Palestra proferida por Amaury Porto de Oliveira, Diplomata, Embaixador do Brasil em Cingapura em 1990, especialista em assuntos energéticos e tecnológicos no contexto internacional, membro do IEA/USP.
NE: Os textos das palestras fizeram parte da programação do 1 ° Ciclo de Palestras do Curso de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília, realizado de 31 de março a 16 de junho de 1995, sempre às sextas-feiras. Os trabalhos foram reproduzidos como enviados pelos autores, refletindo portanto o estilo próprio de cada um.


Oliveira, Amaury Porto de

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COMUNICAÇÕES: PalestrasGlobalização e Sociedade da InformaçãoPalestra proferida por Amaury Porto de Oliveira, Diplo­mata, Embaixador do Brasil em Cingapura em 1990, es­pecialista em assuntos energéticos e tecnológicos no con­texto internacional, membro do IEA/USP.1. Será pelo menos prematuro caracterizar a presente fase histórica como a do surgimento da Sociedade Global. Não há qualquer evidência da instalação de instâncias supranacionais, assemelháveis ao Estado Mundial postulado pelos intemacionalistas. O Estado-Nação oriundo do Sistema Westphalia sofre, com efeito, ataques e limitações tanto’.no plano internacional quanto no plano local, mas são indiscutivelmente Estados as entidades de direito público que continuam a regular a vida internacional, mesmo quando através de organismos multilaterais.2. Alguma base existe, no entanto, para o fortalecimento e generali­zação nos últimos vinte anos da idéia da globalização. Buscando caracte­rizar essa base, é possível associá-la a umas quantas percepções do momento histórico e do ambiente internacional intensamente repisadas pela mídia e pelos centros acadêmicos. Quatro dessas percepções mere­cem realce: a) o esboroamento das convicções e certezas ideológicas da época da confrontação bipolar, em conseqüência tanto do visível declínio da hegemonia dos EUA quanto da derrocada da União Soviética; b) o fortalecimento dos mercados financeiros mundiais e a tomada de consci­ência, pelo público em geral, da alucinante circulação transfronteiriça dos capitais; c) a mundialização das atividades das firmas, tanto na indústria quanto nos serviços, refletida em particular na importância adquirida pela exigência de se manter intemacionalmente competitiva; d) o súbito cres­cimento das preocupações com a salvaguarda do meio ambiente e da sobrevivência dos cidadãos, diante da marcha da poluição nos seus vários aspectos, e fenômenos como as epidemias e a difusão das drogas.3. Subjacente a tais percepções existe a situação bem concreta da ir­rupção em força da informação, na vida econômica e social dos povos. Cumpre assinalar, a esse respeito, que a informação sempre esteve lá, como aspecto essencial da matéria universal, tão inerente a ela quanto à R. Bibliotecon. Brasília, v. 19, n. 1, p. 113-117, jan./iun. 1995 113COMUNICAÇÕES: Palestrasenergia e à massa. Os astrofísicos, os físicos das partículas elementares e os biologistas nos vêm mostrando a presença da informação nos pri- mórdios do universo, nos interrelacionamentos das partículas ou no surgi­mento da matéria viva. Da vida se pode mesmo dizer que é pura informa­ção: um sistema aberto que nega continuamente a entropia, ao reprodu- zir-se informatizadamente. O que houve de novo, na fase histórica que estamos atravessando, foram os passos iniciais do homem na aquisição da capacidade de manipular efetivamente a informação, colocando-a a serviço da espécie humana; e em grau menor, a democratização da in­formação, ou seja, ampliar o número dos humanos que vão podendo beneficiar-se da manipulação em causa. O instrumento central desse avanço no controle da informação vem sendo o microprocessador. Criado nos EUA pela companhia Intel, em 1971, o microprocessador pode ser visto como 'movação-chave, cuja entrada em cena mudou, por assim di­zer, o futuro. A revolução microeletrônica pôs em cheque todo o sistema técnico característico da II Revolução Industrial, abrindo campo para a elaboração de um novo paradigma sociotecnológico, destinado provavel­mente a modelar o século XXI.4. O microprocessador