Dissertação de mestrado em Biologia Celular e Molecular, apresentada ao Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de CoimbraO alcoolismo é um grave problema de saúde pública global, com implicações a
nível social e económico. O consumo excessivo de álcool está associado à violência
doméstica, que à semelhança do alcoolismo representa um problema social e de saúde
pública igualmente preocupante na actualidade.
A dependência alcóolica é uma doença complexa e multifactorial, que resulta de
interacções gene-gene e gene-ambiente, com uma hereditariedade estimada entre 40-
60%. A identificação de factores genéticos associados ao alcoolismo poderá
eventualmente ter um impacto determinante na diminuição do número de casos de
violência doméstica.
Várias evidências têm implicado as enzimas metabolizadoras do etanol,
nomeadamente do sistema enzimático do citocromo P450 (CYP450), na fisiopatologia
do alcoolismo. Em particular a enzima CYP2E1, o principal componente do sistema
microssomal hepático de oxidação do etanol (MEOS) no fígado, é responsável por cerca
de 10% da metabolização total do etanol e, simultaneamente, pode ser induzida pelo
consumo do mesmo. A enzima CYP1A2, que desempenha também funções ao nível do
metabolismo do álcool, é altamente indutível pelo fumo do cigarro, podendo ser
importante na interacção entre estas duas dependências que estão frequentementes
associadas. Face às evidências, o estudo de variantes genéticas nas enzimas da família
CYP450 poderá contribuir para o preenchimento da lacuna existente nesta área de
investigação e, por outro lado, responder a algumas questões no âmbito da genética do
alcoolismo, com eventuais repercussões na violência doméstica. Assim, neste trabalho
investigou-se a associação entre os polimorfismos nos genes CYP2E1 (−1053C>T) e
CYP1A2 (C734A) com o alcoolismo e/ou violência doméstica numa amostra de doentes
da população Portuguesa bem caracterizada clinicamente, com e sem historial de
violência doméstica.
No que se refere ao gene CYP2E1, os resultados obtidos não revelaram
associação entre o polimorfismo −1053C>T e o alcoolismo na totalidade da amostra
estudada. Na estratificação da amostra por género também não se observaram diferenças
estatisticamente significativas, quer para o sexo feminino quer para o sexo masculino,
quando comparadas com a amostra controlo. Além disso, com o intuito de se identificar
genes de susceptibilidade que predispõem indivíduos alcoólicos para a violência
doméstica, analisou-se o polimorfismo −1053C>T no gene CYP2E1, numa amostra dedoentes alcoólicos com e sem historial de violência doméstica, e os resultados
obtidos não demonstraram associação entre o polimorfismo mencionado e a violência
doméstica. Estes resultados no seu conjunto, parecem sugerir que o polimorfismo
−1053C>T do gene CYP2E1 não desempenha um papel major na etiologia do
alcoolismo e/ou da violência doméstica.
Em relação ao gene CYP1A2, a análise da distribuição dos genótipos obtidos
para a amostra total não revelou associação entre o polimorfismo C734A e o alcoolismo,
apesar de se verificar uma ligeira tendência de associação (χ2= 5,244; df = 2; p = 0,073).
A análise da distribuição alélica detectou diferenças estatisticamente significativas entre
a amostra de doentes alcoólicos e os controlos (χ2= 4,197; df = 1; p = 0,040). Por outro
lado, não se obteve associação entre o polimorfismo C734A do gene CYP1A2 e o
alcoolismo na amostra estratificada por género, e também ao comparar a amostra de
doentes alcoólicos com e sem historial de violência doméstica. Apesar dos resultados
obtidos carecerem de replicação em diferentes populações mundiais, os mesmos
sugerem que o polimorfismo C734A poderá ser um factor de risco para a dependência
alcoólica na população Portuguesa. No que se refere à violência doméstica, os
resultados permitem inferir que o polimorfismo C734A do gene CYP1A2 não está
directamente envolvido na violência doméstica.
Face aos resultados obtidos, e uma vez que este estudo é pioneiro na
investigação do gene CYP1A2 na etiologia do alcoolismo, espera-se que o
conhecimento adquirido possa contribuir, no futuro, para a prevenção, aplicação de
terapêuticas individualizadas aos doentes alcoólicos e detecção precoce de indivíduos de
risco, que no seu conjunto poderão conduzir a uma diminuição do número de vítimas