Chiari, Cléa de A.

Magalhães, Paulo A.

Mayrink, Wilson

Portuguese

Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15(5) :298-303, setembro-outubro, 1973 CDU 616. 993 .161 RE.AiÇÃO DE IMUNOFLUORESCÊNCIA INDIRETA NO CONTROLE DE TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA Cléa de A, CHIAR! (1 ), Wilson MAYRINK (2 ) e Paulo Á. MAGALHÃES,( 3 ) RESUMO Realizamos a reação de imunofluorescência indireta (RIF) em soros de 38 pacientes com leishmaniose tegumentar submetidos a tratamento pelo antimoniato de N metilglucamina. As curvas de títulos obtidas mostraram que antes do tratamento os títulos variaram de negativo a 1 :1440. Em 51,8% dos pacientes as RIF foram negativas antes da cicatrização da lesão inicial e 100% dos casos apresentaram sorologia negativa 25 dias após a cicatrização das lesões. Em 25,8 % dos pacientes observamos um aumento dos títulos de anticorpos precedendo à cicatrização da lesão inicial. Estes resultados indicam que a RIF pode ser utilizada com um critério de controle de cura na leishmaniose tegumentar americana. INTRODUÇÃO O decréscimo dos níveis de anticorpos cir-culantes em casos de leishmaniose cutânea submetidos a tratamento já havia sido assi-nalado 2• 6, sem que fosse avaliado o tempo necessário para a negativação total da soro-logia e se esta diminuição de títulos era gradativa e constante. Posteriormente, a rea-ção de imunofluorescência foi utilizada como um possível método para avaliar a eficácia dos quimioterápicos na leishmaniose tegu-mentar americana 7 • Os títulos mais elevados foram obtidos com antígenos de formas amastigotas de L. braziliensis que se mostra-ram mais sensíveis que as formas promasti-gotas 4 , 7 • Como em nosso laboratório usamos formas promastigotas como antígeno, julgamos opor-tuno acompanhar sorologicamente um grupo de pacientes submetidos a tratamento pelo. antimoniato de N metilglucamina, droga con-siderada eficaz na terapêutica das leishma-nioses. A possibilidade do emprego de uma reação sorológica como controle de cura con-tribuiria para diminuir o número de recidivas em pacientes tratados. Adotando como crité-rio de cura unicamente a cicatrização das lesões, tivemos a oportunidade de verificar que cerca de 38 % dos pacientes, submetidos a tratamento em clínicas especializadas e considerados clinicamente curados, apresen-tavam sorologia positiva. Este dado pareceu-nos importante, considerando-se que cerca de 40 % dos casos, submetidos a um esquema terapêutico curto mas suficiente para promo-ver a cicatrização das lesões, apresentam posteriormente lesões mucosas. MATERIAL E METODOS Soros a) - Soros provenientes de amostras de sangue de 38 pacientes com leishmaniose te-gumentar americana, apresentando lesões cutâneas recentes e Reação de Montenegro Trabalho do Departamento de zoologia e Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em colaboração com a Superintendência de Campa-nhas (SUCAM) do Ministério da Saúde. Realizado com ajuda financeira da Companhia Vale do Rio Doce. (1) (2) Professores de Parasitologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal 2486, Belo Horizonte - Brasil (3) Médico Sanitarista do Ministério da Saúde 298 CHIARI, C. de A.; MAYRINK, W. & MAGALHÃES, P. A. - Reação de imun'ofluorescência indireta no controle de tratamento da leishmaniose tegumentar americana. Rev. Jnst. Med. trop. São Paulo 15 :298-303, 1973. posit,. i. Estas amostras de sangue foram ,colhidas antes, durante e após o tratamento, com intervalos aproximados de doze dias. b) - Soros de 40 pacientes, clinicamente curados, com Reação de Montenegro positiva, colhidos quatro a quarenta e oito meses após ,o tratamento. Esquema de tratamento O antimoniato de N metilglucamina, foi ,administrado pela via intramuscular, na dose -de 60 mg de sal por quilo de peso do pacien-te, em séries de 10 injeções. O critério de ·cura adotado foi o de cicatrização