Discute-se a respeito dos antecedes da lei de arquivos brasileira e faz-se uma relação entre a lei de arquivos e a comunidade arquivística nacional, escabele-se uma relação entre a comunidade arquivística e os avanços do ponto de vista de regulamentador e institucionalização da área no Brasil. Ao final, comenta-se sobre o PL 2789/2021 sinalizando que é fundamental um diálogo com a área, já que mais do que mudanças legislativas, os arquivos precisam de sensibilidade e financiamento

Barros, Thiago Henrique Bragato

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Lume 5.8

152 São Paulo, Ano VII, Nº 13, p.  152-155, dezembro de 2021Revista do Arquivo         Debate sobre alteração da Lei nº 8.159/1991A LEI DE ARQUIVOS DO BRASIL: APONTAMENTOS SOBRE SEU IMPACTO 30 ANOS DEPOISProf. Dr. Thiago Henrique Bragato Barros1 Resumo: Discute-se a respeito dos antecedes da lei de arquivos brasileira e faz-se uma relação entre a lei de arqui-vos e a comunidade arquivística nacional, escabele-se uma relação entre a comunidade arquivística e os avanços do ponto de vista de regulamentador e institucionalização da área no Brasil. Ao final, comenta-se sobre o PL 2789/2021 sinalizando que é fundamental um diálogo com a área, já que mais do que mudanças legislativas, os arquivos precisam de sensibilidade e financiamento. Palavras-chave: Arquivologia. Lei de Arquivos. Arquivologia no Brasil.1 IntroduçãoNo dia 08 de janeiro de 1991, há exatos 30 anos, era publicada a Lei 8.159, que dispõe sobre a política na-cional de arquivos públicos e privados no país. A chamada Lei de Arquivos foi certamente uma conquista fruto da mobilização de diversos atores sociais no processo da redemocratização brasileira, buscando ga-rantir a gestão documental, acesso e preservação a documentos de arquivos como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação.As garantias e avanços por ela amparados ao longo desses anos são inegáveis, assim como é inegável a im-portância dos debates em torno de sua atualização e enraizamento. Ainda assim, a discussão, efetivamente, precisa ser ampliada e acontecer com a participação da comunidade arquivística brasileira.Representei o Fórum Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ), na discussão do PL 2789/2021 que “Moderniza a Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, e cria nova hipótese de improbidade administrativa”. No dia 27/08/21 ocorreu uma audiência pública na, na Comissão de Cultura da Câmara de Deputados, junto com diversas entidades que discutiram as alterações propostas pelo PL que altera e atualiza a Lei de Arquivos, ocasião em que foi deliberado que os interessados enviassem suas contribuições para a proposta.Busca-se neste texto tecer reflexões,  à luz da teoria da área, sobre a própria lei de arquivos e o projeto ora apresentado de sua revisão.2 A Lei de Arquivos brasileira e a formação de Arquivistas no Brasil. Em texto previamente publicado por Mintegui, Barros e Karpinski (2019), no qual foram discutidos os ante-cedentes políticos e discursivos para a criação da lei de arquivos no Brasil, apontou-se que  a demanda po-lítica de criação de uma Lei de Arquivos para o Brasil teve como principal ator político-institucional Arquivo Nacional (AN), em um movimento de reestruturação e readequação organizacional e destacou-se o papel do Estado como indutor de alguma transparência a respeito dos documentos por ele produzidos.  Assim, 1 Professor Adjunto no Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pro-fessor permanente nos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFRGS e UFPA. Pós-Doutorado em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (2018-2019). Pesquisador em grupos de pesquisa da UNESP, UNB, UFPA e UFRGS. Coordenador do GT2 da ANCIB (2018-2020). Membro do Scientific Advisory Council da ISKO- Internacional153São Paulo, Ano VII, Nº 13, p. 152-155, dezembro de 2021Revista do Arquivo                            Debate sobre alteração da Lei nº 8.159/1991desde o início o Arquivo Nacional sempre foi o indutor das políticas e práticas arquivísticas no Brasil, isso vale do ponto de vista regulatório e do ensino de arquivologia no país. A área avançou quando o Arquivo Nacional avançou; tal fato pôde ser verificado, por exemplo, na gestão do historiador José Honório Rodrigues (1958-1964) que reconheceu a necessidade de reorganização e reposi-cionamento do AN.  