Almeida, Luis Henrique Pio de

Nunes, Luciana Neves

Portuguese

Lume 5.8

 ISSN 2316-7785  547  MEDINDO A ATITUDE FRENTE À ESTATÍSTICA DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA  Luciana Neves Nunes Universidade Federal do Rio Grande do Sul lununes@mat.ufrgs.br  Luís Henrique Pio de Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul lh.pioalmeida@gmail.com   Eixo temático: Educação Estatística / Educação Financeira Modalidade: Comunicação Científica Categoria: Pesquisador(a)/Professor(a) de Nível Superior  Resumo Atualmente, é quase impossível ouvir um noticiário, ler uma revista ou até mesmo um anúncio sem se deparar com estatísticas. A Estatística já se tornou um idioma por si só e necessita ser compreendido. Com o objetivo de medir a atitude de futuros professores de matemática frente à Estatística, este trabalho avaliou os resultados obtidos com a aplicação da escala SATS-28 (Survey of Atitudes Toward Statistics) em uma população de 178 alunos do curso de Licenciatura em Matemática de uma Universidade Federal. Trata-se de um censo. Realizou-se a análise descritiva dos quatro componentes da escala: Afetivo, Competência Cognitiva, Valor e Dificuldade, discriminados por gênero, turno, grau de contato com Estatística e hábito de leitura. Verificou-se que o componente Dificuldade é o que teve a atitude menos positiva, apresentando a menor média que foi 3,76 pontos (DP=0,79), enquanto o componente Valor, com média de 5,79 (DP=0,67), teve a atitude mais positiva em uma escala de 7 pontos. Os alunos com maior grau de contato com a Estatística no Ensino Básico foram os que apresentaram os maiores escores. Com este trabalho foi possível concluir que os alunos do curso de graduação em Licenciatura em Matemática  548  desta Universidade apresentam, no geral, atitude favorável com relação à importância da estatística e sobre o conhecimento e habilidades intelectuais. Porém, no tocante às atitudes sobre sentimento e dificuldades em relação a Estatística, os alunos se posicionam, em grande parte, de maneira conflitante ou desfavorável.  Palavras-chave: Escala de Atitude; Educação Estatística; Licenciatura em Matemática; Ensino e Aprendizado.  Introdução Em nosso cotidiano, é quase impossível ouvir um noticiário, ler uma revista ou até mesmo um anúncio sem se deparar com estatísticas. Pela sua forma interdisciplinar é que a Estatística se insere nas mais diversas áreas do conhecimento, desde a Educação Básica até além da Universidade. Diversos cursos de graduação possuem disciplinas de Estatística em suas grades curriculares e nos níveis Fundamental e Médio e o ensino de Estatística já é previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Contudo, a Estatística é uma disciplina frequentemente deixada de lado pelos professores da Educação Básica, apesar de constar nas diretrizes curriculares. Para Nolan e Speed (1999), a dificuldade está em os professores não conseguirem relacionar a utilização da Estatística em situações reais. Esse viés na formação dos professores pode repercutir em atitudes negativas frente à Estatística, que são repassadas aos alunos, gerando um ciclo vicioso (Estrada et al. 2003).  Conforme De Brito (1998), a atitude pode ser definida como predisposição do sujeito a responder positiva ou negativamente frente a um objeto e isso pode dificultar o ensino e a aprendizagem. Ou seja, existem relações entre as atitudes do professor com seu desempenho em sala de aula e de seus alunos (Agne, 1994). Portanto, o objetivo principal deste estudo foi investigar a atitude de licenciandos em Matemática, atuais alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), frente à Estatística, tendo como meta a melhor compreensão da real problematização e a motivação de uma ação ainda por parte da Universidade, a fim de interromper o ciclo de atitudes negativas e promover a melhor qualidade do ensino de Estatística.  