Incongruências em fala lida : estudo de corpus de pronunciamentos parlamentares

Abstract

Dissertação (mestrado) — Universidade de Brasília, Instituto de Letras, Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, 2021.Contexto: A literatura linguística não tem produzido muitos dados sobre a fala lida (leitura em voz alta) em indivíduos adultos e escolarizados. A produção de dados desse tipo pode caracterizar melhor o desempenho dos falantes nessa tarefa e evidenciar mecanismos de processamento da linguagem que podem ter caráter universal. Objetivos: a) identificar incongruências involuntárias entre textos escritos e sua leitura em voz alta (erros de leitura); b) correlacionar as incongruências identificadas com aspectos morfossintáticos, semânticos e discursivos dos textos; e c) reconhecer, na análise das correlações, possíveis mecanismos fundamentais de processamento da linguagem. Métodos: Identificaram-se os erros de leitura produzidos em um corpus composto por 5 horas de vídeos de falas lidas, com um tempo médio de fala de 8 minutos por falante, incluindo 39 indivíduos, com idade média de 63 anos, de sexo predominantemente masculino, e nível de escolaridade majoritariamente superior. Os erros foram correlacionados com variáveis demográficas e linguísticas, e as correlações submetidas e análises estatísticas. Resultados: As falas foram segmentadas em 1429 períodos. A maioria dos períodos (854 períodos) continham algum tipo de incongruência. As incongruências mais comuns foram trocas de palavras, desvios de ortoépia, desvios de concordância, pausas e inserções incongruentes de fronteiras prosódicas. Houve correlação positiva entre incongruências e: a) sexo masculino (mulheres cometeram menos erros), e b) extensão dos períodos. Não houve correlação estatisticamente significativa entre incongruências e: a) idade, e b) taxa de elocução (velocidade de fala). No caso específico de incongruências de fronteiras prosódicas (segmentação prosódica dos enunciados), observou-se correlação: a) positiva entre incongruência e continuidade temática entre períodos (o tópico do período prosodicamente incongruente havia sido mencionado no período anterior), e b) negativa entre incongruência e sujeito em primeira pessoa. Observou-se também forte correlação positiva entre incongruências de fronteiras prosódicas e um determinado critério de segmentação dos períodos que considera que determinadas palavras poderiam ser omitidas sem comprometer a composição semântica e gramatical mínima dos enunciados e de seus segmentos. No caso das trocas de palavras, observou-se que: a) 80% das palavras trocadas são parônimos (palavra falada é semelhante à palavra escrita), e b) as palavras faladas costumam ser mais frequentes na língua do que as palavras escritas. Com relação ao fenômeno de retratação (autocorreção do erro de leitura), constatou-se que: a) 26% das incongruências segmentares são retratadas, mas virtualmente nenhuma incongruência suprassegmentar (prosódica) foi retratada, e b) as retratações de trocas de palavra e desvios de ortoépia costumam seguir um padrão em que o substantivo retratado é acompanhado pelo artigo ou preposição antecedente. Conclusões: Erros de leitura são bastante comuns entre falantes adultos escolarizados, e associam-se com certos padrões linguísticos que podem refletir mecanismos cognitivos fundamentais de processamento da linguagem. A esse respeito, elaboram-se algumas hipóteses explicativas e apresentam-se certas conjecturas, dando-se especial ênfase ao conceito de memória de trabalho. Sugerem-se, também, estratégias de produção textual que poderiam facilitar a leitura em voz alta.Background: linguistics has not gathered enough data about oral reading fluency in adult, educated speakers. Such data may shed some light on the subject and reveal essential mechanisms of language processing. Objectives: a) to determine oral reading errors prevalence among adult readers, b) to correlate the errors with linguistic aspects of the written texts, and c) to identify, in the correlations, potential language processing mechanisms. Methods: We identified oral reading errors in a corpus comprising five hours of videos of oral readings made by 39 adult Brazilian Portuguese native speakers, primarily college-educated males, with a mean age of 63 years old. Correlations with linguistic and demographic variables were statistically analyzed. Results: Oral readings were segmented into 1429 sentences. Most of the sentences (854) had some type of incongruence with the written texts. The most frequent ones were word substitutions (16%), cacoepies (15%), agreement errors (14%), pauses (13%), and prosodic boundary incongruences (20%). There was a positive correlation between errors and a) male gender (p- value = 0.0041) and b) sentence length, and no correlation with c) age and d) speech rate. Prosodic boundary disfluencies correlated positively with thematic continuity (disfluent sentence topic has been mentioned in the previous sentence, p-value =0,0006345) and negatively with first-person subjects (p-value = 0.0002584). We also found a strong correlation between prosodic boundary dysfluencies and a segmentation method that labeled each word as essential or non- essential according to the minimum semantic and grammatical utterance extracted from the written sentences (p-value < 2.2e-16). In general, substitute words in word substitutions were a) phonetically/graphically similar to the original words and b) more frequent in the Brazilian Portuguese language than original words. Self-corrections were relatively frequent (26%) in errors involving words (segmental errors) and virtually absent in errors involving prosody (suprasegmental errors, such as prosodic boundary insertions and pauses). Self-corrections of word substitutions and cacoepies frequently involved the definite article or preposition preceding a substantive. Conclusions: Oral reading errors are frequent among educated adults. The errors correlate with some linguistic patterns that may reflect fundamental sentence processing mechanisms. We develop hypotheses to explain our findings and offer some further speculations involving the concept of working memory. Additionally, we provide some tentative suggestions to improve written text elaboration in order to avoid oral reading errors

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