das lesões ·e RIF negativa. Técnica da reação A reação de imunofluorescência indireta foi realizada de acordo com a técnica de CERISOLA 3 , utilizando antigamaglobulina marcada com isotiocianato de fluoresceína ( relação ponderai F /P = 16 e título 1 :80). Consideramos positivos todas as prepara-ções que apresentaram fluorescência amarelo esverdeada característica observada com os soros testemunhas comprovadamente positi-vos. Critério semelhante foi adotado nos ca-sos negativos, sendo a coloração vermelho-alaranjada comparada com a dos soros pa-drões negativos. A fim de eliminar a possi-bilidade de fluorescência inespecífica reali-zamos sempre um controle do conjugado. Para os soros de indivíduos em tratamento, quando diluídos, adotamos o critério utilizado por AMBROISE-THOMAS 1 . Consideramos co-mo positiva somente a primeira diluição em que foi observada uma fluorescência pouco definida e menos intensa que a do soro posi-tivo padrão. As diluições subseqüentes, mes-mo apresentando certo grau de fluorescência, foram consideradas negativas. Calculando a média geométrica da recí-proca dos títulos de anticorpos (M G R T), segundo WAUGH 8 e AMBROISE-TH0MAS 1, obtivemos a curva de títulos médios no de-correr do experimento. TABELA I Freqüência dos titulos de anticorpos fluorescentes anti-Leishmania braziliensis e suas médias geométricas (MGRT) em casos de leishmaniose tegumentar +, submetidos ao tratamento Dias Recíproca dos títulos Total soros MGRT exames examinados 1 45 90 180 360 720 1440 - -···-· -o Antes 10 6 6 4 1 27 126 12 o 7 6 5 4 3 1 1 27 34 .., ,::: 11 24 Q) 14 2 4 3 1 2 - 26 s 36 ro 10 4 3 4 1 - - 22 7 48 ~ 8 2 3 1 '1 - 15 8 ... -.., 60 <ll 2 1 2 1 - - - 6 20 ..., 72 ,::: - - 1 - - - - 1 ... ro 84 ... 1 1 ~ - - - - - - ... Q o 1 .., 25 1 1 - - - - 27 c-----.. J ,::: if~ ú;S'Ft~" 12 Q) 25 1 1 s - - - -24 ro 25 2 "'~ O~\ ..., - - - - -ro 36 ... 27 - - - - - ~~ ' o ó .., -48 00 27 - - - - - - 'ft L 1v, D@c. ~ •O 56 o. 27 li~ B;", ,,-,r-•:i~rlA -< - - - - - - , 'iLlL-IV\Jfi., f u (;u /, ,,.., - .. \ + Diagnosticada c!Imcamente e com reaçao de Montenegro positiva CHIARI, C. de A.; MAYRINK, W. & MAGALHÃES, P. A. - Reação de imunofluorescência indireta no controle de tratamento da leishmaniose tegumentar americana. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:298-303, 1973. TABELA II Resultados obtidos com 27 soros de pacientes com leishmaniose tegumentar + que apresentaram reação inicial positiva. Ant!geno homólogo Reações Reação Aumento do negativas positiva título prece-antes da na época da 25 dias após a cicatrização cicatrização cicatrização N.º de 14 25 27 reações % 51,8 96,3 100 + Diagnosticada clinicamente e com reação de Montenegro positiva (/) g ::, -'= 1-(/) ªºº 600 g 400 <( <.) o a: .~ <.) Lú O: 2_00 o 12 24 36 48 DIAS 60 72 ------0---0 84 96 108 logo após dendo à cicatrização cicatrização da lesão 2 6 3,7 25,8 SORO 2 SORO li CICATRIZAÇÃO OA LESÃO Gráfico 1 - T!tulos de anticorpos fluorescentes, durante o tratamento de dois pacientes com leishmaniose tegumentar com reação inicial negativa. 300 CHIARI, C. de A.; MAYRINK, W. & MAGALHÃES, P. A. - Reação de imunofluorescência iridii·eta no controle de tratamento da leishmaniose tegumentar americana. Rev. Jnst. Med. trop. São Paulo 15:298-303, 1973. RESULTADOS Verificamos que em 38 soros de pacientes examinados, 11 soros apresentaram títulos negativos antes do m1c10 do tratamento. Estes pacientes foram divididos em dois gru-pos. No primeiro, constituído de cinco casos, a reação permaneceu negativa durante todo o tratamento e mesmo após a cicatrização das lesões. No segundo, constituído de seis pacientes, houve um aumento dos níveis de 25 200 100 o anticorpos ( chegando a títulos iguais a 1/720) e tornando-se negativos após a cicatrização da lesão. Considerando estes casos, verifica-mos que 87 % dos pacientes apresentaram reação positiva no decorrer do tratamento; Nos 27 pacientes que apresentaram reação positiva antes do tratamento os títulos das reações variaram de 1/45 a 1/1440, sendo que a maioria apresentou título igual a 1/45. Em todos os casos foi possível acompanhar a MGRT - SOROS i CICATRIZAÇÃO DA LESÃO 12 24 36 48 60 72 84 96 108 120 132 DIAS Gráfico 2 - Títulos médios de anticorpos fluorescentes obtidos em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar, durante o tratamento. 