tem permitido que se ampliem e aperfeiçõem, de forma inimaginável há vinte anos, as possibilidades da informática e das telecomunicações, e é a conjunção desses dois setores na chamada telemática que nos faz vislumbrar a Sociedade da Informação. Aquelas quatro percepções da globalização, atrás enunciadas, repousam todas na expansão da telemática. Vale dizer, a globalização é uma das faces da Sociedade da Informação.5. A outra face é a regionalização. A interação dialética de forças centrífugas com forças centrípetas é típica de toda a evolução da socie­dade humana. Tendências expansionistas, globalizantes, atuam a cada momento histórico simultaneamente com tendências redutivas, regionali- zantes. Sob o Capitalismo, isso tem-se manifestado na ação ao mesmo tempo conflitante e complementar do mercado e do Estado. O mercado é particularizante, seu reino é o da microeconomia. Ao Estado compete ocupar-se, macroeconomiçamente, do bem comum. Um dos muitos pa­radoxos do Capitalismo é que, nele, as forças particularistas só vêem o globo como limite para suas respectivas ambições expansionistas, en­quanto a ação macroeconômica do Estado procura conter a anarquia das 114 R. Bibliotecon. Brasília, v. 19, n. 1, p. 113-117, jan./jun. 1995COMUNICAÇÕES: Palestrasforças do mercado, circunscrevendo a ação delas nos limites de forma­ções territoriais. Na abertura da Idade Moderna, enquanto navegadores ambiciosos lançavam-se ao primeiro grande surto de globalização das atividades mercantis, príncipes não menos ambiciosos procuravam estru­turar o seu poder no interior de fronteiras nacionais. E quando na passa­gem do século XVIII para XIX instalaram-se os primeiros Estados da Ida­de Industrial, um dos seus primeiros cuidados foi disciplii^ar a ação dos comerciantes de longa distância, que haviam feito a lei nos três ou quatro séculos anteriores.6. Neste final do século XX, o mundo atravessa outro surto de globa­lização, e de novo são forças microeconômicas que comandam ' o movi­mento, colocando a seu serviço os avanços tecnológicos. Fazendo analo­gia com os comerciantes de longa distância da época mercantilista, que se serviram dos progressos da navegação e dos armamentos para colher lucros colossais, parece válido falar, hoje, de investidores de longa distân­cia, que se apóiam na telemática para fazer girar mundialmente o fluxo transfronteiriço - ■ dos capitais. As forças regionalizantes vêm sendo postas na defensiva mas longe estão de ter sido liquidadas. Os Estados nacionais fortes vão sabendo manter suas posições básicas, e novas combinações territoriais se fortalecem, nos vários ensaios de regionalismo. Posto o confronto na sua perspectiva histórica, é lícito antecipar, para dentro de uma ou duas décadas, a retomada do controle da situação por forças estatais, aptas a disci|plli^;arem a anarquia mercantilista.7. Nos duzentos anos já decorridos da Idade Industrial, destacam-se dois períodos descritos por autores como Charles Kindleberg ou Robert Gilpin como de estabilidade hegemônica. Caracteriza-os a existência de potência suficientemente forte e disposta a difundir mundo afora a sua visão da ordem econômico/política global, tomando isso atraente - para outros Estados de peso internacional, graças à instalação de uma eco­nomia internacional liberal, posta sob a guarda dele hegemona. Tivemos, assim, no século XIX a Pax Britannica, e no século XX, a Pax Americana. A reconstituição dos fatos históricos nos mostrará que esses períodos de estabilidade hegemônica são precedidos e seguidos por fases de transi­ção, extremamente caóticas, em que todos os parâmetros da ordem e da lei parecem ser postos em causa, tanto nos planos doméstico quanto no plano inl^t^rr^é^c^ii^r^al. É do in'terior dessa desordem que surge o hegemona R. Bibliotecon. Brasília, v. 19, n. 1, p. 113-117, jan./jun. 1995 115COMUNICAÇÕES: Palestrasdisciplinador. Assim foi como a Inglaterra estruturou o mundo gerado pe­las conturbações da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas, e como os EUA estruturaram o mundo de pós-devastações do nazismo e da Segunda Guerra Mundial. São esses precedentes que me levam a postular a