Chiari, Cléa de Andrade

Magalhães, Paulo Araújo

Mayrink, Wilson

Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15(5) :304-309, setembro-outi,bro, 1973 CDU 616. 993 .161 PESQUISA DE ANTICORPOS, POR IMUNOFLUORESCÊNCIA, EM SOROS ,DE PACIENTES COM LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA APRESENTANDO LESõES CUTÂNEAS RECENTES Cléa de Andrade CHIARI (1 ), Paulo Araújo MAGALHÃES (2 ) e Wilson MAYRIJ'>.K (3 ) RESUMO Realizamos a reação de imunofluorescência indireta em 37 soros de indivíduos com leishmaniose tegumentar americana, apresentando lesões cutâneas recentes e reação de Montenegro positiva, utilizando antígeno homólogo. O tempo de evolução da lesão inicial, a comprovação parasitológica da infecção e a idade do paciente não exerceram influência, estatisticamente significante, nos títulos de anticorpos fluorescentes. Os pacientes com lesões cutâneas múltiplas, apresentaram títulos significativamente mais altos do que os obtidos em soros de pacientes com uma única lesão. A maior média de títulos foi assinalada no grupo entre O a 9 anos de idade. O maior número de casos de leishmaniose ocorreu entre indivíduos de 10 a 19 anos, apesar da população acima de 20 anos também estar exposta à infecção. Julgamos que somente após estudos mais pormenorizados sobre o meca-nismo do desenvolvimento da imunidade na leishmaniose muco-tegumentar, será possível analisar o papel da imunidade em relação ao título de anticorpos circulantes. INTRODUÇÃO Tendo em vista a variação dos níveis de anticorpos nas diversas formas clínicas da leishmaniose tegumentar 3 • 4 • 9, realizamos a reação de imunofluorescência (RIF) em so-ros de pacientes apresentando lesões cutâneas recentes, visando a interpretação dos valores dos títulos obtidos. de um caso humano de leishmaniose muco-cutânea no Ceará, em 1960 por Alencar e mantida em meio NNN. Soros Os soros foram coletados de pacientes com leishmaniose tegumentar, na área endêmica do Vale do Rio Doce, Minas Gerais (Mapa 1). Estes pacientes apresentavam lesões cutâ-neas recentes e reação de Montenegro posi-tiva. Algumas observações sobre a influência da forma clínica da doença, tempo de evolução e atividade da infecção nos níveis de anti-corpos circulantes foram anteriormente assi-naladas ·2, 8 • 9 • 10• MATERIAL E MÉTODOS Antígeno Usamos como antígeno formas de cultura obtidas de Leishmania braziliensis isolada Esqiiema geral das reações Distribuímos aproximadamente 0,05 ml de cada diluição dos soros, em solução salina tamponada pH 7. 2, nas lâminas com antí-Trabalho do Departamento de Zoologia e Parasito!ogia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, em colaboração com a Superintendência de Cam-panhas (SUCAM) do Ministério da Saúde. Realizado com ajuda financeira da Companhia Vale do Rio Doce. (1) (3) Professores de Parasitologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais. Caixa Postal 2486, Belo Horizonte, Brasil (2) Médico Sanitarista do Ministério da Saúde 304 CHIARI, C. de A.; MAGALHÃES, P. A. & MAYRINK, W. - Pesquisa de anticorpos, por imunofluo-rescência, em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar americana apresentando lesões cutâneas recentes. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:304-309, 1973. I \ • ITANHOMI o ii, ,,, e., o o • TA RUMIRIM • DOM CAVATI • INHAPIM CARATINGA @ _ e BOM JESUS r ', DO GALHO ' ....... __ ..... ) • SIMONÉSIA DA MATA / r f \ '\ I I I '-~ I 'i / \ / I / /,,. I / f I 1 1 I / -------- _.::,,.,/ / ESPÍRITO 1 SANTO • PIUMA / I I / / o 50Km Mapa 1 - Mapa da região indicando as Ioc11-lidacles de procedência dos casos de leishmaniose tegumentar geno. A preparação foi incubada a 37ºC durante 40 minutos, em câmara úmida. As lâminas, após lavadas duas vezes em solução tampão, foram secas à temperatura ambiente e em seguida incubadas por 40 minutos com conjugado. Utilizamos antigamaglobulina hu-mana marcada e diluída em solução de Tween 80 a 2 % . A antigamaglobulina empregada foi marcada com isotiocianato de fluores-ceína segundo a técnica de CHERRY & col.7. A relação fluoresceína-proteína foi 16 (mi-·crogramas de fluoresceína/miligramas de proteína) e o conjugado quando titulado mostrou-se efetivo em uma diluição de 1/80. Removemos o conjugado das lâminas por la-vagem em salina tamponada e água destilada, e adicionamos solução ( 1/1000) de azul de Evans. Após 5 minutos removemos o corante por lavagem, e as lâminas foram preparadas com glicerina neutra. Leitura dos resultados Utilizamos microscópio ZEISS GF25 equi-pado com lâmpada ultra violeta OSRAM HBO 200. Usamos como filtros de barreira os n.