Bogni, André

Bracagioli Neto, Alberto

Santos, Andrey dos

Portuguese

Lume 5.8

 Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.  Questão Agrária e Agroecologia em Regiões Metropolitanas: Complementaridades de Norte a Sul do Brasil Agrarian Question and Agroecology in Metropolitan Regions: Complementarities from North to South of Brazil  SANTOS, Andrey dos1; BOGNI, André2; BRACAGIOLI, Alberto3;  1, 2, 3PGDR/UFRGS, andreyyhenrique@hotmail.com; andrebog@hotmail.com; abracagioli@gmail.com  Eixo temático 1: Agriculturas Urbana e Periurbana  Resumo: Na contramão da lógica exploratória das longas cadeias de comercialização de produtos agrícolas, recorrentemente associadas ao cerceamento da autonomia dos pequenos agricultores, os circuitos curtos têm promovido conexões benéficas, auxiliando na sustentação de processos socioprodutivos referenciados pela agroecologia, sobretudo em assentamentos e acampamentos da reforma agrária. As redes de complementaridade que se conformam nesses contextos, unindo produtores e consumidores, ganham especial relevância em áreas metropolitanas, dado o potencial catalisador desses espaços. Para ilustrar a contribuição dessas redes para a continuidade dos movimentos sociais em torno da produção agroecológica, este trabalho apresenta dois contextos empíricos. O primeiro diz respeito à Feira Orgânica de Belém e ao Grupo para Consumo Agroecológico, na Região Metropolitana de Belém; e o segundo compartilha dados levantados pelo Projeto Nexus em feiras e assentamentos da Região Metropolitana de Porto Alegre. Palavras-chave: questão agrária; circuitos curtos; agroecologia; regiões metropolitanas. Keywords: agrarian question; short circuits; agroecology; metropolitan regions.  Introdução  Acompanhando reflexões do próprio Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e frente também à uma crescente demanda urbana por produtos mais saudáveis, frescos e nutritivos, diversos assentamentos e acampamentos de luta pela terra, próximos, ou mesmo inseridos em regiões metropolitanas vêm se baseando na agroecologia para transformar suas matrizes produtivas. Nesse sentido, as relações que têm se estabelecido entre “campo e cidade” também se colocam como parte da questão agrária, com grande potencial para auxiliar e sustentar a composição de sistemas socioprodutivos alinhados à agroecologia e ao desenvolvimento rural.  Opondo-se à lógica exploratória das longas cadeias de valor, operadas pelos impérios alimentares que se conformaram a partir da globalização das cadeias produtivas (PLOEG, 2008), os circuitos curtos têm devolvido aos próprios agricultores a capacidade de influenciar os caminhos que seus produtos percorrem. No olhar da agroecologia, esse aspecto se torna um ponto elementar, pois além de novos formatos técnico-produtivos, a transição agroecológica pressupõe também a conformação de novos formatos político-organizativos, que dialoguem e sejam respaldados nos sujeitos que participam das relações estabelecidas entre consumo e produção.   Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020. Pretende-se, com este trabalho, ilustrar o potencial benéfico dos laços que têm se conformado entre campo e cidade a partir do compartilhamento de dois contextos metropolitanos do País: Belém-PA e Porto Alegre-RS. Os casos ampliam a concepção da complexidade da questão agrária contemporânea.  Metodologia  Partindo de uma metodologia qualitativa, a pesquisa envolveu duas fases. Na Região Metropolitana de Belém (RMB), a investigação se deu a partir de elementos da pesquisa-ação, entrevistas semiestruturadas, conversas informais e diários de campo e ocorreu no assentamento Abril Vermelho (Município de Santa Bárbara), acampamento Jesus de Nazaré (Município de Santa Izabel) e na feira orgânica de Belém – Pará Orgânico. A pesquisa nessa região está em andamento desde 2016.  Complementarmente, as incursões realizadas na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) fazem parte das atividades de pesquisa desenvolvidas no âmbito do projeto Nexus (Chamada MCTIC/CNPq Nº 20/2017), realizadas em equipe interdisciplinar. Os dados levantados foram construídos a partir de diversas atividades de campo, como oficinas participativas nos assentamentos (com destaque para o Filhos de Sepé, localizado no Município de Viamão), entrevistas semiestruturadas, visitas às propriedades, aplicação de questionários, dentre outras ferramentas qualitativas.  A opção de abordar os dois contextos metropolitanos se deu a partir da percepção de pontos em comum entre os casos, que, compartilhados, podem auxiliar na composição de um panorama ainda mais amplo acerca da complexidade da questão agrária contemporânea.  