Adverse childhood experiences (ACEs) are frequent and intense experiences of
stress during childhood (WHO, 2020a), which can be associated with physical
and mental health problems throughout the life course.
In March 2020, the World Health Organization (WHO) declared COVID-19 a pandemic
(WHO, 2020b), which led to the adoption of several measures by different countries
and governments, aiming to prevent the spread of the virus and protect the population.
However, these measures, such as social isolation, seem to have unintentionally
contributed to children and adolescents, coming from dysfunctional households and
with a history of ACEs, being continuously exposed to these events (Bryce, 2020). The
literature demonstrates that the pandemic had negative effects on the parents' mental
health (Brown et al., 2020; Zafar et al., 2021), which may have potentiated the
occurrence of ACEs.
Few studies have examined this topic in the Community of Portuguese Language
Countries (CPLC), therefore this Dissertation and the study developed aim to assess the
impact of ACEs on mental health and suicidal behaviors in a sample of participants
from the CPLC. This study used an online survey that included a sociodemographic
questionnaire, the Brief Symptom Inventory-18 (BSI-18) to assess somatization,
depression, and anxiety symptoms, and overall mental functioning, the Suicidal
Behaviors Questionnaire-Revised (SBQ-R) to assess suicidal behaviors, and the Family
Adverse Childhood Experiences Questionnaire to assess the report of ACEs. The sample
consists of 1006 participants aged between 18 and 80 years (mean=41.76; SD=14.19).
Emotional abuse was the most reported ACE (32.7%) and participants from Brazil had
higher levels of somatization, depression, anxiety, and suicide ideation and attempt,
while participants from Portugal had a higher probability of suicide in the future. ACEs
were strong and significant predictors of psychological symptoms and the likelihood of
suicide in the future, with emotional abuse and emotional neglect being the domains
with the greatest contribution, respectively.
The results obtained demonstrate that ACEs are a prevalent and general phenomenon
across countries. Therefore, it is urgent to alert policymakers and mental health
professionals of the need to intervene with children and families to ensure their
adjusted development, thus promoting the quality of life and well-being of populations.As experiências adversas na infância (EAI) são eventos frequentes, indutores de stress
significativo, que ocorrem durante a infância (WHO, 2020a) e podem estar associados
a problemas de saúde física e mental ao longo da vida tais como, sintomas depressivos e
de ansiedade, ideação e tentativa de suicídio, abuso de substâncias e comportamentos
de risco para a saúde. Ao longo dos últimos anos, tem existido um progressivo
investimento teórico no campo das EAI, o que reflete um crescente reconhecimento
concedido à importância desta temática e uma compreensão mais integrada do
conceito, contemplando os seus impactos a nível biológico, social, educativo,
económico, etc. (Struck et al., 2021).
Em março de 2020, a COVID-19 foi declarada, pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), como uma pandemia (WHO, 2020b), o que conduziu à adoção de várias
medidas pelos diversos países e governos, com o objetivo de impedir a disseminação do
vírus e proteger as populações. Contudo, estas medidas, como o isolamento social,
parecem ter contribuído, de forma involuntária, para que as crianças e adolescentes,
provenientes de ambientes familiares disfuncionais e com histórico de EAI, fossem
continuadamente expostas a esses mesmos eventos (Bryce, 2020). A permanência em
casa pode aumentar as probabilidades de ocorrência de abuso e/ou negligência infantil
e, por outro lado, interferir com os mecanismos de denúncia, na medida em que
impede a identificação dos casos em risco (Green, 2020). Estima-se que uma em cada
duas crianças, dos 2 aos 17 anos, experiencie qualquer tipo de violência (física,
emocional ou sexual) a cada ano (Hillis et al., 2016) e, de acordo com o Relatório da
OMS, relativo à Prevenção da Violência Contra Crianças, de 2020 (WHO, 2020c), a
pandemia COVID-19 pode ter contribuído para o aumento do risco de violência
intrafamiliar. Estes episódios de violência a que as crianças estão expostas, ou dos
quais são vítimas, têm, por um lado, efeitos imediatos a nível individual, familiar e
comunitário e, por outro lado, efeitos a longo prazo, que comprometem o
desenvolvimento e o potencial das crianças e jovens.
A experiência da pandemia foi distinta para cada família, porém, múltiplas
preocupações indutoras de stress foram transversais a muitos pais (ex.: encargos
financeiros, adaptação a um novo modelo de educação dos seus filhos via aulas-online,
a incerteza associada à situação, etc.). Estas preocupações revelaram-se mais
frequentes em famílias que reportaram, durante o período de confinamento, a adoção
de práticas parentais negativas (Zafar et al., 2021). Durante a pandemia, os pais reportaram sintomas depressivos e de ansiedade, assim como pobre qualidade de sono,
sintomas que foram associados a níveis mais elevados de stress parental percebido e
uma maior probabilidade de abuso infantil (Brown et al., 2020). Desta forma, é
percetível que a pandemia teve efeitos negativos na saúde mental dos pais, o que
poderá ter potenciado a existência de EAI.
Dado o efeito negativo e significativo destas experiências na vida das crianças e jovens,
esta dissertação procurou, através do estudo desenvolvido, avaliar o impacto das EAI
na saúde mental e comportamentos suicidários de uma amostra de participantes
provenientes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), dada a escassez
de estudos nesta temática nesta comunidade. Os dados foram recolhidos online, através
de um website construído para o efeito, entre maio e outubro de 2021. Os instrumentos
utilizados foram um questionário sociodemográfico; o Brief Symptom Inventory 18
(BSI 18) para avaliar sintomas de somatização, depressão e ansiedade, como medida de
funcionamento mental; o Suicidal Behaviors Questionnaire - Revised (SBQ-R) para
avaliar os comportamentos suicidários; e o Family Adverse Childhood Experiences
Questionnaire para avaliar as EAI. A amostra é composta por 1006 participantes com
idades compreendidas entre os 18 e 80 anos (média=41.76; DP=14.19), dos quais 576
são mulheres (57.3%) e 424 são homens (42.1%).
As EAI mais reportadas pela amostra foram o abuso emocional (32.7%), a doença
mental/suicídio de um membro da família (30.8%) e a negligência emocional (29.9%) e
verificou-se uma associação forte entre abuso emocional e abuso físico (r=.678;
p<.001). Os participantes do Brasil apresentaram níveis mais elevados de somatização,
depressão e ansiedade e de ideação e tentativa de suicídio, tanto ao longo da vida, como
no último ano, comparativamente com os participantes de Portugal e dos Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Contudo, os participantes de Portugal
apresentaram maior probabilidade de suicídio no futuro. As EAI demonstraram-se
preditoras fortes e significativas de sintomas psicopatológicos e da probabilidade de
suicídio no futuro, sendo o abuso emocional (?=.125; p<.05) e a negligência emocional
(?=.148; p<.001) os domínios com maior contributo, respetivamente.
Os resultados demonstram que as EAI são um fenómeno prevalente e transversal aos
sistemas culturais estudados, com um impacto negativo e significativo nos sintomas
psicopatológicos e nos comportamentos suicidários da amostra. Estes resultados
alertam para a urgência de serem estabelecidas políticas de saúde mental e de
prevenção do suicídio, que visem as crianças e jovens e as suas famílias, de forma a
facilitar um desenvolvimento mais adaptativo, promovendo, dessa forma, o bem-estar
das populações