Rui Faria

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Repositório Aberto da Universidade do Porto

Rui Faria  | rfaria@fe.up.pt | Tel.: JANEIRO/FEVEREIRO 2022    CONSTRUÇÃO MAGAZINE 107     3333_37barragensinfluência da interrupção das juntas de contração no comportamento de barragens abóbadaNuma barragem abóbada os gradientes tér-micos devidos ao calor libertado durante a hidratação do cimento, bem como à baixa con-dutibilidade térmica do betão, conduzem a im-portantes deformações volumétricas. Sendo restringidas, estas induzem tensões de tração no betão, que têm de ser controladas para evi-tar a fissuração excessiva da abóbada. Por este motivo as barragens abóbada são construídas através de blocos individuais, separados por juntas de contração verticais espaçadas de 15-17m – ver Figura 1. Isto implica que, em cada bloco, os volumes de betonagem decrescem da fundação para o coroamento, o que tem o inconveniente de reduzir progressivamente a eficiência do equipamento de produção e colo-cação do betão, cuja capacidade máxima fica longe de poder ser explorada, aumentando-se assim o tempo e os custos da construção. Este problema pode ser atenuado através da inter-rupção de algumas juntas de contração (ver linhas a vermelho na Figura 2), mantendo-se as demais juntas com um desenvolvimento integral ao longo de toda a altura da barragem (linhas a laranja na Figura 2), abordagem que permite reunir vários blocos num único junto ao coroamento, e assim aumentar o volume de betão a colocar em cada camada na fase final da construção.Esta alternativa de construção não é, no entanto, de uso corrente, pois requer a utili-zação de elaboradas análises numéricas para verificar se o arranjo alternativo das juntas de contração conduz a um aceitável risco de fissuração do betão. Neste artigo apresentar--se-ão resultados de simulações numéricas termomecânicas faseadas, considerando a disposição tradicional das juntas de contração (sem interrupção) ou a alternativa referida, com o propósito de analisar o comportamento dos blocos centrais de uma barragem abóbada. As análises termomecânicas, realizadas com base no MEF, simulam o processo constru-tivo, e contemplam: (i) o problema térmico, que é reproduzido através de um modelo que considera a geração do calor de hidratação do cimento, os fluxos de calor para o meio am-biente, bem como o efeito das serpentinas de pós-refrigeração; e (ii) o problema mecânico, envolvendo os estados de deformação e de tensão do betão, os quais são reproduzidos tendo em linha de conta o efeito do campo térmico e das ações exteriores, a evolução das propriedades mecânicas durante a fase de hidratação do cimento e a fluência do betão.PROBLEMA TÉRMICOO campo de temperaturas T na barragem é regido pela equação de balanço térmico (In-cropera 2007)     k∇ ∙ ∇T  +  Q  = ρcT       (1)onde k é a condutividade térmica do betão, Q é a taxa de calor interno gerado pela hidratação do cimento e ρc é o calor específico volumétrico do betão. A taxa de calor de hidratação pode ser descrita com base numa lei do tipo Arrhenius (Reinhardt et al. 1982), determinável a partir de ensaios experimentais calorimétricos. A utilização da Eq. (1), combinada com uma dis-cretização por elementos finitos (EF) para de-terminação do campo de temperaturas, requer a consideração das condições de fronteira do problema, usualmente expressas sob a forma de temperaturas impostas nas superfícies de betão em contacto com o ar (cuja temperatura Tar se admite conhecida), isto é,     T  =  Tar  (2)ou através da consideração de fluxos q de calor (por unidade de área) em direção ao ambiente exterior, com atravessamento de cofragens ou de mantas isolantes colocadas nas superfícies, recorrendo à lei de arrefecimento de Newton:     q  =  hcr  (T  –  Tar ) (3)Nesta Eq. (3) hcr é o