Resultados e Discussão  A dimensão da questão agrária  A questão agrária será trabalhada a partir de uma perspectiva multifacetada, na qual ela não é compreendida enquanto algo do passado, mas ao contrário, como algo que existe e se manifesta nas mais diferentes formas no cotidiano. Ela está presente nas ocupações e acampamentos de luta pela terra; no latifúndio, no agronegócio e na produção de commodities; na difusão de experiências agroecológicas, na priorização do mercado externo para o escoamento produtivo, na construção de mercados alternativos de base solidária, dentre tantas outras formas (MARCOS, 2016). A questão agrária extrapola os limites do espaço agrário, invadindo de forma avassaladora outros espaços, sendo um deles o urbano. Da mesma forma, a agroecologia será aqui compreendida também enquanto elemento que transpassa as fronteiras das propriedades rurais, assumindo seu significativo potencial enquanto ferramenta de transformação social, dando sustentação e auxiliando na composição de projetos de vida para além das perspectivas hegemônicas (ALMEIDA, 2003).   Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.  As múltiplas manifestações da questão agrária na Região Metropolitana de Belém/PA  A Região Metropolitana de Belém reúne sete municípios do Estado do Pará, sendo eles: Ananindeua, Belém, Benevides, Castanhal, Marituba, Santa Bárbara do Pará e Santa Izabel do Pará, com uma extensão territorial total de 3.565,8 km², e população de 2,275 milhões de habitantes (IBGE, 2010).  Nesse contexto encontram-se acampamentos e assentamentos de reforma agrária que lutam para consolidar uma matriz produtiva referenciada pela agroecologia. Um importante espaço que tem auxiliado no escoamento produtivo dessas áreas é a Feira Orgânica de Belém. Operando desde 2007, a feira ocorre nas praças Brasil e Batista Campos, concentrando diversos produtos advindos da região metropolitana e de outras localidades do nordeste paraense.  Dentre os agricultores da feira orgânica encontram-se membros do assentamento Abril Vermelho. O assentamento foi criado em 2007 e organizado inicialmente pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – que atualmente não é mais homogêneo no assentamento. No local há criação de pequenos animais, produção de culturas perenes, de ciclo curto, além de Sistemas Agroflorestais (SAFs). Os alimentos são transportados e comercializados na feira orgânica em Belém.   As feiras ao ar livre manifestam uma nova ruralização dentro do tecido urbano, implicando novos tipos de relações sociais que configuram o espaço urbano num novo contexto e que interferem significativamente nos circuitos lógicos das grandes firmas comerciais de alimentos, como os supermercados, hipermercados etc. Contudo, nada disso acontece de maneira tranquila e sem dificuldades.  O acampamento Jesus de Nazaré conta com seis anos de r-existência organizada pelo MST. O acampamento conta com uma alta produção de alimentos, situando-se em um processo de transição agroecológica, contando também com a presença de SAFs no local. A produção de alimentos tem sido fundamental para criar uma relação de pertencimento com aquele território. Porém, os acampados ainda sofrem com a falta de energia elétrica e com dificuldades no escoamento de suas produções. Muitos acabando reféns da figura do “atravessador”, que vende suas produções a um preço extremamente baixo, comparado ao valor de mercado.  Auxiliando a superar esses desafios, o Grupo Para Consumo Agroecológico (GRUCA) tem atuado na região metropolitana, coletando a produção dos acampamentos e assentamentos e posteriormente comercializando essa produção no centro da cidade de Belém. O grupo atua com base na autogestão, na horizontalidade, no apoio mútuo e na confiabilidade entre os envolvidos, compondo relações justas que têm auxiliado na complementação da renda de famílias do acampamento Jesus de Nazaré, e se colocando como parceiros na continuidade das lutas dos movimentos.  Questão agrária em rede: O caso da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS  Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020.  A Região Metropolitana de Porto Alegre é composta por 34 municípios, que juntos abrigam cerca de 4,4 milhões de pessoas, 37% da população total do Rio Grande do Sul (MARTINS, 2013). Apesar de a maioria dos seus habitantes se concentrar no espaço urbano, a RMPA possui uma expressiva zona rural, correspondendo a aproximadamente 77% da área total (IBGE, 2010). Nesse amplo contexto, a presença de assentamentos de reforma agrária se destaca, havendo cerca de 1400 famílias distribuídas nos 16 assentamentos da região (CAMPOS e MEDEIROS, 2012).  