Primeiro suporte fonográfico a ter alcance global (Gronow 1983), o disco de
78 rpm foi também a base de um gigantesco sistema capitalista voltado para a comercialização de gravações que operou durante boa parte do século XX. Tanto no Brasil quanto em Portugal, a salvaguarda desta produção discográfica – hoje obsoleta em termos tecnológicos –, passou sempre pela ação de colecionadores particulares, dada a ausência de arquivos sonoros oficiais em ambos os países. Estes colecionadores detêm, de forma geral, grande conhecimento – ainda que extra-acadêmico – sobre aspectos técnicos destes arquivos sonoros, além
de estabelecerem ligações afetivas com as suas coleções. Este artigo versa sobre relações de mediação e construções de sentido entre colecionadores brasileiros e portugueses de discos 78 rpm e procura estabelecer uma reflexão sobre acervos discográficos à luz de um duplo referencial teórico: por um lado os estudos etnomusicológicos que entendem arquivos sonoros não como simples repositórios de som, mas como saberes fragmentados e inacabados que estão necessariamente sob ingerências políticas, ideológicas e estéticas (García 2011); por outro, o escopo de uma recente sociologia da música (De Nora 2000; Hennion 2002) que propõe um novo olhar sobre a figura do amateur, incluindo-se neste conceito os olecionadores de discos. Tal como propõe Hennion (2011) procuro entendê-los não como canais neutros por onde relações sociais pré-determinadas operam, mas como mediadores ativos na construção de diferentes significados sobre música. Neste sentido, o artigo procura discutir o arquivo sonoro como elo-base de uma cadeia de mediações construída entre sujeitos (os colecionadores) e objetos (os discos físicos) para a produção de um caleidoscópio de sentidos, expressos em feixes fragmentados de discursos que misturam memórias, redes afetivas,
gostos estéticos e ideias de pertencimento e estranhamento