Papel das antocianinas no contexto da prevenção da aterosclerose: mecanismos moleculares de protecção contra a apoptose e inflamação em células endoteliais
Actualmente, a aterosclerose é reconhecida como uma doença resultante de uma resposta
inflamatória da parede vascular a diferentes formas de lesão. O carácter crónico do processo
conduz à formação de lesões na parede arterial ou placas que poderão ocluir o lúmen dos vasos,
directamente ou através de complicações trombóticas. No decorrer das últimas duas décadas,
diversos alvos moleculares de cascatas inflamatórias foram identificados. Níveis suprafisiológicos
de espécies reactivas de oxigénio e de azoto, excedendo a capacidade dos sistemas scavenger
celulares, causam stress oxidativo e a activação de mecanismos pró-inflamatórios. Nestas
circunstâncias, o anião superóxido produzido reage com o óxido nítrico vascular gerando níveis
elevados de peroxinitrito, donde resulta a diminuição drástica do óxido nítrico biodisponível.
Para além de ser um poderoso oxidante, o peroxinitrito é, também, um agente nitrante de
biomoléculas, particularmente de proteínas, comprometendo a sua função fisiológica. Assim,
as espécies reactivas contribuem para a disfunção endotelial e subsequente formação de lesões
ateroscleróticas.
Neste contexto, estabelecer como alvo espécies altamente reactivas, como o peroxinitrito,
constitui uma estratégia promissora na prevenção das doenças cardiovasculares. Os produtos
naturais derivados de plantas têm sido uma fonte de moléculas bioactivas para o desenvolvimento
de fármacos anti-inflamatórios e dentro destas, os polifenóis, um dos principais grupos de
metabolitos secundários das plantas de que fazem parte as antocianinas, têm merecido particular
interesse. Os frutos e vegetais contêm uma panóplia de compostos benéficos considerados
responsáveis pelos seus efeitos protectores contra uma série de patologias crónicas, incluindo as
cardiovasculares. O papel das antocianinas na prevenção destas patologias é, de entre os produtos
naturais, seguramente dos mais estudados e com mais evidências até à data. A causalidade de tal
interesse recai na capacidade destes polifenóis actuarem sobre as principais células implicadas
no processo aterosclerótico.
É neste contexto que a presente tese encontrou motivação e razão para o seu
desenvolvimento. Neste estudo, pretendeu-se, em primeiro lugar, investigar a capacidade de
quatro antocianinas de reconhecida prevalência na dieta e com diferentes padrões de substituição
no anel B, a cianidina-3-glucósido (Cy3glc), delfinidina-3-glucósido (Dp3glc), a malvidina-3-
glucósido (Mv3glc) e a pelargonidina-3-glucósido (Pg3glc), em prevenirem a morte de células
endoteliais mediada pelo peroxinitrito, utilizando como modelo experimental células endoteliais
da aorta de bovinos (BAEC).
Numa primeira fase deste trabalho, demonstrou-se que uma pré-incubação das células
endoteliais com as diferentes antocianinas protege as mesmas da lesão oxidativa mediada pela
adição de peroxinitrito 500 μM, de uma forma dependente da concentração. A concentração de
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antocianina 25 μM foi a seleccionada para os estudos subsequentes, em virtude de proporcionar
uma quantidade intracelular mensurável, de acordo com os resultados de análises por HPLC.
Ulteriormente, investigaram-se os mecanismos através dos quais as antocianinas conseguem
prevenir a morte celular apoptótica induzida pelo peroxinitrito, focando a atenção em vias a montante
e a jusante da mitocôndria. Todas as antocianinas testadas impedem o dano celular infligido pelo
peroxinitrito interrompendo a via de morte mitocondrial, ao inibirem a actividade das caspases-3 e
-9, mas não da caspase-8; diminuem, igualmente, os níveis intracelulares da proteína Bax e inibem
ainda a translocação nuclear desta proteína pró-apoptótica, facto demonstrado, pela primeira vez,
neste trabalho, em células endoteliais, em consequência do processo de apoptose (Capítulo 2).
