Amato Neto, V.

Raineri, H. C.

Zerati, A.

Portuguese

Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Rev. 1nst. Med. trop. São Paulo 15(5) :340-345, setembro-outubro, 1973 CDU 615.371 616.981.551 TRATAMENTO DO TÉTANO COM DIAZEPAM. ANÃLISE DE 50 CASOS A. ZERATI (1 ), H. C. RAINERI (l) e V. AMATO NETO (2) RESUMO Os Autores apresentam os resultados obtidos no tratamento básico com o Diazepam em 50 pacientes portadores de tétano não umbilical, no Hospital das Clínicas de São Paulo. Os pacientes foram distribuídos conforme à idade, foco provável, gravidade da doença, dose máxima diária das drogas utilizadas, vias de administração, estado de consciência, efeitos colaterais, controle dos espasmos e das hipertonias e evolução. Verificou-se uma mortalidade global de 18 % , inferior em 14% à obtida com o emprego da rnefenesina e do hidrato de cloral, se bem que diversos outros fatores tenham contribuí.do para a melhora da taxa de mortalidade. Poucos pacientes, principalmente os idosos e os alcoólatras crônicos, apresentaram alguns distúrbios neuropsíquicos, reversíveis após o término do tratamento ou suspensão da droga. O efeito músculo-relaxante foi considerado bom e a sedação foi tida como satisfatória na grande maioria dos casos. Com altas doses do benzodiazepínico ( associado ao hidrato de cloral e ao "Gardenal") conseguiu-se, nos casos graves, bom efeito músculo-relaxante e controle razoável dos espasmos, possi-bilitando o emprego da respiração artificial. Em certos casos mais graves houve necessidade de curarização. Quando ocorreu o óbito, não se pôde atribuir ao medicamento qualquer responsabilidade por tal evolução. INTRODUÇÃO Sempre foi constante preocupação de quem cuida de tetânicos, especialmente dos acome-tidos das formas mais graves da doença, con-seguir-se um miorrelaxante que fosse ideal no combate às hipertonias e aos temíveis espasmos da doença., respiração artificial sem que se tenha de re-correr à curarização, que, no tetânico, sem-pre constitui um risco terapêutico maior, quer pelas complicações hemodinâmicas que acar-reta ( tendência à hipotensão, taquicardia) quer pela total dependência do doente ao esquema terapêutico e conseqüente necessidade de constante supervisão médica e de enfer-magem, às vezes nem sempre possível, em especial em um serviço de tétano que recebe cerca de 100 pacientes anualmente, como o nosso. Assim, várias drogas, quer miorrelaxantes, quer sedativas, são, com freqüência, testadas e muitas delas abandonadas ou porque são ineficazes no controle dos espasmos mais se-veros ou porque suas manifestações colate-rais e toxicidade as contra-indicam. Outro objetivo que se procura é o de se ter uma droga que permita o seu uso, eficaz e sem riscos, nos pacientes submetidos à Foi com a finalidade de termos urna expe-riência pessoal com o uso de benzodiazepí-mcos no tétano que nos propuzemos a utili-Departamento de Medicina Tropical e Dermatologia, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Chefe: Prof. João Alves Meira). Divisão de Medicina Tropical. (1) Assistentes do Departamento de Medicina Tropical e Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil (2) Livre-docente de Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas da Faculdade de Medicina da Uni-versidade de São Paulo, Brasil 340 ZERATI, A.; RAINERI, H. C. & AMATO NETO, V. - Tratamento do tétano com Diazepam. Análise de 50 casos. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:340-345, 1973. zar o Diazepam C*l em 50 pacientes com tétano não umbilical, internados no período de julho de 1970 a janeiro de 1971 na Unidade de Tetânicos da Clínica de Moléstias Tropicais e Infecciosas do Hospital das Clí-nicas da Faculdade de Medicina da Univer-sidade de São Paulo (Serviço do Prof. João Alves Meira) . Poderíamos, assim, confrontar os nossos resultados com os obtidos por di-versos outros Autores 1 , 3 • 4 • 9, que já o haviam utilizado desde o pioneirismo de GuADELUPE 2 no Uruguai, em 1963. MATERIAL E MÉTODOS Os pacientes foram distribuídos em relação à idade, foco provável, gravidade da doença, dose máxima diária das drogas utilizadas, vias de administração, estado de consciência, efeitos colaterais, controle dos espasmos e da hipertonia e evolução. O diazepam foi utilizado isoladamente, de preferência, ou em associação com a mefe-nesina ("Tolserol"), hidrato de cloral e "Gardenal", tanto em adultos como em crian-ças por via I. M., I. V. ou em solução gota-a-gota na veia. Em relação à gravidade, os casos foram divididos em 3 grupos, baseando-se na clas-sificação sugerida por REY & DroP MAR 8 : Grupo I - Formas benignas, caracteriza-das por curta duração e ausência de espas-mos e disfagia. Incluem, também, pacientes com espasmos de tipo tônico, ocasionais, que desaparecem totalmente com o tratamento sedativo simples e não apresentam dificuldade para deglutir. Grupo II - Formas agudas, generaliza-das, de média gravidade com disfagia mode-rada ou acentuada e espasmos tônicos espon-tâneos ou provocados, razoavelmente contro-lados pelo tratamento sintomático. Grupo III - Formas graves, de rápida evolução, com disfagia completa, espasmos tônicos e frequentemente clônicos ou suben-trantes, resistentes ao tratamento sedativo a não ser que altas doses sejam utilizadas, com < '-') Vali um, gentilmente cedido por "Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S/ A" insuficiência respiratória e necessidade fre-qüente de respiração artificial e às vezes de curarização. Quanto à idade, foco provável e modali-dade clínica da doença, nossos casos apre-sentaram a seguinte distribuição: Idade N.º de casos 30 dias a 10 anos 16 (32%) 11 anos a 20 anos 9 ( 18%) 21 anos a 40 anos 10 (20%) 41 anos a 60 anos 9 (18%) Mais de 60 anos 6 (12%) Foco provável N.º de casos Traumatismos vários ;37 Otite média crônica 5 D~~~ 1 Queimadura 1 Cirurgia 1 úlcera crônica da perna 1 ln j eção intramuscular 1 Indeterminado 3 Forma clínica Grupo I Grupo II Grupo III N.º de casos 11 (22%) 23 (46%) 16 (32%) A dose máxima média (média aritmética das doses máximas diárias individuais) de diazepam foi de 5,7 mg/kg para os pacien-tes do grupo III, 2,4 mg/kg para os do grupo II e 1,4 mg/kg para os casos do grupo I. RESULTADOS Tivemos uma letalidade global de 18 % ( todos casos graves), embora. 32 % dos casos estudados pertencessem ao grupo III. Cinco pacientes do grupo III foram curarizados, dada a impossibilidade do controle dos es-pasmos, mesmo com altas doses de diazepam associadas ao "Gardenal". Destes, quatro vieram a falecer. A duração do tratamento variou de 2 a 7 dias para os casos do grupo I, de 4 a 21 dias para os do grupo II e de 1 a 26 dias para os do grupo III. Coma medicamentoso ocorreu em 9 pa-cientes, dos quais somente um pertencia ao grupo II. Tratava-se de uma doente de 82 341 ZERATI, A.; RAINERI, H. C. & AMATO NETO, V. - Tratamento do tétano com Diazepam. Análise de 50 casos. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:340-345, 1973. anos cuja dose max1ma de diazepam em 24 horas foi de apenas 1,3 mg/kg. A maioria dos pacientes do grupo II e os restantes do grupo III, apesar de se apresentarem bem sedados, respondiam a perguntas e obedeciam a ordens. Outros, mesmo bem sedados, ti-nham espasmos quando estimulados. Poucos pacientes tiveram, quer durante a fase aguda do tétano, quer mesmo na convalescença, certos distúrbios neuropsíquicos de maior ou menor duração, mesmo com doses modera-das do benzodiazepínico: distúrbios de con-duta, agitação, euforia, confusão mental, alu-cinação, delírio, depressão e diplopia. Tais distúrbios foram mais evidentes em pacientes idosos e em alcoólatras crônicos. Outros efei-tos colaterais importantes não foram