ºº 53 e 44 ZEISS e como filtros de excitação os BG 12 e UG 5. Consideramos positivas todas as prepara-ções que apresentaram fluorescência amarelo esverdeada característica e semelhante à ob-servada com os soros testemunhas,' compro-305 CHIARI, C. de A.; MAGAL;E'[ÃES, P. A. & MAYRINK, W. - Pesquisa de anticorpos, por imunofluo-rescência, em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar americana apresentando lesões cutâneas recentes. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:304-309, 1973. TABELA I Freqüência da distribuição dos titulas de anticorpos fluorescentes em 37 soros positivos para Leishmania braziliensis, relacionada ao tempo de aparecimento da lesão inicial, de acordo com informações do paciente, utilizando antígeno homólogo. Tempo aproximado de aparecimento da lesão inicial, em meses (500 1000 VI o ...J :::, ,!:: 1--0 o e( o o a:: -~ o L,J a:: 500 1 2 3 4 5 6 'l 1 \ 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 -1 --1 \ 1 1 1 1 1 1 1 Reciproca dos titulas N.o de MGRT soros 45 90 180 360 720 1440 ... 2 2 1 1 - 1 1 8 78 1 2 - 2 1 - 6 180 2 4 1 1 - - 9 58 - - 2 2 1 - 5 314 3 1 - - - - 4 53 1 2 2 5 103 o---o VALORES MÁXIMOS DA RECÍPROCA DOS TÍTULOS DE ANTICORPOS .__. M G R T DOS ANTICORPOS VALORES MÍNIMOS DA RECÍPROCA DOS TÍTULOS 1 ~ ,~ \, / \ \ / \ \ I \ ', / \ \ / 1 \ I \ \ I \ \\ ,/ \ \"é/ \ 2 4 1 1 1 \ 1 1 1 1 1 \ 5 ---º .,,,. ....... -6 DE ANT !CORPOS Gráfico 1 - Curva de anticorpos circulantes em soros positivos para Leishmania brazil'iensis, de acordo com o tempo de evolução da lesão iniCÍal, utilizando antígeno homólogo 306 CHIARI, C. de A.; MAGALHÃES, P. A. & MAYRINK, W. - Pesquisa de anticorpos, por imunofLuo-reScência, em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar americana apresentando lesões cutâneas recentes. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:304-309, 1973. vadamente pos1t1vos. Critério semelhante foi adotado nos casos negativos, sendo a colora-ção vermelho-alaranjada comparada com a coloração obtida com os soros padrões ne-gativos. Além disto, foi realizado sempre um controle de conjugado, a fim de eliminar a possibilidade de fluorescência inespecífica. Cálculos estatísticos A fim de comparar os resultados obtidos nos diferentes grupos utilizamos a média geométrica da recíproca dos títulos (MGRT) 1. Nos casos em que foi necessária uma aná-lise comparativa de dados usamos a distri-buição de t de Student, com n - 2 graus de liberdade e a = 1 % ou ,a = 5%. RESULTADOS Os resultados da RIF em casos recentes de leishmaniose tegumentar, são apresentados de acordo com o tempo de aparecimento da lesão inicial (Tabela I e Gráfico 1), número de lesões (Tabela II), exames parasitológi-cos positivos (Tabela III) e idade do pa-ciente (Tabela IV). DISCUSSÃO Os resultados das reações realizadas em 37 soros mostraram que há lima variação nos títulos de anticorpos de acordo com o tempo de evolução da lesão inicial (Tabela I) . Essa variação, no entanto, não é homo-g•§nea nem constante, indicando que, em ca-sos com um a seis meses de evolução, outros fatores podem influir nos níveis de anticor-pos. O encontro de um título médio (MGRT) significantemente mais alto nos casos apre-sentando lesões múltiplas (Tabela II) pode ser atribuído à presença de maior número de parasitas e conseqüente aumento do estí-mulo antigênico. Entre os soros de pacientes com exames parasitológicos positivos, o nú-mero de reações negativas foi maior do que o do grupo com exames parasitológicos nega-tivos (Tabela III). No entanto, a diferença TABELA II Freqüência dos títulos de anticorpos fluorescentes em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar +, agrupada de acordo com o número de lesões, usando antlgeno homólogo Número de lesão única Múltipla 1 -1~ 45 9 1 Recíproca dos títulos 90 180 360 8 5 4 3 1 1 720 1440 ---·-·- ·--------- -2 1 + Diagnosticada clinicamente e com reação de Montenegro positiva TABELA III N." de soros 28 9 MGRT 24 429 Freqüência dos títulos de anticorpos fluorescentes em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar +, lesões recentes, com exames parasitológicos positivos e negativos, utilizando antígeno homólogo Exames parasitológicos Positivos Negativos 1 2 -45 2 7 Recíproca dos títulos 90 180 360 720 1440 5 5 3 1 -6 2 2 1 1 + Diagnosticada clinicamente e com _reação de Montenegro positiva N.