Dietas dos Indivíduos de Pardais 3 no Contexto do Interior Alentejan

Barrocas Dias, C.

Valera, A. C.

Portuguese

Repositório Científico da Universidade de Évora

A Anta de Pardais 3 (Mora).   53    5 DIETAS DOS INDIVÍDUOS  DE PARDAIS 3 NO CONTEXTO DO INTERIOR ALENTEJANO  António Carlos Valera Cristina Barrocas Dias   A última década tem assistido à publicação de vários conjuntos de dados isotópicos relativos a indivíduos do Neolítico e do Calcolítico do interior alentejano (Carvalho, 2013; Emslie et al., 2015; Carvalho, Rocha; 2016; Valera et al., 2019; 2020; Sorbel et al., 2020), permitindo a progressiva construção de um quadro de conhecimento relativo às paleodietas das comunidades destes períodos nesta região do sul de Portugal.   Estes estudos têm recorrido à medição dos rácios de isótopos estáveis de carbono e nitrogénio (13C/12C = δ13C e 15N/14N = δ15N) preservados e analisados na componente de colagénio extraída dos ossos para recolher informação sobre a proteína da alimentação dos indivíduos. Estes rácios permitem a diferenciação entre níveis tróficos nas cadeias alimentares terrestre e marinha, assim como a contribuição de plantas de diferente fotossíntese (C3 e C4), permitindo uma abordagem complementar aos modelos de subsistência, tradicionalmente trabalhados a partir da cultura material, de estudos antracológicos, carpológicos ou palinológicos, ou ainda a partir de estratégias de povoamento.  Para o interior alentejano dispomos actualmente de rácios de δ13C e δ15N para 46 indivíduos, provenientes de 7 sítios arqueológicos (Tabela 5.1) de três áreas distintas: Tholos de Cardim 6 (oito indivíduos), Hipogeu 1 da Sobreira de Cima (quatro indivíduos), hipogeus de Vale de Barrancas 1 (treze indivíduos) e Sepultura da Herdade do Álamo (um indivíduo) no Baixo Alentejo; Sepulcros 2 e 4 e Fossa 11 dos Perdigões (catorze indivíduos) no Alentejo Central; Anta da Cabeceira 4 (três indivíduos) e agora Anta dos Pardais 3 (três indivíduos) na transição para Norte alentejano. No seu conjunto, estes indivíduos e respectivos contextos cobrem uma cronologia que se desenvolve entre o Neolítico Médio e Final (c. 3600-2900 a.C.) e entre o Calcolítico e a transição para a Idade do Bronze (c. 2900-2100 a.C.). Do ponto de vista cronológico a sua distribuição é equilibrada (23 indivíduos para contextos neolíticos e 23 indivíduos para contextos calcolíticos/transição Idade do Bronze), mas algo desequilibrada em termos espaciais, com a maioria dos indivíduos analisados provenientes do Baixo Alentejo (57%), contra os 30% nos Perdigões (Alentejo Central) e 13% das duas antas localizadas mais a norte. A estes dados podem juntar-se os resultados isotópicos para animais herbívoros neolíticos e calcolíticos dos Perdigões (Valera et al., 2020: tabelas 6.2 e 6.3). No total de 54 animais analisados, utilizam-se aqui Era Monográfica 6 (2022)  54 apenas os valores obtidos para 31 animais herbívoros (cervídeos, equídeos, bovídeos, lagomorfos e ovicaprinos) no sentido de avaliar o comportamento dos níveis tróficos. São, pois, excluídos os valores de cães e suínos, os quais, sendo carnívoros e omnívoros e vivendo em maior proximidade com humanos, apresentam frequentemente valores próximos ou coincidentes com os dos humanos, como acontece nos Perdigões (Idem: 107).  Tabela 5.1 – Rácios de δ13C e δ15N para indivíduos neolíticos e calcolíticos do interior alentejano.  