Educação Estatística e suas Competências  549  A Educação Estatística se preocupa com o desenvolvimento de uma postura investigativa, reflexiva e crítica do aluno. O documento Guidelines for Assessment and Instruction in Statistics Education (GAISE)1, produzido pela American Statistical Association (ASA)2, propõe para o ensino o estímulo de três competências: Letramento Estatístico, Pensamento Estatístico e Raciocínio Estatístico. Gal (2004) e Santana (2016) pressupõem conjuntos de componentes para definir o Letramento Estatístico. O primeiro se baseia (i) na habilidade de interpretar e avaliar criticamente os argumentos relacionados a uma pesquisa e (ii) na habilidade de comunicar e debater conclusões oriundas de um estudo estatístico. Já Santana discrimina cinco componentes inter-relacionados e embasados na presença de uma postura crítica apoiada em crenças e atitudes: (i) habilidades gerais de letramento, (ii) conhecimento estatístico, (iii) conhecimento matemático, (iv) conhecimento do contexto e (v) questionamentos críticos.  Para Pfannkuch e Wild (2004), o Pensamento Estatístico é caracterizado pela compreensão da natureza da amostragem e como as investigações devem ser conduzidas. Eles estabelecem cinco estruturas de pensamentos: (i) reconhecimento da necessidade de dados; (ii) transnumeração (mudança de representação); (iii) consideração de variabilidade; (iv) raciocínio com modelos; (v) integração contextual da Estatística. Campos et al. (2011) definem o Pensamento Estatístico como o entendimento de como os dados são produzidos, como as ferramentas de inferência são utilizadas no processo de investigação e como/porque os modelos de simulação são aplicados. Já o Raciocínio Estatístico envolve a capacidade e a habilidade de entender e explicar como um todo o processo estatístico. Segundo Garfield (2002), é a maneira de raciocinar sobre ideias e dar sentido às informações estatísticas. O ensino deve prover práticas que desenvolvam não apenas o raciocínio, mas também o Raciocínio Estatístico.  Atitude frente à Estatística                                                  1 Diretrizes para Avaliação e Instrução em Educação Estatística (tradução livre) 2https://www.amstat.org/asa/education/Guidelines-for-Assessment-and-Instruction-in-Statistics-Education-Reports.aspx  550  A atitude pode ser entendida como a tendência da pessoa de julgar determinados objetos como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Juízo embasado em experiências passadas, em respostas aprendidas ou reações emocionais condicionadas (Asch, 1952). Consequentemente, as decisões e escolhas são determinadas pela atitude. No ensino, dependendo da atitude do aluno frente a um certo objeto, a tomada de decisões pode atrapalhar a compreensão de conceitos. Uma atitude positiva pode levar o aluno a ter interesse e querer aprender mais. Em contrapartida, quando negativa, a atitude pode tornar o aprendiz nervoso, ansioso, com medo e sem interesse em aprender (De Brito,1998). Na Educação Estatística, devem ser desenvolvidos os conhecimentos estatísticos e matemáticos. Mas, além disso, é interessante que os estudantes se portem de forma ativa, questionando e avaliando criticamente as informações. Para tanto, uma atitude positiva é fundamental para o desenvolvimento de uma postura crítica. Nas últimas décadas foram desenvolvidos diversos instrumentos para medir essa atitude. Nesta pesquisa optou-se por utilizar a escala SATS-28, visto se tratar de um instrumento multidimensional e que tem sido largamente difundido e utilizado em estudos nacionais e internacionais. Originalmente proposta por Schau et al. (1995), a escala SATS foi adaptada e traduzida para língua portuguesa por Vendramini et al. (2011), composta por 28 itens do tipo likert com 7 pontos. Quanto maior a pontuação final, mais positiva é a atitude frente à Estatística. A versão SATS-28 apresenta quatro componentes: Afetivo, Competência Cognitiva, Valor e Dificuldade.  Metodologia Este é um estudo do tipo levantamento censitário, cuja população é formada pelos estudantes da Licenciatura em Matemática da Universidade Federal XXX (UFXXX) matriculados em disciplinas no segundo semestre de 2019. A coleta de dados foi realizada no formato presencial. Foram incluídas 13 turmas do turno diurno e 11 do noturno. Com autorização do professor, a abordagem dos estudantes foi em sala de aula. Os discentes foram convidados para responder um questionário que continha variáveis demográficas e o instrumento SATS-28, após a leitura do Termo de Consentimento.  