Porém, do ponto de vista de marcos regulatórios, é somente na gestão de Celina Vargas do Amaral Peixoto, na década de 1980, que se efetivam ações no sentido de promover um novo modelo de instituição. A aprovação da Lei 8.159/1991 representaria o ápice de um conjunto de processos que foram postos em movimento a partir da gestão Peixoto (MINTEGUI, BARROS e KARPINSKI, 2019).De acordo com o relatório de atividades do período (ARQUIVO NACIONAL, 1980-1984), a diretoria põe em movimento um programa de reestruturação e fortalecimento da entidade, a partir da premissa de uma dupla vocação para a entidade, inicialmente como depósito dos documentos públicos e várias tentativas posteriores que buscaram torná-lo cabeça de um sistema. (MINTEGUI, BARROS e KARPINSKI, 2019). Os antecedentes da lei estão muito próximos do ideais  nacionais durante os anos 1980: a discussão da redemocratização brasileira e o papel de um  Estado democrático moderno  que garante direitos básicos e estabelece pesos e contrapesos para  a democracia; isso acontecerá em certa medida, também no con-texto dos arquivos do ponto  de vista da constituição de 1988 e da própria promulgação da lei de arquivos, que serviu e continua servindo como uma base conceitual para a salvaguarda dos documentos públicos e privados brasileiros.Essa característica definidora do AN no avanço ou estagnação da área de arquivos no Brasil, também acon-tecerá na institucionalização da arquivologia enquanto profissão no país.Marques (2007; 2011), em extensa pesquisa a respeito do desenvolvimento histórico da Arquivística bra-sileira, chega a encontrar incentivos à formação de arquivistas no Brasil já na década de 1910. (BARROS, 2017)O primeiro curso perene e reconhecidamente de Arquivologia do Brasil, foi o Curso Permanente de Arquivos (CPA), criado institucionalmente nos anos de 1960 no Arquivo Nacional, porém seus antecedentes datam dos anos de 1950, com a participação de uma série de pesquisadores e professores europeus e norte--americanos que visaram, dentre outras coisas, o início da formação e formulação de guias, inventários, índices, ou seja, toda a gama de ações técnicas visando tratar o acervo do Arquivo Nacional (MARQUES, 2013).  Segue-se também a criação do já citado curso, publicação e tradução de livros e manuais de autores como Schellenberg (1959; 1974; 1980), normas técnicas no âmbito do Arquivo Nacional ao longo dos Anos de 1960 e a criação, já na década de 1970, de um corpo associativo, sinalizando então outra fase da história arquivística.Pode-se inferir, diante dessa trajetória inicial do ensino de arquivologia no país, de acordo com Marques (2007; 2013), que o desenvolvimento da pesquisa cientifica no Brasil irá iniciar-se apenas no século XX, o que sinaliza o ‘atraso’ em relação a outros países da América do Norte e da Europa. A institucionalização, portanto, das Ciências Humanas e Sociais ocorrem em meio a surtos e intensifica-se a partir de meados dos anos de 1950.O Conselho Federal de Educação, no início da década de 1970, aprova a criação do primeiro curso de arqui-vologia em nível universitário, cumprindo a recomendação do I Congresso Brasileiro de Arquivologia, fruto da articulação de arquivistas ao redor da Associação de Arquivistas Brasileiros (AAB), entidade também responsável por parte da articulação que culminará com a criação da lei de arquivos.No mesmo período, a comunidade arquivística, organizada especialmente em torno da AAB, e que já reali-zava congressos de forma consistente, criticava a então ativa reforma administrativa em curso, desde 1967, que