A evolução dos níveis de mercúrio no ambiente e o conhecimento da sua
toxicidade e capacidade de bioacumulação desencadearam nas últimas décadas
inúmeros estudos tentando identificar e quantificar as emissões de origem
antrópica e ainda avaliar o seu impacte ambiental nos mais variados meios
amostrais. Com o presente trabalho pretende-se principalmente avaliar o grau de
contaminação de solos afectados por uma fonte industrial pontual de mercúrio: o
Complexo Químico de Estarreja. Acessoriamente, contempla-se: o reconhecimento
de diferentes formas de mercúrio presentes no solo, aí se incluindo o associado à
matéria orgânica, e uma avaliação geral da influência de alguns factores da sua
dispersão a partir do Complexo para o solo.
A zona de estudo, centrada no Complexo Químico de Estarreja, tem uma
área de aproximadamente 60 Km2. Trata-se de uma região constituída
essencialmente por solos arenosos, permeáveis, onde as captações de água
subterrâneas são abundantes e a agro-pecuária continua a ser uma actividade
marcante. Os dois tipos (ordens) de solos mais representados (podzolizados e
litólicos) foram considerados.
Dada a inexistência de qualquer estudo de impacte ambiental deste metal
nos solos da região, começámos por estudar a distribuição vertical do mercúrio,
tendo verificado que este se acumula numa fina camada superficial (0-5 cm) e na
fracção <63 μm relativamente à fracção <180 μm e à amostra total.
Face a estes resultados, foi efectuada uma amostragem superficial (103
amostras) segundo uma malha regular e o mercúrio total foi analisado na fracção
<63 μm das amostras colhidas. Os teores obtidos variam entre 117 e 49 233 ppb,
verificando-se que 25% dos locais amostrados se encontram acima de 1510 ppb,
valor estabelecido como patamar de anomalia a partir de bases estatísticas e
outras. Em área, os teores decrescem rapidamente com o aumento da distância
ao Complexo. O fundo regional foi estimado em 275 ppb, a partir de amostras
colhidas em solos do mesmo tipo, a 30 km a Norte do Complexo. Cerca de 80%
dos solos estudados encontram-se acima deste valor.
A aplicação de métodos geoestatísticos e outros permitiu delimitar uma
zona anómala centrada no Complexo Químico de Estarreja, com um alongamento
preferencial na direcção NW-SE. Este padrão de distribuição é típico de
deposição atmosférica, que parece ser assim a principal forma de introdução do
mercúrio nos solos.
Analisando separadamente solos florestais e solos de cultivo é possível
detectar nestes últimos uma anomalia que segue a vala de São Filipe. A análise
do sedimento da vala da Breja bem como de solos a esta adjacentes, revela
teores elevados de mercúrio. Estas anomalias evidenciam contaminação dos
solos aparentemente localizada ao longo das valas de drenagem.
A correlação entre os teores em mercúrio total e os teores em matéria
orgânica é positiva, ainda que baixa, nas amostras superficiais bem como em
profundidade, o que terá interesse na discussão do tema da retenção do elemento
pela matéria orgânica e consequentemente na sua migração no perfil.
Quanto às formas de mercúrio presentes, a utilização da extracção
química sequencial permitiu distinguir duas formas ecologicamente importantes, a
fase móvel e a fortemente retida, não permitindo, contudo, identificar a fase-suporte
do mercúrio retido. Nas amostras estudadas verificou-se que as formas
móveis e fitodisponíveis constituem uma pequena percentagem do mercúrio total,
o que atenua o efeito negativo dos elevados teores de mercúrio presentes nestes
solos.JNICTMestrado em Geoquímic