Assim como no caso da RMB, em várias dessas localidades também se observam iniciativas de produção orgânica e agroecológica, que se fortalecem com a conformação de grupos de produção entre os assentamentos. Destacam-se nesse âmbito o Grupo Gestor das Hortas e o Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, trabalhando no acúmulo de experiências e no apoio e ampliação dos cultivos agroecológicos de hortaliças e de arroz, sendo o Assentamento Filhos de Sepé, localizado em Viamão, o maior produtor de arroz agroecológico da América Latina, com aproximadamente 1500 ha cultivados anualmente.  O potencial dos municípios da RMPA em absorver os alimentos produzidos pelos assentamentos é enorme, havendo, semanalmente, cerca de 38 feiras com participação do MST. Além desses espaços, existem outros meios que complementam o escoamento produtivo, como grupos de consumo, cestas, sites de vendas, aplicativos de celular, e o próprio CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura).  Apesar de apresentar uma rede talvez um pouco mais consolidada que o caso paraense, os assentamentos da RMPA também enfrentam dificuldades, muitas delas relacionadas ao contexto político do País. Frente a um cenário de constantes esvaziamentos das políticas públicas voltadas para o escoamento produtivo, como o PAA e PNAE por exemplo, a produção agroecológica dos assentamentos vem sendo cada vez mais sustentada pelas próprias redes que têm se estabelecido, auxiliando na continuidade dos grupos produtivos e de seus processos organizativos em torno da agroecologia.  Para (não) concluir; para seguir…  Os casos compartilhados chamam a atenção para a importância dos canais justos de comercialização para a continuidade produtiva em áreas de reforma agrária no País. Considerando a desfavorável conjuntura política que atravessa o Brasil, é cada vez mais delicada a situação dos movimentos sociais do campo. Nesse sentido, a continuação desses movimentos tem dependido cada vez mais de suas próprias redes e capacidade de articulação, tanto entre si, quanto com os sujeitos envolvidos na destinação final dos alimentos produzidos. Nesse aspecto, os canais curtos de comercialização têm demonstrado grande potencial em sustentar transições para meios de produção referenciados na agroecologia.    Cadernos de Agroecologia – ISSN 2236-7934 - Anais do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, São Cristóvão, Sergipe - v. 15, no 2, 2020. As duas regiões metropolitanas abordadas possuem suas especificidades e singularidades regionais. A construção da agroecologia nas áreas estudadas no Pará teve processos de desenvolvimento diferentes em relação ao espaço-tempo das experiências mencionadas no Rio Grande do Sul, assim como variaram os processos organizativos do próprio MST em cada região estudada. Apesar das particularidades, em ambos os casos ressalta-se a relevância dos elos benéficos que se projetam entre as áreas de reforma agrária e a população das regiões metropolitanas. As conexões conformadas nesse sentido extrapolam os limites estabelecidos entre urbano e rural, auxiliam na continuidade das lutas pelo território, e, mais do que isso, fazem parte essencialmente da questão agrária contemporânea.  Referências bibliográficas  ALMEIDA, J. A agroecologia entre o movimento social e a domesticação pelo mercado. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 24, n. 2, p. 499-520, 2003.  CAMPOS, C. S. S. e MEDEIROS, R. M. V. Avanços e contradições da produção orgânica nos assentamentos – o caso do arroz na região metropolitana de Porto Alegre. Anais do XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária. Uberlândia, 2012.  INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censos Demográficos 2010. Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: maio de 2019.  MARCOS, V. Novas (ou) velhas alternativas para o campo na Amazônia e a questão agrária na atualidade. In: MACEDO, C.; BRINGEL, F.; SOUSA, R.; SANTANA, R. (Orgs.). Os “nós” da questão agrária na Amazônia. Belém-PA, editora Açaí, 2016. p. 9-26.  MARTINS, C. M. R. Caracterização da Região Metropolitana de Porto Alegre. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser. Porto Alegre, 2013.  VAN DER PLOEG, J. D. Camponeses e Impérios Alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. UFRGS Editora, 2008.   

Agrarian question and agroecology in metropolitan regions : complementarities from north to south of Brazil

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Agrarian question and agroecology in metropolitan regions : complementarities from north to south of Brazil

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