estabelecia a competência de ação e controle sobre aquilo que se reconhece como arquivos de fase corrente pelo Sistema de Serviços Gerais (SISG) (MINTEGUI, BARROS e KARPISCKY, 2019).A partir do exposto, pode-se dizer que, até a década de 1970, não existia uma preocupação no âmbito insti-tucional em dar lugar à Arquivologia enquanto disciplina e ao arquivista como profissional. Existem algumas 154 São Paulo, Ano VII, Nº 13, p.  152-155, dezembro de 2021Revista do Arquivo         Debate sobre alteração da Lei nº 8.159/1991ações, por parte do Arquivo Nacional, no intuito de conseguir subsídios para a organização de seus acervos, predominantemente coloniais e imperais, entre os anos de 1950 e 1960.Com a vinda de T. R. Schellenberg, por exemplo, e a publicação no Brasil de alguma de suas obras, viabilizou--se o estabelecimento de técnicas da teoria arquivística na organização dos Arquivos.Já em período posterior, nos anos de 1980, como parte de recomendação do AN, cria-se uma comissão ministerial, que foi responsável por pesquisa e sugestão de proposta de um projeto de lei que permitisse a elaboração de uma política nacional de arquivos e a definição de arquivos como conjunto de documentos que passam por três idades. (MINTEGUI, BARROS e KARPISCKY, 2019).  O anteprojeto também foi enviado pela direção do AN aos órgãos e instituições ‘mais importantes’ das áreas de arquivologia e história, soli-citando sugestões. Algumas delas foram prontamente incorporadas, outras foram sendo incluídas como emendas durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados. Em 1982, o então Ministro da Justiça assina a exposição de motivos do anteprojeto, na abertura do Seminário de Arquivos Latino-Americanos, o que permite inferir a anuência da proposta legislativa pela comunidade arquivística (ARQUIVO NACIONAL, 1980-1984 apud MINTEGUI, BARROS e KARPISCKY, 2019).O anteprojeto torna-se, então, o PL 4985/1984, que tramitou por dois anos, até a solicitação de retirada do mesmo pelo AN, em razão do estabelecimento da Assembleia Nacional Constituinte. No relatório de ges-tão do período, a diretora justifica essa retirada pela necessidade de ajustar a legislação com os princípios democráticos de acesso à informação, ou seja, mesmo nesse processo inicial fica evidente a atuação do AN, AAB como entidades centrais para a formação dos dispositivos regulatórios da área. A ausência de par-ticipação da sociedade civil, em momentos posteriores da formulação de políticas arquivísticas prejudicou a área e seu desenvolvimento; o que a história nos conta aqui, portanto, é: sem a comunidade arquivística nenhum marco regulatório avança, e isso vale, inclusive, para o projeto em tela.Nos Anos de 1990, intensificam-se a criação e formulação de dispositivos legais que visam à regulamenta-ção do acesso e políticas de transparência aos arquivos públicos; o movimento leva à criação de uma série de cursos de arquivologia. É criado em 1997 o Curso de Arquivologia da Universidade Federal da Bahia, o primeiro da Região Nordeste. Os Anos 2000 representam um incremento e proliferação dos cursos de gra-duação em Arquivologia por conta do programa de expansão do ensino público superior, com a criação de cursos nas mais variadas regiões; é neste cenário que aparecem os cursos aqui analisados: Universidade Estadual da Paraíba em 2006, Universidade Federal da Paraíba em 2008, Universidade Federal do Amazonas em 2018 e Universidade Federal do Pará em 2011.Com relação a marcos regulatórios, são publicados decretos que regulamentam a lei de arquivos e a Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, Lei de Acesso à Informação, que acabou por revogar os artigos re-ferente aos graus de classificação de sigilo da lei de arquivos, ou seja, como uma lei conceitual constru-ída em conjunto com a comunidade arquivística brasileira, que do ponto de vista de dispositivos regula-mentados, pouco se fez; trata-se de uma lei que conta com poucos decretos e fiscalização da sua efetiva