Carvalho, Michele Soares

Johan, Chantele Santos

Siqueira, André Boccasius

Portuguese

Lume 5.8

BARCELOS, Valdo. Uma Educação nos Trópicos: Contribuições da Antropofagia Cultural Brasileira, Petrópolis: Vozes, 2013.  André Boccasius Siqueira1 Chantele Santos Johan2 Michele Soares Carvalho3   Valdo Barcelos retrata o Brasil de ontem e de hoje. Com este belíssimo livro, o autor faz emergir a Antropofagia Cultural brasileira e insere este movimento à história da educação nacional de modo que o leitor queira saber mais, se inteirar com mais detalhes acerca do Movimento Antropofágico Brasileiro. O livro desperta que o leitor busque na fonte os autores que conversam com o escritor. O autor divide seu livro em quatro capítulos ou mordidas, como denominou cada um deles.  Na primeira mordida “Educação e Intercultura: Um olhar a partir dos trópicos” é onde Barcelos explica ao leitor de que se trata a “Educação nos Trópicos”, a que ele remete este tema. Leva o leitor à reflexão acerca de que base ou bases teóricas ele segue. O autor defende que nosso país tem escritores e cientistas suficientes na área da educação e do ensino de modo geral não precisando, nas dissertações e teses defendidas nas instituições nacionais, buscar referencial teórico                                                           1        Licenciado em Ciências: Habilitação em Biologia; Mestre em Educação Básica e Doutor em Educação pela UNISINOS. Professor Adjunto Universidade Federal do Rio Grande do Sul, campus Litoral Norte, com sede em Tramandaí/RS. Docente do curso de Licenciatura em educação do Campo: Ciências da Natureza. Membro do Grupo de Pesquisa “Análise e Planejamento Ambiental da Paisagem e Educação Ambiental” – AnPAP-EA/ PPGE/UNISUL/CNPq. 2      Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Palmeira das Missões/RS. Pós-Graduanda em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria. Professora da rede estadual de educação/Rio Grande do Sul. 3      Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria, campus Palmeira das Missões/RS. Extensionista Social Emater/RS ASCAR. Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, vol. 3, nº 5, 2015 ISSN 2317-6571                                                                                                             Siqueira, Johan & Carvalho 227 no “além mar”. Já alcançamos a maioridade epistemológica para endossar as pesquisas neste território.  Do exterior, importa-se conhecimento que pode ou não ser aproveitado no Brasil… ele defende que não… que já podemos romper com o “pensamento adesista e imitador de certa parcela da elite intelectual brasileira” (p. 25). O foco central do livro é a proposição de uma “pedagogia que valorize os conhecimentos científicos sem esquecer o papel fundamental, na formação das pessoas, dos saberes da experiência e da vivência” (p. 28). Em outros termos, a valorização do conhecimento adquirido pela comunidade acadêmica e também através da empiria de cada uma e cada um dos estudantes da educação básica e ensino superior.  Esta educação nos trópicos refere-se, sobretudo, a um amálgama das muitas culturas que temos contato. Assim, essa intercultura faz e refaz a educação, sem menosprezar o que é estrangeiro, pelo contrário, aproveitando o que nos é bom e nos valoriza enquanto cidadãos, nesta “Terra de Pindorama”.  Na segunda mordida “Da Cópia à Invenção: Assim estamos, porque copiamos”. O autor defende a tomada da linha de frente das teses e dissertações brasileiras pelos autores principais deste país.   Segundo o autor, àqueles que seguem a cegamente as “tendências da moda” (p. 38) educacional, “o destino mais provável é […] a morte intelectual e a subserviência cultural” (Id.). Dito de outro modo, a aplicação de teorias dessas terras é suficiente para dar conta dos nossos problemas educacionais.   