No Capítulo 3, optou-se por seleccionar apenas uma das antocianias para prosseguir os
estudos, considerando o grau de protecção similar manifestado por todas elas. Optou-se pela Mv3glc,
tendo em conta a sua prevalência alimentar, as suas características estruturais particulares e, bem
assim, a escassez de trabalhos com esta antocianina, quando comparada com as demais. Esclarecidos
que estavam os principais aspectos relativos às suas propriedades antioxidantes, direccionou-se
então o estudo para o seu papel na inflamação endotelial despoletada pelo peroxinitrito, em vias
reconhecidamente implicadas no processo aterogénico. Em concreto, constatámos a capacidade
da Mv3glc não só em aumentar a biodisponibilidade do •NO dependente da eNOS, através da
fosforilação do Akt, como também em inibir a activação do NF-κB induzida pelo peroxinitrito o
que se traduziu na supressão da produção de mediadores pró-inflamatórios como a IL-6, a COX-
2 e a iNOS, em células endoteliais activadas por aquele oxidante. Esta inibição da activação do
NF-κB resultou do impedimento da nitração, devida ao peroxinitrito, do inibidor citoplasmático
deste factor de transcrição, o IκBα. Confirmou-se, também, que a acção da Mv3glc se exerce ao
nível transcricional, ao diminuir os níveis de mRNA da iNOS, aumentando os da eNOS, situação
particularmente evidente em células tratadas com peroxinitrito.
Por fim, consolidámos os estudos efectuados em células endoteliais isoladas de
aortas bovinas, confirmando a transposição dos resultados obtidos para células endoteliais
microvasculares de origem humana (HMEC) (Capítulo 4). Procurou-se ainda explorar, neste
modelo celular, outras vias de acção da Mv3glc como agente de protecção endotelial, em particular,
o seu papel modulador na activação do proteassoma e na produção de heme oxigenase-1 (HO-1)
decorrente da activação do factor de transcrição Nrf2, induzidas pelo peroxinitrito. Os resultados
alcançados, para além de corroborarem os obtidos até então, consentiram a conclusão de que a
Mv3glc permite que seja alcançado um equilíbrio favorável entre os factores de transcrição NF-κB
e Nrf2 através, respectivamente, da inibição e da estimulação, de proteínas resultantes da activação
de ambos, balanço este crucial para a homeostase vascular. Em concreto, esta acção, por parte
da antocianina estudada, parece dever-se a uma inibição não tóxica da actividade proteassómica
exacerbada pelo peroxinitrito, traduzindo-se, por um lado, na estabilização citoplasmática do
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NF-κB e por outro, na activação dos sistemas de defesa orquestrados pelo Nrf2, traduzida no
aumento dos níveis de HO-1. Conclui-se ainda, que a intervenção da Mv3glc contribui para a
diminuição do grau de inflamação e do nível oxidativo do endotélio vascular sob a acção deletéria
do peroxinitrito e, consequentemente, para o restabelecimento da homeostasia celular.
Globalmente, os resultados apresentados neste trabalho esclarecem e desvendam
novos mecanismos celulares implicados na actividade antiapoptótica e anti-inflamatória das
antocianinas, expandindo assim, modesta mas convictamente, os nossos conhecimentos acerca dos
seus potenciais efeitos protectores vasculares, no contexto da prevenção da disfunção endotelial
e da aterosclerose. Reforçam ainda o potencial das antocianinas como moléculas promissoras
no desenvolvimento de alimentos funcionais e nutracêuticos direccionados, fundamentalmente,
para a normalização da disfunção endotelial.Nowadays, atherosclerosis is recognized as a disease resulting from an inflammatory
response of the vessel wall to different forms of injury. The chronic nature of the process leads
to the formation of lesions in the arterial wall or plaque which may occlude the vessel lumen,
directly or through thrombotic complications. During the last two decades, several molecular
targets for inflammatory cascades have been identified. Supraphysiological levels of reactive
oxygen and nitrogen species, exceeding the capacity of endogenous cellular defenses, are
capable of causing oxidative stress and activation of pro-inflammatory mechanisms. In these
circumstances, the superoxide anion produced reacts with vascular nitric oxide generating high
levels of peroxynitrite, resulting in a drastic decrease of the bioavailability of nitric oxide. Besides
being a powerful oxidant peroxynitrite is also a nitrating agent of biomolecules, particularly
proteins, compromising its physiological function. Therefore, the reactive species contribute to
endothelial dysfunction and subsequent formation of atherosclerotic lesions.
In this context, targeting highly reactive species such as peroxynitrite, is a promising
strategy in the prevention of cardiovascular diseases. Natural products derived from plants
have been a source of bioactive molecules for the development of anti-inflammatory drugs
and among these, polyphenols, one of the major groups of plant secondary metabolites which
comprises anthocyanins, have received particular interest. Fruits and vegetables contain an array
of beneficial compounds considered responsible for their protective effects against a number of
chronic diseases, including cardiovascular ones. The role of anthocyanins in preventing these
pathologies is, among natural products, certainly one of the most investigated and with more
promising evidences to date. The causality of such interest lies in the ability of these polyphenols
to act on the main cells involved in the atherosclerotic process.
