Resenha: RIDENTI, Marcelo. Brasilidade revolucionária. São Paulo: Editora UNESP, 2010 (192 p.

Antonio Ozaí da Silva

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 128 resenha: RIDENTI, Marcelo. Brasilidade revolucionária. São Paulo: Editora UNESP, 2010 (192 p.)  Intelectuais, cultura e engajamento político Antonio Ozaí da Silva*   Brasilidade, afirma o Dicionário Aurélio, é a “propriedade distintiva do brasileiro e do Brasil”. É o que nos caracteriza enquanto brasileiros e define a especificidade do Brasil. A definição dicionarística não dá conta da complexidade do conceito. Da esquerda à direita, é possível interpretar a brasilidade sob os mais diversos enfoques. A opção de Marcelo Ridenti1, como o título do livro sugere, “tem um caráter provocativo e se refere a aspectos de uma vertente específica de construção da brasilidade, aquela identificada com idéias, partidos e movimentos de esquerda – e presente também de modo expressivo em obras e movimentos artísticos” (p.10). É a brasilidade de recorte político-ideológico bem-definido. Este campo, porém, constitui-se de diversas forças. A brasilidade revolucionária configura-se enquanto “herdeira de lutas sociais diversificadas que geraram amálgamas e rupturas entre o anarquismo, o positivismo, o tenentismo, o comunismo e outras inspirações políticas e intelectuais” (p.11). Sua análise histórica leva em consideração continuidades e descontinuidades. O exemplo analisado no primeiro capítulo, a vida e obra de Everardo Dias, inclui-se nesta perspectiva. Intelectual militante e contestador da República Velha, Everardo Dias transitou “da maçonaria anarquismo, do livre pensamento ao comunismo, do republicanismo ao tenentismo”, revelando os amálgamas e as contradições da vida. Ele “expressa o sentimento de brasilidade revolucionário nascente, em seu encontro de imigrante originário do movimento operário paulistano – forçado ao exílio em nome de supostos valores nacionais que os grevistas de 1919 estariam violando – com os trabalhadores “morenos” do Recife” (p.11).  A partir do estudo da vida e obra deste militante, Ridenti expõe as condições em que se deram as lutas sociais na república antirepublicana, a repressão a que estavam submetidos os contestadores que, como Everardo Dias, ousaram rebelar-se. É neste turbilhão que “ia se constituindo uma percepção difusa de brasilidade revolucionária”  129 (Id., p.42). Everardo Dias não é o único, mas é exemplar. A brasilidade revolucionária é construída a partir das lutas sociais, da ação de militantes abnegados. A sua conformação inclui os “contraditórios da vida humana” e misturas insólitas que geraram o Partido Comunista do Brasil (PCB). Neste, mesclaram-se aspectos da ideologia anarquista, do tenentismo e, claro, do comunismo. Para o autor, a militância do PCB, bem como os simpatizantes, “foram agentes expressivos na elaboração da brasilidade revolucionária”. Mesmo nas fases mais agudas e difíceis, como não auge da Guerra Fria, se manteve “uma relação complexa de artistas e intelectuais com o Partido”. Esse é o objeto de análise do segundo capítulo, em especial os aspectos dessa relação “no contexto da modernização da sociedade brasileira na década de 1950” (p.11).  Um aspecto a ressaltar nesta reflexão diz respeito à postura do autor em recusar a simplificação. Em suas palavras: “Essa relação não caberia numa equação simples, como a que propõe que a militância comunista de intelectuais e artistas fazia parte de um desejo de transformar seu saber em poder. Tampouco seria adequado, no outro extremo, supor que houvesse mera manipulação dos intelectuais pelos dirigentes do PCB. Não se trata essencialmente de uso indevido e despótico da arte e do pensamento social para fins que lhes seriam alheios, mas de uma relação intrincada com custos e benefícios para todos os agentes envolvidos, implicando ainda uma dimensão utópica que não se reduz ao cálculo racional” (p. 57). No terceiro capítulo, o autor parte das reflexões de Raymond Williams sobre as “estruturas de sentimentos”2 para analisar a rebeldia dos artistas e intelectuais nos anos 1960 e a sua herança. Nesta década, no cinema, no teatro e na música, multiplicam-se as manifestações do imaginário crítico. Este florescimento cultural e político,  “ligava-se a uma série de condições materiais comuns a diversas sociedades em todo o mundo: aumento quantitativo das classes médias; acesso crescente ao ensino superior; peso significativo dos jovens na composição etária da população, num cenário de crescente urbanização e consolidação de modos de vida cultural típicos das metrópoles, num tempo de recusa às guerras coloniais e imperialistas” (p.95). Neste contexto, intensificam-se as relações entre os artistas e os militantes políticos da esquerda. São várias as formas de vinculação com a militância política comunista, mas também deve-se considerar o contingente significativo dos que não são impactados pelos acontecimentos políticos da época, mantendo-se alheios à política. Nem todos eram engajados; havia também “a alienação total”.  