coeficiente de convecção--radiação, com o qual se caracterizam as inter-faces existentes entre as superfícies do betão Rui Faria, CONSTRUCT, FEUP, rfaria@fe.up.ptJosé Conceição, RIPÓRTICO – Engenharia, jose.conceicao@riportico.comMiguel Azenha, ISISE, Escola de Engenharia, Guimarães, miguel.azenha@civil.uminho.ptManuel Miranda, FEUP, manuelpinhomiranda@gmail.com..Rui Faria  | rfaria@fe.up.pt | Tel.: barragense o ar, as quais podem ser dos tipos betão-ar, betão-cofragem-ar ou betão-manta-ar.SERPENTINAS DE REFRIGERAÇÃOPara controlar a elevação de temperatura in-duzida na abóbada pela libertação do calor de hidratação do cimento, é corrente proceder-se na fase construtiva ao esfriamento artificial do betão através de serpentinas embebidas – ver Figura 3 –, no interior das quais se força a cir-culação de água. A simulação do efeito térmico destas serpentinas é tradicionalmente efetua-da com recurso a EF tipo barra, alinhados com o eixo médio das serpentinas, como repre-sentado na Figura 4a. Esta abordagem tem, no entanto, sérias desvantagens do ponto de vista da modelação, obrigando à consideração > Figura 1: Juntas de contração e blocos verticais.> Figura 2: Interrupção das juntas de contração.> Figura 3: Serpentinas de refrigeração.> Figura 4: Altenativas de simulação das sepentinas.> 1de malhas de EF muito refinadas nas serpentinas, e por inerência também nos volumes de betão.Neste trabalho recorreu-se a uma alternativa inovadora desenvolvida pelos autores (Conceição et al. 2020), na qual o plano médio das serpentinas é assimilado a uma ‘superfície equivalente’ de arrefecimento (ver Figura 4b), que funciona como uma fronteira com um fluxo convectivo qw,eq regulado pela lei de Newton:     qw,eq  =  hw,eq  (T  –  TW ) (4)Nesta expressão T é a temperatura do betão na superfície de arrefecimento (dentro de uma área Aw,eq), Tw é a temperatura da água na entrada da serpentina, e hw,eq é um coeficiente de convecção que expressa um arrefecimento aproximadamente igual ao do plano médio da serpentina equi-valente, sendo definido com segue (Conceição 2020):     hw,eq    ≅                                        (5)em que     ξ    =                    g  =                             b  = √ 1.07SvSh / p             (6)> 2> 3 > 4a) Tradicional b) Superfície equivalentemw cw  [ 1 – (1 – g) e–ξ  ] ( 1 – e-2.70 ξ ) Aw,eq.k Lcw  ρw qwln (100)ln (b/re)  +  k/kcp   ln (re/ri)  34      CONSTRUÇÃO MAGAZINE 107     JANEIRO/FEVEREIRO 2022Rui Faria  | rfaria@fe.up.pt | Tel.: JANEIRO/FEVEREIRO 2022    CONSTRUÇÃO MAGAZINE 107     35Para além das entidades já definidas, mw é a taxa da massa de água a circular na serpentina (cujo caudal é qw), cw e ρw são o calor específico e a massa específica da água, kcp é a condutividade térmica dos tubos das serpentinas, de raios interno e externo ri e re e comprimento L, b é o raio do cilindro equivalente de betão da serpentina, e Sh e Sv são os espaçamentos horizontal e vertical dos tubos de arrefecimento.PROBLEMA MECÂNICOO problema mecânico é igualmente resolvido com recurso ao MEF, após a determinação do campo de temperaturas T regulado pela Eq. (1). O campo de tensões s na abóbada é obtido a partir do campo de deformações e, tendo em linha de conta a evolução das propriedades mecânicas do betão durante a fase de hidratação do cimento. Para reproduzir esta evolução das propriedades mecânicas do betão pode recorrer-se ao método da maturidade (Carino e Lew 2001), apoiado no conceito de idade equivalente. A fluência básica do betão é simulada com base na teoria da viscoelasticidade linear para materiais com envelhecimento, apoiada na lei da dupla potência de Bažant e Osman (1976):       J(t,t’)  =                      +                      (t’)–m (t  –  t’) p (7)sendo J(t,t’) a função de fluência na idade t para uma carga aplicada no instante t’, E0 (t’) o módulo de elasticidade assintótico do betão (correspondente a cargas de curta duração) e j, m e p parâ-metros do material. No exemplo que será apresentado J(t,t’) é aproximada com base num modelo de Kelvin com envelhecimento, utilizando N cadeias i (Bažant e Wu 1973), isto é:       J(t,t’)  =                      +                                1 – e            (8)onde E0 (t’) e Ei (t’) são módulos dependentes da maturidade e τi é o tempo de retardação da cadeia i.