Grass, Günter

Portuguese

Schultz, Erica Sofia Luisa Foerthmann

Lume 5.8

O discurso perante à Academia Sueca! Giinter Grass Tradução: Erica Schultz Com o título de “Fortsetzung folgt...”(Continua...), fórmula empregada para sinalizar o fim de um capítulo nos romances publicados nos jornais do século XIX, Giinter Grass aborda questões do fazer literário, sua formação de escritor, o papel da literatura na Alemanha do pós-guerra e no mundo contemporâneo. Não apenas os romances em capítulos precisam continuar, mas também o “contar histórias como forma de sobrevivência e de arte”. A promessa da continuidade deve estar presente em toda a obra literária. Em seus comentários sobre a necessidade de contar e ouvir histórias que continuem indefinidamente e o caráter primordialmente narrativo e oral da literatura, escreve Grass: “Desde o início contavam-se histórias. Muito antes do gênero humano exercitar-se na escrita e lentamente alfabetizar-se, todos contavam histórias para todos e um prestava atenção na narrativa do outro. Logo surgiu entre os que ignoravam a escrita aqueles que narravam mais e melhor ou que sabiam mentir mais convincentemente. E entre eles havia ainda os que dominavam a arte de represar o fluxo trangiilo de sua narrativa, permitindo que a massa reprimida de relatos invadisse as margens, criando um afluente que jamais secava, para repentina e surpreendentemente encontrar um amplo leito de rio que agora impulsionava resíduos de toda a espécie e conduzia a tramas secundárias. E estes narradores primevos - que não dependiam da luz do dia ou de lâmpadas e mesmo na escuridão sabiam urdir suas histórias ; sim, sabiam como obter uma tensão adicional da escuridão ou da meia- luz, não temiam as privações e tempestades e só interrompiam o curso de sua narrativa com a promessa de “continua...” devido ao cansaço que em todos se manifestava - estes contagiavam ouvintes que também sabiam narrar, ainda que de forma não tão copiosa. O que se contava, quando ninguém sabia escrever, anotar? Do princípio, desde Caim e Abel, falava-se muito de assassinatos e violência. Vingança, sobretudo a vingança com sangue, era assunto para as histórias. E já no início o genocídio era um tema habitual. Mas também se relatava de inundações e secas, de anos gordos e anos magros. Não se evitavam longas listas de propriedade de gado e gentes. Nenhuma história podia prescindir, caso quisesse ser ouvida como verdadeira, de longas listas genealógicas - quem nasceu após quem e   ! Copyright 01999 The Nobel Foundation Cadernos de Tradução, Porto Alegre, nº 12, p. 13-15, out-dez, 2000. = =—s——e———» = —14 antes de quem. Semelhante caráter genealógico também se apresentava nas histórias de heróis. Até mesmo os ainda hoje apreciados triângulos amorosos, bem como casos sobrenaturais em que seres metade homem, metade animal dominavam labirintos ou espreitavam dos juncos nas margens provavelmente já eram componentes constantes das narrativas. Sem esquecer das lendas de deuses e divindades, bem como viagens de navios cheias de aventuras, que eram contadas adiante, aprimoradas, complementadas, variadas, viradas ao avesso e finalmente anotadas por um narrador que dizer ter se chamado Homero. ou por um coletivo de escritores - que foi o caso da Bíblia. Desde então existe a literatura. Na China, na Pérsia, na Índia, no Altiplano do Peru e em todos os lugares em que surgiu a escrita, foram narradores que individual ou coletivamente estabeleceram seu nome como literatos ou ficaram no anonimato. ane O que permanece para nós, tão exageradamente fixados na escrita, é a lembrança das histórias contadas, da origem oral da literatura. Caso tenhamos esquecido que toda a narrativa surgiu inicialmente dos lábios, por vezes palatal, hesitante, para então ser novamente acelerada, como que movida pelo medo, ou sussurrada, como se o segredo revelado devesse ser protegido de demasiados cúmplices, para então voltar a ser contada em alto e bom som, entre gritos de triunfo ou perguntas que sempre perseguiram com faro aguçado as coisas primeiras e últimas - caso que, aferrados à escritura, tenhamos esquecido de tudo isso, então nossas narrativas serão apenas papel sem