301 CHIARI, C. de A.; MAYRINK, W. & MAGALHÃES, P. A. - Reação de imunofluorescência indireta no controle de tratamento da leishmaniose tegumentar americana. Rev. Inst: Med. trop. São Paulo 15:298-303, 1973. evolução dos títulos de anticorpos, durante e após o tratamento. Estes resultados são mostrados nas Tabelas I e II e a curva de títulos médios, nos Gráficos 1 e 2. Os títulos de anticorpos em soros de pa-cientes submetidos a tratamento e conside-rados clinicamente curados, mas que não fo-ram acompanhados sorologicamente, antes, durante ~ logo após o término do tratamento estão relacionados. na Tabela III. TABELA III Resultados da reação de imunofluorescência indi-reta em soros de indivíduos+, com reação de Montenegro positiva, após o tratamento de leishmaniose tegumentar, pelo antimoniato de N metilglucamina Tempo após o Número de tratamento Título em meses soros reação 4 3 5 1 7 3 12 5 18 6 24 10 30 8 1 1/90 48 3 + Estes pacientes não foram acompanhados so-rologicamente, através da reação de imuno-fluorescência antes, durante e logo após o tratamento. DISCUSSÃO Nos casos de leishmaniose tegumentar, com infecção recente e sem comprometimento das mucosas, é freqüente o encontro de RIF ne-gativa, utilizando como antígeno formas pro-mastigotas de L. braziliensis. Atribuímos esse número de reações negativas ao fato dos soros serem provenientes de indivíduos com lesões iniciais ( 1 a 12 meses de evolução), únicas e na maioria das vezes ainda sob a forma papulosa. Os títulos das reações são sensivelmente mais altos quando há compro-metimento das mucosas 5 • Resultados seme-lhantes foram encontrados em casos com le-sões cutâneas de evolução crônica 4, ou quan-do se utilizou como antígeno formas amas-tigotas de L. donovani 4 • 7 • Embora tenhamos verificado a freqüência de reações negativas, 302 não nos foi possível estabelecer qual o tempo provável para o aparecimento de anticorpos circulantes fluorescentes, desde que reações positivas foram assinaladas em casos com apenas um mês de evolução e títulos nega-tivos em indivíduos infestados há aproxima-damente 12 meses. No entanto, assinalamos reações positivas no decorrer do tratamento, em alguns pacientes com sorologia negativa, e em outros, verificamos ligeiro aumento de título precedendo à cura clínica. Provavel-mente o aparecimento de anticorpos circulan-tes e a elevação dos títulos possam ser devidos à produção de anticorpos resultantes do estí-mulo antigênico produzido pela destruição de amastigotos e à liberação de antígenos celu-lares retidos nas células parasitadas. Em to-dos os casos houve diminuição gradativa dos títulos de anticorpos, e 25 dias após o trata-mento 100 % dos pacientes apresentaram RIF negativa. Observamos ainda pequenas varia-ções nas curvas de títulos. Nos indivíduos que apresentavam títulos iniciais mais baixos, foi mais freqüente o encontro de títulos ne-gativos antes da cicatrização total das lesões. Como esses pacientes apresentavam lesões tipo papulosa, julgamos que os títulos de anticorpos estariam relacionados a baixa pa-rasitemia, e a uma rápida resposta terapêu-tica. Não nos foi possível concluir se o en-contro de uma RIF negativa indica que o tratamento possa ser interrompido quando as lesões não estiverem ainda cicatrizadas. Esta observação não foi realizada por nos parecer pouco adequado acompanhar a evolução de leishmaniose tegumentar em indivíduos que se não submetidos a terapêutica