> Figura 5: Interrupção da junta J1-2.> Figura 6: Malhas de EF.EXEMPLO DE APLICAÇÃOO modelo termomecânico sumariamente descrito foi utilizado para demonstrar a pos-sibilidade de se adotar um arranjo alternativo para as juntas de contração numa barragem abóbada, a fim de permitir a aceleração do ritmo de construção e um uso mais eficiente do equipamento de produção e colocação do betão. Com base em dois dos blocos centrais de uma barragem abóbada – ver Fig. 5 –, o arranjo alternativo considerado consistiu na interrupção da junta J1-2 acima da cota 192m, promovendo-se desta forma a junção no terço superior da abóbada dos dois blocos B1 (a cor azul) e B2 (a amarelo) no bloco único a cor verde. Abaixo daquela cota os blocos B1 e B2 são construídos de acordo com a disposição de juntas de contração e faseamento constru-tivo tradicionais. Com este arranjo alternativo das juntas torna-se viável a colocação de camadas de betão com uma área horizontal de ~606m2 junto ao coroamento, valor próxi-mo do máximo esperado junto à fundação no faseamento construtivo original.A construção foi simulada considerando a betonagem de camadas com 2m de espes-sura, considerando um intervalo de 7 dias > 51E0 (t’)jE0 (t’)1E0 (t’)∑i = 1n 1Ei (t’)–  (t  –  t’)τi > 6a) Betão e fundação b) Serpentinas.Rui Faria  | rfaria@fe.up.pt | Tel.: barragensentre betonagens consecutivas. Em geral, as cofragens foram mantidas durante os primeiros 3,5 dias da idade do betão, com exceção do inverno, em que foram removidas à idade de 7 dias. A pós-refrigeração, realiza-da com circulação de água em serpentinas embebidas, numa fase inicial teve em vista reduzir os picos de temperatura do betão nas primeiras idades, e nas fases intermé-dia e f inal teve como objetivo assegurar uma redução uniforme da temperatura da barragem, para posteriormente se proceder à injeção das juntas de contração. A fase inicial da pós-refrigeração iniciou-se sempre que a camada de betão sobrejacente atingia uma idade de 0-16 dias, utilizando água do rio com temperatura variando de 13,0 a 24,6ºC. O arrefecimento intermédio começou 224 dias após o início da construção, sendo realizado em 31 dias utilizando água do rio à tempe-ratura de 13,8-15,9 ºC, para esfriar o betão colocado entre as cotas 113 m e 163 m. A fase final de arrefecimento iniciou-se aos 590 dias (com água gelada a 5ºC), e durou 18-40 dias, até se atingir uma temperatura de injeção das juntas em torno de 11ºC (para mais detalhes consultar Conceição (2020)).Comparação das temperaturas no betãoA determinação das temperaturas no betão foi efetuada com recurso a análises térmicas 3D, utilizando malhas de EF de 8 nós, quer para o betão quer para a rocha de fundação (ver Fig. 6a), e EF planos de 4 nós para discretizar as ‘superfícies equivalentes’ associadas às serpentinas de refrigeração (Fig. 6b). Nas simulações numéricas a temperatura do ar necessária para imposição das condições fronteira definidas pela Eq. (3) foi estabelecida com base nos valores médios diários regista-dos numa estação meteorológica existente a cerca de 6 km da barragem.A Figura 7 retrata os mapas de temperaturas previstos para as análises com ‘arranjo alter-nativo’ e ‘arranjo tradicional’ da junta vertical de contração nas idades t = 224 dias, t = 288 dias, t = 486 dias e t = 635 dias. Pode observar--se que os gradientes