Sítio  Cronologia Referência δ15N % δ13C % C:N Bib. Ref. Sobreira de Cima Neolítico Wk-36002 8,98 -19,64 3,27 Carvalho, 2013 Neolítico Wk-36003 9,43 -19,45 3,33** Carvalho, 2013 Neolítico Wk-36004 9,39 -19,1 3,36 Carvalho, 2013 Neolítico Wk-36005 8,78 -19,46 3,35* Carvalho, 2013 Neolítico  10,26 -20,15 3,63* Emslie et al., 2015 Neolítico   10,13 -20,58 3,34** Emslie et al., 2015 Anta da Cabeceira 4 Neolítico Wk-41086 10,1 -19,38 3,32 Carvalho, Rocha, 2016 Neolítico Wk-17084 10,06 -19,11 ? Neolítico Wk-41089 10,89 -19,42 3,59 Vale de Barrancas 1 Neolítico VdB 04 9,8 -18,9 3.39 Sorbel et al., 2020 Neolítico VdB 05 10,1 -19,8 3.34 Neolítico VdB 07 10,1 -18,9 3.32 Neolítico VdB 09 8,3 -19,3 3.39 Neolítico VdB 12 9,1 -18,3 3.31 Neolítico VdB 13 9,0 -18,8 3.41 Neolítico VdB 14 9,5 -19,5 3.40 Neolítico VdB 16 9,2 -19,9 3,31 Neolítico VdB 17 9,0 -19,2 3.36 Neolítico VdB 20 9,5 -19,4 3.29 Neolítico VdB 21 9,1 -18,1 3.25 Neolítico VdB 22 9,6 -18,6 3.28 Neolítico VdB 23 9,8 -19,2 3.32 Anta dos Pardais 3 Neolítico Beta-590466 10,2 -19,3 3,4 Inéditos Calcolítico Beta-590464 8,8 -19,3 3,5 Calcolítico Beta-590465 8,4 -19,7 3,5 Cardim 6 Calcolítico SANU-53101 10,7 -18,8 3,1 Valera et al., 2019 Calcolítico SANU-53106 9,9 -18,9 3,1 Calcolítico SANU-53039 10,0 -20,9 3,2 Calcolítico SANU-53513 10,09 -19,33 3,12 Calcolítico SANU-53512 10,15 -20,86 3,12 Calcolítico SANU-53514 9,03 -19,13 3,19 Calcolítico SANU-53038 7,7 -18,5 3,1 Calcolítico SANU-53037 8,5 -18,9 3,1 Herdade do Álamo Bronze Inicial Wk52161 9,69 -19,22 3,27 Valera et al., no prelo Perdigões Calcolítico S5 (E) 9,4 -19.6 3.2 Valera et al., 2020 Calcolítico S10 (J) 9,5 -20.1 3.4 Calcolítico S11 (K) 10,2 -19.6 3.2 Calcolítico S13 (M) 9,8 -19.9 3.1 A Anta de Pardais 3 (Mora).   55 Calcolítico 73632 9,5 -20.4 3.5 Calcolítico 73633 9,2 -20.9 3.6 Calcolítico Beta-514884 8,7 -19.4 3.3 Calcolítico Beta-514883 8,8 -19.1 3.3 Calcolítico Beta-514881 8,2 -19.7 3.3 Calcolítico Beta-514880 8,4 -19.8 3.3 Calcolítico Beta-517339 8,5 -19.4 3.3 Calcolítico Beta-517338 8,3 -19.7 3.3 Neolítico PSUAMS-1882 10,2 -19,7 3.28 Olalde et al., 2019 Neolítico PSUAMS-2692 10,2 -19,3 3.29      Figura 5.1 – Mapeamento dos rácios de δ13C e δ15N para humanos (H) neolíticos e calcolíticos do interior alentejano e para herbívoros igualmente neolíticos e calcolíticos dos Perdigões (para valores ver Valera et al., 2020, Tabelas 6.2 e 6.3). SC – Sobreira de Cima; VB1 – Vale Barrancas 1; C4 – Anta de Cabeceira 4; P3 – Anta de Pardais 3.   No seu conjunto, estes 44 indivíduos analisados em contextos do interior alentejano formam um agrupamento relativamente homogéneo, com valores de δ13C entre -21 e -18 e valores de δ15N entre 8 e 11 (Figura 5.1). Quando comparados com o agrupamento formado pelos herbívoros dos Perdigões (quatro valores de herbívoros apresentam valores que podem ser considerados como outliers), os humanos revelam em média um incremento dos valores de δ15N em 3,50/00  e dos valores  Era Monográfica 6 (2022)  56 de δ13C em 1,30/00, o que corresponde ao normal comportamento diferenciado dos respectivos níveis tróficos da cadeia alimentar (Sorbeil et al., 2020). No geral, os valores isotópicos obtidos para os 44 indivíduos analisados indicam uma alimentação predominantemente de origem terrestre, baseada em plantas C3, complementadas com proteínas com origem em animais herbívoros.  Poderão, contudo, existir algumas nuances importantes neste quadro geral. No estudo comparativo entre os indivíduos analisados da Anta de Cabeira 4, que se situa na mesma região da Anta dos Pardais 3 (a cerca de 13 km sudoeste desta) e os indivíduos do Algar do Bom Santo, localizado na Serra de Montejunto, Estremadura, foi apontada a existência de uma percentagem semelhante de componente aquática na alimentação nos dois contextos (Carvalho, Rocha, 2016). Esta circunstância foi considerada como um elemento que reforçava a hipótese de partida, a qual propunha que, com base dos valores isotópicos de estrôncio dos indivíduos do Algar do Bom Santo, compatíveis com formações geológicas mais antigas, uma mesma comunidade circularia entre a região do baixo Tejo e a área do megalitismo de Mora/Pavia (Carvalho, 2014).  