<> de soros 18 19 MGRT 85 103 307 CHIAR!, C. de A.;· MAGALHÃES, P. A. & MAYRINK, W. - Pesquisa de anticorpos, por imunofluo-.. rescência, em. soros de pacientes com leishmaniose tegumentar americana apresentando lesões cutâneas recentes. Rev. Jnst .. ]YJed. trop. São Paulo 15:304-309, 1973. TABELA IV Freqüência dos títulos de anticü"rpos fluorescentes, segundo o grupo etârio, em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar+, com lesões recentes, utilizando antígeno homólogo Recíproca dos títulos N.0 de 1 Idade MGRT % soros 1 1 45 90 180 360 720 1440 - -- -· .. . 1 1 o -1 10 1 3 4 2 2 - - 12 70 20,7 10 -1 20 6 6 2 2 2 1 1 20 27 34,4 20 -1 30 2 - 3 1 1 1 1 8 46 13,9 30 -1 40 3 3 2 1 3 - - 12 34 20,6 40 -1 50 3 1 - 1 1 - - 6 10 10,4 Total 15 13 11 7 9 2 2 59 100,0 + Diagnosticada clinicamente e com reação de Montenegro positiva entre as MGRT, não foi significativa. Os títulos de anticorpos são relativamente bai-xos, em ambos os g;upos, o que pode ser atribuído à presença de lesões recentes. Os títulos de anticorpos agrupados segundo a idade ( considerando-se que trabalhamos com uma amostra selecionada) , revelaram que a maior prevalência de leishmaniose ocorreu em indivíduos entre 10 a 19 anos, apesar do grupo entre 20 e 39 anos estar igualmente exposto à infecção. A menor ocorrência foi assinalada nos indivíduos aci-ma de 40 anos. A maior média de títulos ocorreu no grupo de O a 9 anos, provavel-mente devido ao menor grau de imunidade. Fato semelhante foi observado no Município de Vila Queiroz, São Paulo, onde a incidên-cia de leishmaniose apresentava variações entre os componentes das famílias residentes em locais próximos a matas, onde havia grande número de insetos vectores. Segundo PEssÔA 11, esta variação estaria provavelmen-te ligada a imunidade natural e adquirida. A imunidade natural poderia ocorrer através de um mecanismo semelhante ao assinalado para a malária. Quanto à imunidade adqui-rida poderia se admitir como resultante de formas abortivas, de caráter benigno, que evoluiriam mais ou menos rapidamente, sem deixar nenhuma cicatriz, porém trazendo imunidade duradoura. Esses indivíduos fre-quentemente apresentariam reação de Mon-tenegro negativa. 308 Julgamos, no entanto, que todos esses ar-gumentos não representam uma explicação definitiva do fato. Apesar de BRA y & LAINSON 3 • 4 • 5 e CoNVIT & KERDEL VEGAS 8 afirmarem que o parasitismo pela L. brazi-liensis, nos casos de lesões tegumentares ou muco-tegumentares, confere imunidade sub-seqüente à cura, o mecanismo pelo qual o hospedeiro pode oferecer resistência ao de-senvolvimento intracelular do parasita ainda não é bem conhecido. BRYCESON & col.6 sugerem que talvez o mecanismo celular de desenvolvimento de imunidade em cobaios contra Leishmania enrietti possa servir como base para a análise do papel das células mediadoras da imunidade específica, na re-sistência à infecção intracelular na leishma-niose cutânea humana. Somente após conhecimento mais porme-norizado do assunto seria possível analisar o papel da imunidade, em relação ao título de anticorpos circulantes na infecção por Leishmania braziliensis. SUMMARY Fluorescent antibody test in cases o/ American leishmaniasis with recent cutaneous lesions IF A test has been carried out on 37 sera from individuais with American cutaneous leishma11iasis, showing recent cutaneous le-sions a11d positive Montenegro test. Homolo-gous antigen was used. CHIARI, C. de A.; MAGALHÃES, P. A. & MAYRINK, W. - Pesquisa de antico;·pos, por imunofluo-rescência, em soros de pacientes com leishmaniose tegumentar americana apresentando lesões cutâneas recentes. Rev. Inst. Mecl. trop. São Paulo 15:304-309, 1973. Duration of initial lesion, positive parasi-tological diagnosis and age of patients were of no statistical significance as to fluorescent antibody titers. With sera from patients with multiple cutaneous lesions, titers were signi-ficantly higher than from patients with only one lesion. Highest mean titers were found within the age range from O to 9 years. Higher incidence of leishmaniasis was found among individuais from 10 to 19 years of age, although population over 20 years were also exposed to the infection. W e consider that the role of immunity in reiation to circulating antibody titers can only be ana-lyzed after the immunity development me-chanism of muco cutaneous leishmaniasis is more thoroughly studied. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÃFICAS 1. AMBROISE-THOMA:ê,, P. Etude séro-immunologique de dix parasitoses par Ies technique d'imuno-fluorescence. Institut de Medicin et d'Hygiêne Tropicales. Faculté de Médicin de Lyon, 645 págs., 1969. 2. 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Fluorescent antibody test in cases of American leishmaniasis with recent cutaneous lesions

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