551  Foi realizada a análise descritiva dos dados demográficos, tal que as variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão (DP) e as variáveis qualitativas por frequências absoluta e relativa. A análise das quatro dimensões do SATS-28 foi dividida em duas etapas: (i) os componentes foram analisados de forma geral; (ii) os resultados foram discriminados por turno, gênero, grau de contato com a Estatística na educação básica e hábito de leitura, a fim de se verificar possíveis diferenças nas atitudes dos alunos. Para análise estatística utilizou-se os softwares Excel, SPSS v.18.0 e R-Project v. 3.6.0.  Resultados Entre 18/10/2019 e 13/11/2019 foram entrevistados 178 (53,6%) estudantes, de 334 matriculados. Dos 178 respondentes, 102 (57,6%) eram do turno diurno, e 75 (42,4%) do noturno, e um estudante não informou o turno. A maior prevalência foi identificada no gênero masculino (63,5%), baixo grau de contato com a Estatística (78,7%), sem outra formação (60,6%) e com pouco hábito de leitura (43,8%) (Tabela 1). O gênero masculino representou 57,8% do turno diurno com média de idade de 23,2 anos. No curso noturno, 70,7% eram homens, com média de idade de 30,1 anos. Já a idade média das mulheres foi 22,6 anos para o turno diurno e 28,6 anos para o turno noturno. O fato de os alunos do turno noturno terem mais idade, quando comparados ao turno diurno, pode justificar o maior percentual de alunos que já realizaram outro curso (concluído ou não), que foi de 27,7% e 54,8% para diurno e noturno, respectivamente. (Tabela 1)  Tabela 1: Caracterização dos alunos por turno e geral. Variável   Diurno Média (DP)  ou n (%) Noturno Média (DP) ou n (%) Geral Média (DP) ou n (%) Idade (anos)  22,9 (5,7) 29,7 (11,5) 25,8 (9,2) Idade/Gênero Masculino 23,2 (5,8) 30,1 (11,8) 26,4 (9,7)  Feminino 22,6 (5,6) 28,6 (10,9) 24,6 (8,3) Gênero Masculino 59 (57,8%) 53 (70,7%) 113 (63,5%)  Feminino 43 (42,2%) 22 (29,3%) 65 (36,5%) Grau de Contato Nenhum 22 (21,6%) 10 (13,3%) 32 (18,0%)  Baixo 77 (75,5%) 62 (82,7%) 140 (78,7%)  Alto 3 (2,9%) 3 (4,0%) 6 (3,4%)  552  Outro Curso Sim 28 (27,7%) 40 (54,8%) 69 (39,4%)  Não 73 (72,3%) 33 (45,2%) 106 (60,6%) Hábito de Leitura Raramente 20 (19,6%) 19 (25,3%) 39 (21,9%)  Pouco 50 (49,0%) 27 (36,0%) 78 (43,8%)  Bastante 32 (31,4%) 29 (38,7%) 61 (34,3%) Fonte: Preparado pelos autores O questionário SATS-28 é avaliado em quatro componentes diferentes de atitude: Afetivo, Competência Cognitiva, Valor e Dificuldade. A pontuação final é avaliada para cada componente em termos da média das questões. A Tabela 2 apresenta medidas descritivas dos escores para cada componente.  Tabela 2: Descritiva dos componentes de atitude  Mínimo Máximo 1º Quartil Mediana 3º Quartil Média Desvio padrão Afetivo 1,00 7,00 3,83 4,67 5,17 4,52 1,08 Cognitivo 2,83 6,67 4,67 5,00 5,50 5,01 0,69 Valor 3,33 7,00 5,44 5,89 6,22 5,79 0,67 Dificuldade 1,43 5,57 3,14 3,71 4,29 3,76 0,79 Fonte: Preparado pelos autores Conforme a Tabela 2, verifica-se que 25% dos respondentes obtiveram um escore inferior à 3,14 na componente Dificuldade, mostrando uma atitude pouco positiva. Já em relação ao Valor, 50% dos entrevistados obtiveram escore maior à 5,89, indicando uma atitude positiva neste componente. Observa-se que há certa diferença entre os resultados das atitudes, sendo o componente Dificuldade o que apresentou menores pontuações, com média de 3,76, enquanto o Valor, com pontuação média de 5,79, apresentou os maiores escores.  Identificada uma atitude mais positiva dos alunos em termos do Valor e mais prejudicada em termos da Dificuldade, buscou-se alguma relação com o perfil dos alunos. A Tabela 3 apresenta a média e os desvios padrão dos componentes de atitude conforme o perfil dos alunos.  