Frankfurt, como composto de quatro etapas, cujo sentido depende do contexto argumentativo mais amplo no qual estão inseridas, como observou Jean-Claude Pariente, em seu artigo sobre o cogito nas Meditações Metafísicas. Nesse sentido, a estrutura do presente artigo seguirá essas etapas

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