It is in this context that this thesis found motivation and reason for its development. This
study was intended primarily to investigate the ability of four anthocyanins with recognized
prevalence in the diet and with different substitution patterns on the B ring, cyanidin-3-glucoside
(Cy3glc), delphinidin-3-glucoside (Dp3glc) , malvidin-3-glucoside (Mv3glc) and pelargonidin-3-
glucoside (Pg3glc) in preventing the death of endothelial cells mediated by peroxynitrite, using,
bovine aortic endothelial cells (BAEC), as an experimental model.
In a first phase of this study, it was demonstrated that pre-incubation of endothelial
cells with different anthocyanins protects them from oxidative damage mediated by 500 μM
peroxynitrite in a concentration-dependent manner. The concentration of 25 μM anthocyanin
was selected in order to provide a detectable amount of intracellular anthocyanin, according to
the results of HPLC analysis.
XVI
Subsequently, we investigated the mechanisms by which anthocyanins can prevent
apoptotic cell death induced by peroxynitrite, focusing attention on pathways upstream
and downstream of mitochondria. All anthocyanins tested prevent cell damage inflicted by
peroxynitrite interrupting the mitochondrial death pathway, by inhibiting the activity of caspases-3
and -9, but not of caspase-8; they also decrease the intracellular levels of Bax protein and inhibit
the nuclear translocation of this pro-apoptotic protein. This fact was demonstrated for the first
time in this work, as a result of apoptosis in endothelial cells (Chapter 2).
In Chapter 3, we decided to select only one of the anthocyanins for further studies,
considering the similar degree of protection manifested by all of them. Mv3glc was chosen,
given its prevalence in the diet and particular structural features and the lack of studies with
this anthocyanin, when compared with the others. Once clarified the main aspects related to its
antioxidant properties, we aimed to investigate this anthocyanin protective role in endothelial
inflammation triggered by peroxynitrite, with a focus in known pathways involved in the
atherogenic process. In particular, we have demonstrated the ability of Mv3glc in increasing the
bioavailability of eNOS-derived NO•, through Akt-dependent phosphorylation. Mv3glc was also
capable to inhibit peroxynitrite-induced NF-κB activation which resulted in the downregulation of
pro-inflammatory mediators such as IL-6 and the expression of COX-2 and iNOS. This inhibition
of NF-κB activation resulted from the prevention of its cytosolic inhibitor (IκBα) nitration, due
to peroxynitrite. It was also confirmed that the action of Mv3glc occurs at the transcriptional
level, by decreasing iNOS mRNA and increasing eNOSm RNA, a situation particularly evident
in cells treated with peroxynitrite.
Finally, in order to transpose the results obtained so far in endothelial cells isolated from
bovine aortas, the studies were carried out in human microvascular endothelial cells (HMEC)
(Chapter 4). We further explored, in this cellular model, other action mechanisms of Mv3glc as
an endothelial-protecting agent, in particular, its role in modulating proteasome’s activity and in
the production of heme oxygenase-1 (HO-1) resulting from activation of the transcription factor
Nrf2, induced by peroxynitrite. These results, besides corroborating those already obtained,
also permitted the conclusion that Mv3glc leads to a favorable balance between NF-κB and
Nrf2 transcription factors, through, respectively, inhibition and stimulation, of the production
of proteins resulting from their activation, contributing by this way to vascular homeostasis.
Furthermore, this anthocyanin action appears to be due to a nontoxic inhibition of the proteasomal
activity exacerbated by peroxynitrite, resulting, not only in the stabilization of cytoplasmic NF-κB
but also, in the activation of defense systems orchestrated by Nrf2, namely the increase in HO-1
levels. Thus, Mv3glc contributes to reduce the degree of inflammation and vascular endothelial
stress in cells submitted to peroxynitrite deleterious action, hence restoring cellular homeostasis.
Overall, the results presented here clarify and uncover new cellular mechanisms involved
in the anti-apoptotic and anti-inflammatory properties of anthocyanins, thus expanding modestly
but firmly, our knowledge about their potential vascular protective effects in the context of
prevention of endothelial dysfunction and atherosclerosis, reinforcing their potential as promising
molecules in the development of functional foods and nutraceuticals