térmicos obtidos para os dois arranjos da junta de contração são muito semelhantes, pelo que a junção dos blocos B1 e B2 acima da cota em que ocorre a interrupção da junta J1-2 não introduz mudanças significa-tivas no campo de temperaturas do betão da barragem.Comparação das tensões de tração no betãoAs tensões principais de tração no betão, previstas pelo modelo numérico para as duas modalidades de disposição da junta vertical de contração, estão representadas na Figura 8 para as quatro idades consideradas na análise térmica. Estas idades são potencialmente crí-> Figura 7: Temperaturas (ºC).> Figura 8: Tensões principais de tração (MPa).> 7b) Arranjo tradicionala) Arranjo alternativo(ºC)224 dias 288 dias 486 dias 635 dias> 8b) Arranjo tradicionala) Arranjo alternativo(MPa)224 dias 288 dias 486 dias 635 dias36      CONSTRUÇÃO MAGAZINE 107     JANEIRO/FEVEREIRO 2022Rui Faria  | rfaria@fe.up.pt | Tel.: JANEIRO/FEVEREIRO 2022    CONSTRUÇÃO MAGAZINE 107     37PUB.ticas do ponto de vista da geração de tensões de tração no núcleo de betão e, portanto, para a ocorrência de fendas atravessando toda a espessura da abóbada. Pode constatar-se que para ambas as modalidades de disposição da junta vertical os núcleos das camadas de betão apresentam tensões de tração máximas semelhantes ao longo da altura dos blocos, com valores variando entre 1,0 e 1,5MPa (ex-ceto no pé de jusante). Assim, a interrupção a 2/3 da altura da junta vertical conduz a um risco de fissuração do betão similar ao obtido considerando a junta de contração com o de-senvolvimento tradicional, isto é, abrangendo toda a altura da barragem.CONCLUSÕESCom base nas análises térmicas e mecânicas efetuadas verificou-se que a consideração de um arranjo alternativo para as juntas verticais de contração de uma barragem abóbada, adotando um espaçamento duplo no terço su-perior, não acarretou alterações significativas quer das temperaturas quer das tensões de tração no betão. Assim, o risco de fissuração do betão obtido com o arranjo alternativo das juntas de contração foi idêntico ao obtido com o arranjo tradicional. Uma construção mais rá-pida e económica das barragens abóbada pode, assim, ser conseguida, alterando de forma controlada a disposição das juntas verticais de contração, desde que devidamente apoiada em análises termomecânicas adequadas.AGRADECIMENTOSE s te tr abalho f oi apoiado pelos F inan-ciamentos Base - UIDB/04708/ 2020 da Unidade de Investigação CONSTRUCT - Insti-tuto de I&D em Estruturas e Construções e UIDB/04029/2020 da Unidade de Investiga-ção ISISE – Instituto para a Sustentabilidade e Inovação em Estruturas de Engenharia, provenientes de fundos nacionais através da FCT/MCTES (PIDDAC). REFERÊNCIAS– Bažant, Z.; Wu, S. T. (1973). Dirichlet Series Creep Function for Aging Concrete. J. Engng. Mech. Division, 99(2), 367-387.– Bažant, Z.; Osman, E. (1976). Double Power Law for Basic Creep of Concrete. Matériaux et Construction, 9(1), 3-11.– Carino, N.; Lew, H. (2001). The Maturity Method: From Theory to Application. Structures 2001: American Society of Civil Engineers, 1-19.– Conceição, J. (2020). Influência da Disposição das Juntas de Contração em Barragens Abóbada de Betão. Tese de Doutoramento, FEUP.– Conceição, J. et al. (2020). A New Method Based on Equiva-lent Surfaces for Simulation of the Post-Cooling in Concrete Arch Dams During Construction. Engng Structures, 209, 109976.– Incropera, F. (2007). Fundamentals of Heat and Mass Transfer. Danvers, John Wiley and Sons.– Reinhardt, H. et al. (1982). Temperature Development in Concrete Structures Taking Account of State Dependent Properties. Proc. Int. Conf. Concrete at Early Ages, Paris.

Influência da interrupção das juntas de contração no comportamento de barragens abóbada

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