Estamos na maioridade epistemológica nacional e na América Latina. É chegado o momento de referenciarmos nossos autores, nossos escritores, nossos pensadores, nosso modo de ser e viver… com novas ideias, novas imagens, novos aprendizados… No entanto, não defende o xenofobismo, outrossim, o aproveitamento daquilo que os estrangeiros têm de bom e adaptar a realidade brasileira. Para Barcelos, já “…está mais do que na hora de começarmos a contrabandear para dentro dos muros das academias e dos palácios, onde se alojam as burocracias e os portadores das ideias cristalizadas, um pouco de imaginação, de Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, vol. 3, nº 5, 2015 ISSN 2317-6571                                                                                                             Siqueira, Johan & Carvalho 228 invenção, de criação” (p. 45). E conclui: “enfim, de novidade para incomodar e desestabilizar as mesmices e as repetições que predominam e deixam sem nenhum colorido nossas práticas pedagógicas e educativas escolares” (p.45).   A educação nacional tem muitas pedagogias, porém, nenhuma delas contribui para que tivéssemos um modelo de educação de consenso ou específico. A “importação de modelos e fórmulas” (p. 47) sem que haja um mínimo de “contextualização, bem como seguir copiando alternativas que já se encontram em exaustão nos lugares onde foram criadas, é o primeiro e corajoso movimento de sairmos do atoleiro em que nos encontramos” (p. 47-48). Dito de outro modo, quando olharmos para nós mesmos e acreditarmos em nossa capacidade criadora, reverteremos os problemas educacionais brasileiros.  Ao abocanhar a terceira mordida, intitulada Antropofagia ontem e hoje/antropofagia e educação: agora ao alcance de todos, Valdo Barcelos faz um apanhado histórico da antropofagia. “Tratava-se de um rito que exprimia um modo de pensar, uma visão de mundo, que caracterizava certa fase da humanidade”, ou seja, um rito que traduza cultura de uma comunidade. Assim sendo, Valdo acrescenta que a antropofagia por gula (canibal) é uma prática alimentar que se contrapõem ao sentido ritualístico da antropofagia, a qual não se resume em alimentar, mas que tem diversos fins, proteger, curar, apropriar-se da sabedoria, entre outros.Nessa perspectiva, o termo antropofágico utilizado é de apropriação do saber do outro, incorporando aos do devorador.  Na década de 20, no século XX, nasceu o movimento denominado Antropofagia Cultural Brasileira, tendo como mentor Oswald de Andrade, o qual buscava como os demais adeptos romper com os modelos culturais, artísticos e políticos vindos da Europa, devorando esses modelos, digerindo-os e apropriando-se do que fosse pertinente para “criar e inventar aquilo que interessa, aquilo que faz feliz”.  Nomes celebres da cultura antropofágica são rememorados: Oswald de Andrade, Raul Bopp, Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Paulo Freire, Tarsila do Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, vol. 3, nº 5, 2015 ISSN 2317-6571                                                                                                             Siqueira, Johan & Carvalho 229 Amaral, Caetano Veloso, Augusto Boal, Helio Oiticica entre outros devoradores. E diversos produtos antropofágicos como o Manifesto Pau-Brasil (1924), Revista de Antropofagia (1928), O Manifesto Antropófago (1928), Macunaíma – o herói sem nenhum caráter (1928), Cobra Norato (1931) Cana Caiana (1939), Xenhenhém (1951), Catimbó (1951), Antropofagia ao alcance de todos (1972). As obras antropofágicas segundo Andrade (1990) reduziram a cacarecos os ídolos importados, para a ascensão dos totens raciais.  Assim, Valdo Barcelos reflete acerca da educação sob a perspectiva intercultural, partindo do único exemplo de antropofagia na educação brasileira, Paulo Freire (1921-1997) que constrói a educação a partir de questões emergentes da sociedade, dialogando com elas e com a cultura e as experiências e saberes dos alunos.   O autor instiga que assumamos a postura de Robin Hood dos antropófagos: saquear os nobres (europeus) e distribuir aos pobres (brasileiros de Pindorama) para romper a forma tradicional de fazer educação e para dar conta das necessidades educacionais. E que declaremos a aposentadoria do que não faz parte da realidade brasileira, partindo assim para o processo de devoração, para construir a educação livre e criativamente pelos povos através do diálogo devorativo como nos mostrou Paulo Freire.  