Ainda que não se tenha aqui optado por seguir a metodologia de cálculo das percentagens da componente alimentar subjacente ao estudo acima referido (ver conjecturas em Carvalho, Petchey, 2013), na medida que tal implica uma série de pressupostos sobre a componente isotópica dos vários possíveis alimentos sobre os quais não temos dados (disponíveis apenas para os animais dos Perdigões), não deixa de ser interessante salientar a distribuição dos valores obtidos para os três indivíduos da Anta de Pardais 3 e da Anta de Cabeceira 4. Os valores isotópicos do indivíduo mais antigo de Pardais 3, que apresenta uma cronologia integrável no Neolítico Final (ver Capítulo 3) surge agrupado com os indivíduos da Anta de Cabeceira 4, datados do Neolítico Médio, enquanto os dois indivíduos calcolíticos de Pardais 3 apresentam rácios de δ15N mais baixos, o que poderá eventualmente indiciar alterações na composição percentual do tipo de proteína ingerido pelas populações do Neolítico e do Calcolítico nesta região.  De facto, se os dados actualmente disponíveis para as dietas das comunidades neolíticos e calcolíticas do interior alentejano revelam um agrupamento  genérico relativamente homogéneo, evidenciando uma alimentação predominantemente terrestre à base de plantas C3, herbívoros e produtos seus derivados, essa imagem homogénea poderá esconder nuances importantes que se podem registar em função da diversidade geográfica e ecológica que compõe as diferentes áreas agrupadas sobre a designação de “interior alentejano” e da proximidade a territórios com características diferentes. Este último aspecto é tanto mais relevante quanto se tem vindo a evidenciar a significativa mobilidade das comunidades neolíticas e calcolíticas a escalas regionais e transregionais e cuja expressão pode variar em função de cronologias e contextos (Carvalho et al., 2016; Valera et al., 2020).  O acesso a estas nuances terá, contudo, que passar pela progressiva construção de uma base de dados isotópicos de malha territorial e cronológica mais fina e que contemple a variabilidade das razões isotópicas em possíveis alimentos. De facto, as plantas podem ter valores diferentes consoante as condições em que são cultivadas (por exemplo, os valores de δ13C nas plantas C3 são menos negativos quando estas se desenvolvem em condições de stress hídrico – agricultura com maior dificuldade de acesso a água), ou os isótopos dos elementos aquáticos estão dependentes da geologia por onde passam os rios onde são capturados, a qual pode variar bastante. Só dessa forma poderemos, através das modelizações matemáticas (como as que são actualmente feitas nos estudos ambientais), começar a aceder de forma empiricamente mais sustentada às nuances alimentares sugeridas pela informação disponível e pelos modelos interpretativos histórico-arqueológicos.   Por outro lado, para as comunidades neolítica e calcolíticas, nem sequer o balanço entre a componente produtiva e a componente recolectada e a sua variação ao longo do tempo estão convenientemente estabelecidos tendo por base indicadores arqueológicos directos (ecofactos) e indirectos (Valera, 2018). Se os dados isotópicos demonstram que a produção agrícola é já central nas estratégias de subsistência do 4º e 3º milénios a.C., o seu peso relativo para a recolecção e para a pastorícia, e sobretudo a variabilidade diacrónica e espacial dessa correlação, são ainda difíceis de calcular. A Anta de Pardais 3 (Mora).   57  O caminho a prosseguir, porém, parece estar claro, e os resultados obtidos através dos estudos isotópicas justificam a expansão e aprofundamento destas abordagens, nomeadamente integrando-as como procedimento rotineiro no estudo de colecções osteológicas humanas e animais bem contextualizadas e datadas.  BIBLIOGRAPHIC REFERENCES CARVALHO, 2013 Carvalho, A.F. 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