O engajamento político reforça a brasilidade revolucionária. Por outro lado, as transformações sociais e a modernização autoritária promovida pelos governos militares do pós-1964 ampliaram as possibilidades de emprego e recrutamento dos rebeldes da década de 1960. Promoveu-se a reacomodação institucional e a reintegração destes à ordem: “Aos poucos, a institucionalização de intelectuais e artistas neutralizaria eventuais sonhos revolucionários, que conviveriam com e cederiam espaço ao investimento na profissão, no qual prevaleceria a realidade cotidiana  130 da burocratização e do emprego, levando muitos jovens contestadores dos anos 1960 a carreiras de sucesso individual nas artes, na universidade, na imprensa, na televisão, nos negócios e também no meio político profissional, apesar da derrota de seus projetos revolucionários – independente de terem ou não sido abandonados por eles, agora em outro contexto” (p.119). A análise deste processo de adaptação dos insubordinados é retomada pelo autor no último capítulo (Intelectuais na (re)democratização: Marshall Berman e seu público brasileiro). Antes, porém, Ridenti examina a questão da terra no cinema e na canção: dualismo e brasilidade revolucionária. Seu ponto de partida é a obra de Jean-Claude Bernardet, Cineastas e imagens do povo, a qual indicaria a “afinidade eletiva do cinema do período com as teses dualistas” (p.122). A análise dos filmes e canções demonstra o engajamento político dos artistas, especialmente com a questão da terra. Não obstante, o autor observa que estas afinidades eletivas sofreram a influência do processo de modernização conservadora sob a ditadura. Cada vez mais, essa relação passaria a ser mediada pelo mercado. Dessa forma, “os aspectos questionadores iam-se diluindo diante da poderosa influência da poderosa indústria cultural que se firmava, até mesmo criando um lucrativo mercado de contestação à ordem estabelecida” (p. 143). Eis como se dá o processo de reacomodação. “Muitos dos cineastas, compositores da canção popular, atores, dramaturgos e outros artistas contestadores nos anos 1960 viriam a fazer sucesso, por exemplo, na maior instituição da indústria cultural brasileira atual: a Rede Globo de Televisão”, afirma Ridenti. É preciso, também, considerar o fator repressivo da conjuntura política ditatorial.  No último capítulo, o autor faz uma reflexão sobre os intelectuais na sociedade brasileira da década de 1980 em diante. É um período em que se desvanece a brasilidade revolucionária enquanto “estrutura de sentimento”. Ridenti aborda este tema a partir da análise sobre a recepção da obra Tudo que é sólido desmancha no ar, de Marshall Berman (Companhia das Letras, 1986). Nesta perspectiva, ele examina “o entrelaçamento entre o campo intelectual e a indústria cultural no Brasil, bem como as relações entre o mercado e o pensamento de esquerda” (p.145). A leitura de Brasilidade revolucionária se faz necessária para a compreensão dos desafios que envolvem a militância política dos intelectuais, artistas, etc. Também contribui para a reflexão sobre a trajetória da esquerda brasileira no último século e a herança legada à geração hodierna. Ela insere-se na perspectiva aberta para um balanço necessário da práxis política dos que trilharam os caminhos da esquerda e daqueles que permanecem rebeldes e insubordinados.  A obra de Marcelo Ridenti tem o mérito de desvelar a complexidade que encerra o engajamento político. A realidade não se restringe a duas cores, nem é apenas cinzenta; os maniqueísmos são prejudiciais. A vida é um rico processo e mesmo os que afirmam o intento de transformar o mundo não estão livres das contradições inerentes ao viver. Por fim, se os obstáculos são hercúleos, não são insuperáveis. Como escreve Ridenti,  “...os caminhos seguem entretanto abertos, e são vários. Seja o da “sociologia como esporte de combate” proposta por Bourdieu3,  131 ou da “sociologia pública” incentivada por Burawoy (2009)4, para ficar apenas no domínio dessa disciplina. Sem contar a continuidade renovada do materialismo histórico. Afinal, como ensinavam velhos mestres, tudo que existe merece perecer. Tudo que é sólido desmancha no ar” (Id., p. 176). Claro, ainda permanece a opção da acomodação e adaptação. A quem deseja, porém, seguir a lição dos mestres e aprender com a história, ler Brasilidade Revolucionária é uma contribuição ao esclarecimento dos caminhos já percorridos e dos dilemas que envolvem caminhar por outras veredas.                                                    *  ANTONIO OZAÍ DA SILVA é professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá; Mestre em Ciência Política (PUC/SP) e Doutor em Educação (USP). Site: http://antoniozai.wordpress.com Email: aosilva@uem.br  1 MARCELO RIDENTI é professor titular de Sociologia no IFCH da Unicamp e pesquisador do CNPq. Foi professor da Unesp, campus de Araraquara (1990-1998) e da UEL (1983-1990). É autor de vários livros, como: O fantasma da revolução brasileira (Editora Unesp, 2ª ed., 2010); Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV (Record, 2000); História do marxismo no Brasil, v.5 e 6 (organizado em parceria com Daniel Aarão Reis, Editora da Unicamp, 2002; 2007). 2 Ver WILLIAMS, R. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. 3 Ver Filme-documentário sobre Pierre Bourdieu, dirigido por Pierre Carles, França, 2007. 4 Ver BURAWOY, M.; BRAGA, R. Por uma sociologia pública. São Paulo: Alameda, 2009. 

Intelectuais, cultura e engajamento político

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