Em sua quarta mordida, composta por dois textos, iniciamos a reflexão sobre a obra intitulada “Antropofagia e educação: diálogos e devorações interculturais (uma devoração necessária para sair da greve de fome)”. Barcelos cita algumas considerações de Darcy Ribeiro, o qual teve experiências com o grande educador Anísio Teixeira, onde há uma crítica radical em defesa da necessidade de mudanças urgentes na educação brasileira, além deste, ele utiliza diversos autores para explanar suas ideias acerca do assunto, tais como, Paulo Freire que não se cansava de repetir que, se a educação sozinha não muda o mundo, certamente o mundo sem educação também não muda; Miguel Arroyo que se debruça com seriedade e afinco para entender as causas do descompasso educacional, indagando a forma da Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, vol. 3, nº 5, 2015 ISSN 2317-6571                                                                                                             Siqueira, Johan & Carvalho 230 educação brasileira; Ferraço que aposta no diálogo com as manifestações cotidianas de solidariedade e de companheirismo, estabelecidas entre os educandos, como caminho para a criação de alternativas de organização escolar e curricular; Fleuri, que comenta os altos índices de abandono da escola, os quais ainda assistimos no ensino básico, que estão diretamente relacionados ao “acentuado caráter autoritário da escola”. Barcelos finaliza suas reflexões deste texto comentando um pouco da explicação para tanto desassossego na escola nos dias atuais, onde, quando se discute com os educadores as dificuldades do exercício profissional, aflora um sentimento de saudade, nostálgico, principalmente de professores que já estão presentes à um certo tempo no exercício da profissão, de uma escola distante, onde “tudo era perfeito”, alunos aprendiam e professores exigentes ensinavam... Deixando a incógnita: “Quem de nós não se deparou com um cenário deste tipo?”  O segundo texto que compõe a quarta mordida, é intitulado “Educação e antropofagia – de espectador a participador”. Barcelos começa esclarecendo que, ao propor uma educação com meta de transformar o tradicional educando, em ator do processo educativo, não quer desqualificar ou combater nenhuma das inúmeras teorias educacionais existentes. A intenção é contribuir com mais uma alternativa possível para ampliar as opções epistemológicas na educação brasileira. O autor, então, faz um convite aos leitores para uma reflexão sobre outras formas de pensar, de ver e de fazer educação, utilizando como embasamento pensadores como Hélio Oiticica onde propõe um diálogo entre a ideia de não arte e a ideia de educação-arte; Maturana e sua compreensão a respeito da responsabilidade na educação, onde somente pode haver responsabilidade a partir de si mesmo; Ximena Dávila e a condição individual de responsabilidade, além de outras referências à Oswald, Paulo Freire, Gauthier, Augusto Boal…  Valdo Barcellos encerra seu livro com reflexões no texto intitulado “Uma pausa para „ruminar‟: há luz no início do túnel” onde defende que, como em qualquer outra dimensão da vida social, não existem problemáticas à espera de Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, vol. 3, nº 5, 2015 ISSN 2317-6571                                                                                                             Siqueira, Johan & Carvalho 231 alguém que possa solucioná-las. Um problema só passa a existir, concretamente, quando o elegemos como tal.  A leitura do conjunto desta obra oferece, com coerência, clareza e seriedade, um projeto inacabado que está aberto a todas as contribuições dos educadores que ainda acreditam que outra ação pedagógica e educativa é possível, e que ela pode ter origem nos trópicos. É, portanto, um livro que instiga a reflexão do leitor… Um texto para ser refletido por docentes de todas as modalidades e níveis de ensino, desde a educação infantil, passando pelo ensino fundamental, o ensino médio e o superior.   REFERÊNCIAS  ANDRADE, O. Os dentes do dragão- entrevistas. São Paulo:  Globo, 1990   

BARCELOS, Valdo. Uma educação nos trópicos : contribuições da antropofagia cultural brasileira, Petrópolis : Vozes, 2013

https://lume.ufrgs.br/bitstream/10183/224122/1/001077456.pdf

BARCELOS, Valdo. Uma educação nos trópicos : contribuições da antropofagia cultural brasileira, Petrópolis : Vozes, 2013

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