valor,ao invés de transportadas por nosso fôlego úmido”. Em sua infância em Dantzig já se manifestava o amor pelos livros e aos doze anos estava decidido a ser artista. Sua primeira tentativa literária aconteceu um ano mais tarde, quando escreveu um romance para um concurso literário da revista “Hilf mit!”, da Juventude Hitlerista. O projeto fracassou, porque todos os personagens principais já estavam mortos no final do primeiro capítulo. A experiência que não o desencorajou, mas ensinou ao escritor a “em suas narrativas futuras, lidar de forma mais cautelosa e econômica com o pessoal ficcional”. O trauma do fuzilamento de um tio por forças nazistas parece ter sido o elemento desencadeador de sua postura crítica diante do poder e do engajamento político de seus textos. Cedo em sua carreira percebeu que tal posicionamento nem sempre era compreendido como uma forma de amor ao próprio país, fazendo com que se habituasse ao rótulo de “autor controverso”. A literatura se torna incômoda aos poderosos, porque demonstra que não existe uma verdade única, mas uma pluralidade de verdades. Ela é perturbadora quando não se identifica com os poderosos, mas dá voz aos perdedores de um processo histórico e consegiientemente questiona a vitória. Para um escritor alemão que iniciava sua carreira nos anos 50, o passado recente da barbárie nazista parecia sinalizar que não poderia haver um “continua...” para a literatura alemã, cuja língua havia sido corrompida pelo nacional-socialismo. Cadernos de Tradução, Porto Alegre, nº 12, p. 13-15, out-dez, 2000. 15 Grass e sua geração tomaram para si a tarefa de “...renegar as grandezas absolutas, o preto e branco ideológicos. A dúvida e o ceticismo nos impulsionavam, oferecendo-nos de presente a variedade dos tons de cinza” Novamente estamos em uma época em que as vozes dominantes gritam que não há mais possibilidade de continuar. Impera a verdade única do fim da história, do dogma do livre mercado, inquestionável e sem alternativas. A esperança de Grass é que a literatura passe a ser o meio de romper com o dogmatismo da ideologia da globalização, que aponte para os tons de cinza existentes entre o preto e branco das verdades absolutas de nossa era. O progresso científico-tecnológico não veio acompanhado pela diminuição das disparidades sócio-econômicas. Pelo contrário, a pobreza vem se transformando em miséria e a fome está aumentando. Em 1973, o então primeiro-ministro Willy Brandt declarou perante as Nações Unidas “a fome também é guerra!”. A frase serve de base para os três últimos parágrafos do discurso de Giinter Grass. “Estava presente quando este discurso foi proferido. Na época estava escrevendo meu romance “Der Butt”, que trata da alimentação, a base primária da existência humana, e portanto, da escassez e do excesso, dos grandes comilões e dos inúmeros famélicos, dos prazeres da mesa e das migalhas de pão que caem da mesa dos ricos. Este tema permanece. À riqueza acumulada responde a pobreza com índices ascendentes de crescimento. Por mais que os abastados Norte e Ocidente se resguardem sedentos de segurança e queiram afirmar-se como fortaleza contra os pobres do Sul, acabarão por serem atingidos pelas levas de refugiados, nenhuma tranca resistirá ao abalo dos famintos. Esta história será contada no futuro. Afinal, o romance de todos nós precisa continuar. E mesmo que algum dia ele não possa ou não venha a ser escrito ou impresso, que não sejam encontrados livros enquanto instrumentos de sobrevivência, sempre haverá contadores de histórias que com sua boca inspirarão vida em nossos ouvidos, novamente fiando os fios de velhas histórias, em alto e bom som e em murmúrios, empolgados e hesitantes, por vezes próximos ao riso, por vezes próximos às lágrimas.”?   2 O discurso de Giinter Grass, que não pode ser traduzido na íntegra por questões de direitos autorais, pode ser lido em versão alemã e inglesa no endereçohttp: //www.nobel.se(N.da T.). Cadernos de Tradução, Porto Alegre, nº 12, p. 13-15, out-dez, 2000.       e —r aU) RR: 4? Cltntintasa Catarial da PiAnaiaa Cantata A Lismanida d s = sea -

O discurso perante à Academia Sueca

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