Tabela 3: Caracterização dos componentes apresentados em média (desvio padrão)  Dimensões  Afetivo Cognitivo Valor Dificuldade Gênero Masculino 4,75 (0,96) 5,12 (0,64) 5,77 (0,70) 3,76 (0,80) Feminino 4,13 (1,15) 4,82 (0,73) 5,83 (0,61) 3,75 (0,77) Turno Diurno 4,37 (1,09) 4,99 (0,66) 5,76 (0,68) 3,75 (0,77) Noturno 4,72 (1,04) 5,04 (0,73) 5,84 (0,66) 3,76 (0,81)  553  Grau de Contato Nenhum 3,98 (1,07) 4,67 (0,80) 5,76 (0,68) 3,53 (0,69) Pouco 4,61 (1,05) 5,06 (0,64) 5,79 (0,68) 3,80 (0,80) Bastante 5,28 (0,81) 5,58 (0,35) 5,85 (0,43) 3,95 (0,90) Outro Curso Sim 4,90 (0,98) 5,17 (0,64) 5,78 (0,69) 3,76 (0,75) Não 4,28 (1,08) 4,91 (0,71) 5,80 (0,66) 3,74 (0,81) Hábito Leitura Raramente 4,47 (1,05) 5,08 (0,69) 5,68 (0,79) 3,76 (0,83) Pouco 4,47 (0,99) 4,93 (0,72) 5,71 (0,60) 3,83 (0,72) Bastante 4,62 (1,20) 5,07 (0,64) 5,95 (0,66) 3,66 (0,84) Geral 4,52 (1,08) 5,01 (0,69) 5,79 (0,67) 3,76 (0,79) Fonte: Preparado pelos autores Nota-se uma atitude mais positiva para os homens, nos componentes Afetivo e Cognitivo, com médias de 4,75 e 5,12, respectivamente, enquanto as mulheres apresentaram médias de 3,13 e 4,82. No componente Afetivo, o escore médio do noturno de 4,72 foi maior que o diurno, de 4,37. Logo, parece que os alunos do diurno têm atitude mais negativa frente a Estatística, comparados aos do noturno. Talvez essa diferença se deva ao fato de os estudantes do noturno serem mais velhos, com média de 29,7 anos, e ter maior percentual (54,8%) de alunos que já frequentaram outro curso superior (Tabela 1).  Para quem que já cursou outro curso superior, a atitude nos componentes Afetivo e Competência Cognitiva é mais positiva, com médias de 4,90 e 5,17, em relação a quem está pela primeira vez no ensino superior, pois estes apresentaram média de 4,28 e 4,91, respectivamente. Já o hábito de leitura não se demonstrou relacionado a nenhum dos componentes da atitude. Percebe-se apenas que o grupo que se julga ler bastante apresentou a média do componente Valor um pouco mais elevada. Por fim, o grau de contato com a Estatística na Educação Básica sugere ser uma das principais características relacionadas com a atitude, demonstrando que a atitude de quem teve bastante contato com a Estatística é mais positiva em relação àqueles que tiveram menos contato, nos componentes Afetivo, Cognitivo e Dificuldade, apesar de serem poucos os estudantes que tiveram essa oportunidade de bastante contato (Tabela 3).  Conclusões Os resultados mostraram que os estudantes entrevistados apresentam atitudes favoráveis com relação à importância da estatística (Valor), o conhecimento e as habilidades intelectuais  554  (Competência Cognitiva). Porém, no tocante as atitudes sobre sentimento (Afetivo) e dificuldades (Dificuldade), os alunos se posicionaram de maneira menos positiva.  Estes resultados trazem suporte para que haja mais envolvimento nas disciplinas de Estatística das Licenciaturas. Os cursos de formação de professores de Matemática devem oferecer subsídios para proporcionar o desenvolvimento das três competências: (1) o Letramento Estatístico, de modo a trabalhar as informações e a linguagem num contexto de discussão social, valorizando atitudes e promovendo discussões nas quais os futuros professores possam usar a estatística como evidência em suas argumentações; (2) o Pensamento Estatístico, buscando a relação dos dados com situações concretas e aplicadas; e (3) o Raciocínio Estatístico, estimulando a capacidade de interpretar os dados, fundamental para a formação do cidadão. Revelado o grande número de estudantes com sentimentos negativos ou conflitantes e apenas uma pequena parte com atitude favorável, em termos da Dificuldade, pode-se concluir que a abordagem da Estatística deva ser repensada, de forma a ser levada em consideração as atitudes, possibilitando, assim, uma maior aproximação do licenciando com a área e um maior desenvolvimento das três competências. Se os professores tiverem atitude negativa, isto pode contribuir para a formação de sujeitos com atitudes negativas frente à Estatística ainda no Ensino Básico. Uma mudança nas disciplinas do curso, possibilitando uma postura investigativa, reflexiva e crítica, poderia promover o ensino e a aprendizagem da Estatística de forma a incentivar atitudes mais positivas. Portanto, destaca-se a relevância de conhecer o perfil atitudinal dos alunos de Licenciatura em Matemática, dado que atitudes mais favoráveis podem levar a melhor desempenho e aprendizagem dos conceitos ministrados.   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Medindo a atitude frente à estatística de licenciandos em Matemática

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