eficiente poderiam apresentar, posteriormente, lesões de mucosas. Todos os casos foram acompa-nhados sorologicamente durante aproximada-mente dois meses e a RIF permaneceu nega-tiva. A fim de verificar se os títulos perma-neciam negativos durante um período mais longo, realizamos a RIF em 40 soros de pa-cientes, 4 a 48 meses após o tratamento. Este grupo havia sido submetido à terapêutica pelo antimoniato de N meti! glucamine, utili-zando o mesmo esquema terapêutico, mas sem controle sorológico (Tabela III). O único caso com reação positiva 30 meses após o tratamento apresentou título 1 :90. Este pa-ciente pode ser incluído entre aqueles que não respondem bem ao esquema usual de tratamento e embora tenha ocorrido a cica-CHIARI, C. de A.; MAYRINK, W. & MAGALHÃES, P. A. - Reação de imunofluorescência indireta no controle de tratamento da leishmaniose tegumentar americana. Rev. Inst. Mecl. trop. São Paulo 15:298-303, 1973. trização das lesões poderá apresentar no fu-turo manifestações clínicas decorrentes da reativação da infecção. W ALTON 7 já havia observado uma flutua-ção irregular nos níveis de anticorpos, em pacientes tratados pelo pamoato de ciclogua-nil, medicamento pouco eficaz nas leishma-nioses. Nos pacientes com malária tratados com drogas ativas sobre as formas exoeritro-cíticas, observou-se negativação total da soro-logia em períodos que variaram de 15 dias a 5 meses após o tratamento. O mesmo não aconteceu naqueles tratados com 4 aminoqui-noleínas. Nestes casos observou-se diminui-ção dos níveis de anticorpos, mas a reação permaneceu positiva 1 • Tudo indica que em leishmaniose tegu-mentar o estímulo antigênico produzido pela destruição dos parasitas e mesmo uma pos-sível atividade imunogênica que permaneça depois da cura parasitológica, não resultam na presença de anticorpos fluorescentes por longo período após o tratamento. Estes resul-tados indicam que a RIF pode ser utilizada não só como controle de cura de indivíduos tratados mas também no ensaio clínico de novas drogas ativas para leishmaniose tegu-mentar. SUMMARY I ndirect fluorescent antibody test in the evaluaâon o/ treatment o/ American cutaneous leishmaniasis IF A serum antibody titers in recent cases of leishmaniasis treated with Antimoniate of N methyl glucamine showed that the test can be used to monitor the efficacy of chemo-therapy. The curves of titers obtained from these patients demonstrated a definite decline during treatment. ln 100 per cent of cases IF A tests became negative 25 days after healing of the lesions, and in 51.8 per cent before the lesions healed up. These data mean that the reversion to sero-negativity is a sound criterion to evaluate the successful treatment of American leishmaniasis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. AMBROISE-THOMAS, P. - Étude séro-im-munologique de dix parasitoses par les technique d'imuno-fluorescence. Institut de Medicine et d'Hygiêne Tropicales. Faculté de Méclicin de Lyon, 645 páginas, 1969. 2. BITTENCOURT, A. C.; SODRÉ, A. & AN-DRADE, Z. A. - Pesquisa de anticorpos circulantes pelo método de imunofluorescên-cia na Leishmaniose tegumentar. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 10:247-252, 1968. 3. CERISOLA, J. A.; ALVAREZ, M.; LUGONES, H. & REBOSOLAN, J. B. - Sensibilidad de las reacciones serológicas para el diagnóstico de la enfermedad de Chagas. Bol. Chile. 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E. - Elements of Statistical Methods. 3rd Edition. New York, McGRAW-HILL, 1952. Recebido para publicação em 12/12/1972. 303 

Indirect fluorescent antibody test in the evaluation of treatment of American cutaneous leishmaniasis

https://www.revistas.usp.br/rimtsp/article/download/200898/185109

Reação de imunofluorescência indireta no controle de tratamento da leishmaniose tegumentar americana

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