implementação.Existem demandas de modificação da lei desde meados dos anos 2000, como registrado no relatório final da I Conferência Nacional de Arquivos (I CNARQ), realizada em 2011. A I CNARQ  tratou-se de um conjunto de eventos que reuniu delegados dos diversos segmentos de interesse na política nacional de arquivos, re-alizando discussões regionais que levaram propostas então discutidas em evento nacional. Um dos núcleos de discussão da referida conferência foi o ‘Eixo I - Regime jurídico dos arquivos no Brasil e a Lei 8.159’, que apresentou propostas para ‘ampliar e reforçar a lei’ (CONFERÊNCIA NACIONAL DE ARQUIVOS, 2011), versão publicada neste dossiê que foi discutida no âmbito do Conselho Nacional de Arquivos durante 2014-2015.3 Considerações e comentários sobre o PL 2789/2021Ainda que breve, a discussão apresentada anteriormente neste texto sinaliza uma coisa importante: a so-ciedade civil e a comunidade arquivística brasileira, foram, de certo modo, desde os anos 1970 responsá-veis pelos avanços das questões  arquivísticas no Brasil. Foram elas responsáveis pela criação dos cursos de arquivologia, fundamental para a profissionalização do arquivista enquanto agente público do  Estado 155São Paulo, Ano VII, Nº 13, p. 152-155, dezembro de 2021Revista do Arquivo                            Debate sobre alteração da Lei nº 8.159/1991brasileiro; essa mesma comunidade foi responsável pela articulação da lei de arquivos em dois momentos importantes dos anos 1980, primeiro anteriormente à Constituinte, com o  trâmite inicial da lei na primeira metade dos anos 1980 e sua tramitação posterior a 1988, que irá culminar na promulgação da lei de 1991. Assim, no cenário do PL 2789/2021, faz-se fundamental que a comunidade arquivística brasileira seja par-tícipe deste processo, porque é ela que irá efetivamente lidar com o dia-dia das mudanças provocadas por esse PL; a ausência deste diálogo prejudicará não só a sua efetiva aprovação, mas também a sua aplicação futura.A lei de arquivos deve manter suas características que a configuraram desde o início: um norte para política nacional de arquivos, já que é impossível ela sozinha ser responsável por isso. Nenhuma mudança irá ser benéfica se acontecerem apenas na letra da lei, ou mesmo, texto típico de decreto, resoluções e instruções normativas, ser transferido sem criticidade ao texto de uma lei geral sobre a formulação de políticas públi-cas, com o perigo fundamental de a lei perder sua atualização e ter que ser constantemente remendada em legislaturas futuras.Referências Bibliográficas:ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Relatório da Direção Geral do Arquivo Nacional (1985-1989). Rio de Janeiro, 1989.ARQUIVO NACIONAL (Brasil). Relatório da Direção Geral do Arquivo Nacional (1980-1984). Rio de Janeiro, 1984.BARROS THB. A formação do arquivista no Brasil na região norte-nordeste: a construção de uma identi-dade profissional In: Gabriela Belmont de Farias (Org.) Interlocuções e novas perspectivas na educação em Ciência da Informação. São Paulo: ABECIN Editora, 2018. CAP 4. p.55-70CONFERÊNCIA NACIONAL DE ARQUIVOS. Ministério da Justiça. Relatório. Rio de Janeiro, 2011. MARQUES  AAC. Os espaços e os diálogos da formação e configuração da Arquivística como disciplina no Brasil. 2007. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da informação, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2007.MARQUES, AAC. Interlocuções entre a arquivologia nacional e a internacional no delineamento da disciplina no Brasil. 2011. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2011.MINTEGUI E; BARROS THB, KARPINSKI C. As formações discursivas da arquivologia na formulação e pro-posta de alteração da lei de arquivos brasileira. In: Anais do XX Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação - ENANCIB, 2019: Florianópolis. SC. 2019. 

A Lei de Arquivos do Brasil : apontamentos sobre seu impacto 30 anos depois

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