superveniência, não muito distante, de um novo período de estabilidade hegemônica. Minha hipótese de trabalho, ao tentar . compre­ender essa alternância histórica de altos e baixos na marcha da Socieda­de Industrial, é a chamada teoria dos . ciclos longos, também dita - das on­das longas.8. Em suma, a globallzação não é um ponto de chegada, uma arru­mação superior de forças a que só nos resta ajustarmo-nos. Como tudo no universo, a globalização é um processo: ' tem origens e terá um fim. Na corrente fase histórica, a globalização é, antes de mais nada, uma estra­tégia de expansão dos negócios, a que recorrem firmas cheias de dina­mismo, estimuladas por: a) sua insatisfação com as oportunidades limita­das que o mercado doméstico esteja oferecendo para o aproveitamento ótimo dos recursos de conhecimento e capacidade gerencial que ela, firma, acumulou; b) a tomada de consciência das oportunidades de negó­cios no exterior, trazidas pelas inovações tecnológicas da telemática e consequente redução nos preços dos transportes e das comunicações. A globalização não teria ocorrido sem a drástica redução desses custos, no período 1950-1980, mas tampouco seria ela factível sem a intervenção de empreendedores ambiciosos, aptos a tirarem vantagem das modificações no contexto internacional e no estado geral da tecnologia. Também do ponto de vista do crescimento da firma, a globallzação não é uma etapa organicamente necessária. O impulso internacionalizador parece ' estar sobretudo ligado ao acúmulo de capacitação tecnológica por parte de ■ firmas dinâmicas, para quem globalizar-se toma-se atraente inclusive como maneira de resguardar seu controle de proprietária sobre inovações desenvolvidas no in^terior da firma.9. A parte mais visível do que se chama hoje a globalização são manifestações da internacionalização agressiva das firmas mais dinâmi­cas. Assim: globalização financeira - a utiilzação dos recursos da telemáti­ca para a transmissão instantânea e relativamente barata, aos quatro cantos do mundo, de informações e capitais; globalização da demanda - o suprimento rápido, por cima de fronteiras nacionais, de informações, pro­116 R. Bibliotecon. Brasília, v. 19, n. 1, p. 113-117, jan./jun. 1995COMUNICAÇÕES: Palestrasdutos e serviços, incentivando a homogeneização das necessidades e gostos de consumidores nos países mais diversos; globalização da con­corrência - as pressões de vários tipos para que as firmas racionalizem suas operações em nível mundial, como única forma de se manterem competitivas, inclusive recorrendo às alianças entre firmas, às redes de cooperação, etc. É perfeitamente lícito questionar que valor tem essa globalização, na qual o ser humano é reduzido à situação de consumidor, do ponto de vista do progresso da sociedade e do relacionamento do homem com a natureza.10. Desse outro ponto de vista, a primeira constatação é que a globa­lização das firmas não ajuda, em si mesma, na solução daqueles proble­mas já assinalados, que afetam a salvaguarda do meio ambiente e a sobrevivência dos cidadãos. Antes se pode dizer que a busca dos lucros, mola principal da globalização, agrava tais problemas. Tem-se aí uma vasta área, de importância fundamental, em que não haverá soluções efetivas sem a ação reguladora dos Estados, nos seus âmbitos domésti­cos e em iniciativas multilaterais. Um fato novo a esse respeito é o forta­lecimento das organizações não governamentais (ONGs), das melhores das quais se pode dizer que expressam o lado positivo, humanístico, de transformação tecnológica.11. Resumindo: não há qualquer fatalismo no tocante à globalização; a História não acabou nem se desfez o Estado, enquanto instância de ordenamento e regulação da vida econômica e social. Para o Brasil, o problema continua a ser o mesmo que se colocou para nós quando nos tomamos independentes, e que nossas elites infelizmente não souberam resolver até hoje: olhar de frente o nosso profundo atraso e tomar com determinação a decisão de superá-lo.R. Bibliotecon. Brasília, v. 19, n. 1, p. 113-117, jan./jun. 1995 117

Globalização e sociedade da informação

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