obser-vados. Para análise mais pormenorizada dos re-sultados obtidos em relação ao grupo III, observe-se o Quadro 1. QUADRO I Tratamento do tétano com Diazepam. Análise dos casos graves (Grupo III) caso Idade Peso Droga 1 31 68 1 Diazepam Tolserol --- _______ , _____ _ 2 13 37 Diazepam Gardenal Hidrato Medicação 1 Dose 1 máx./dia 440 mg 1 3 g 360 mg 400 mg 3 g 1 1 Estado de Controle Controle hiperto-consciência nias espasmos Via ' im, iv Coma / Regular 1 Mau ivgt/gt 1 im, iv Coma Bom Regular im vr Evolução i Curare óbito Alta 1 de cloral ---[------------ ------/---- 1------1----;-----j -----3 24 73 Diazepam Sedado Regular Regular Alta 330 mg im, iv 4 24 67 Gardenal Hidrato de cloral Diazepam Hidrato de cloral 200 mg 1 g 200 mg 2 g im vr im, iv Sedado Regular Regular vr --------- ------ ------l-----1------:·----·t---------1 5 19 50 Diazepam Hidrato de cloral 260 mg 4 g ---~---______ , _____ _ 6 6 17 7 46 55 Diazepam Hidrato de cloral Diazepam 125 mg 1 g 280 mg ------,---1------1~------1 8 60 68 Diazepam Hidrato de cloral 150 mg 2 g im, iv Coma vr lm, iv Coma vr im, iv Coma im, iv Sedado vr ---------------1------1-----1------1 9 46 70 10 27 43 342 Diazepam Gardenal Hidrato de cloral Diazepam Hidrato de cloral Diazepam Hidrato de cloral 190 mg im, iv Coma 400 mg im 3 g vr 380 mg im, iv Sedado ivgt/gt 3 g vr 340 mg im, iv Sedado 4 g vr Bom Regular Bom Mau Regular Mau Mau Mau Regular Mau Regular Regular Regular Mau Alta Alta Curare Alta óbito Curare ób.ito ·--Curare óbito Alta óbito ZERATI, A.; RAINERI, H. C. & AMATO NETO, V. - Tratamento do tétano com Diazepam. Análise de 50 casos. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 15:340-345, 1973. QUADRO I (Cont.) caso Idade Peso 12 6 25 Droga Diazepam Gardenal Hidrato de cloral Medicação Dose máx./dia 220 mg 200 mg 1,5 g Via im1 iv ivgt/gt im vr Estado de consciência Coma Controle hiperto-nias Controle Evolução espasmos Regular Mau Curare óbito ~ -- -----------f-------:-----1-------1-----:----,---- -13 35 12 15 9 19 16 60 Diazepam Gardenal Hidrato de cloral Diazepam Gardenal Hidrato de cloral Diazepam Hidrato de cloral 230 mg 100 mg 1,5 g 140 mg 200 mg 1 g 180 mg 1 g im ivgt/gt im vr im, iv ivgt/gt im vr im, iv 1 vr Sedado Regular Regular Alta Sedado Mau Mau óbito Coma Mau 1 óbito im: intramuscular; iv: endovenosa; ivgt/gt: endovenosa gota-a-gota; vr: via retal. COMENTÃRIOS E CONCLUSÕES Até a época da introdução do diazepam na terapêutica do tétano, utilizávamos a me-fenesina ("Tolserol") para obter o relaxa-mento muscular e combater os espasmos. Esta droga, porém, tinha um efeito sedativo pra-ticamente desprezível o que obrigava o uso do hidrato de cloral associadamente. Além disso, flebites freqüentes, a possibilidade de hemólise ou quadros hemorrágicos vários, quando do uso de elevadas doses e o seu precário efeito nos casos mais graves, tor-naram-na uma droga superada. Já os benzodiazepínicos tendo efeitos mior-relaxante, anticonvulsivante e sedativo evi-dentes, além de não produzirem habitual-mente efeitos colaterais importantes, j ustifi-cavam o seu emprego no tétano. Em princípio, devemos dizer da quase total inocuidade da droga, mesmo quando utilizamos doses acima das preconizadas e por tempo prolongado. Em certos casos, che-gamos a administrar de 360 a 440 mg/ dia para o adulto. Os distúrbios neuropsíquicos a que nos reportamos foram, como se disse, mais acentuados em pessoas idosas ou em alcoólatras crônicos. REY & LAFAIX 9 referem que acima de 5 mg/kg/ dia de diazepam ( ou em pessoas idosas acima de 2 mg/kg/ dia) pode se ob-servar o aparecimento de um estado coma-toso mais ou menos profundo, para o qual a associação de barbitúricos pode, também, ser responsabilizada. Nos nossos casos, como já referimos, tivemos uma paciente de 82 anos que permaneceu em coma mais ou me-nos superficial por cerca de 12 dias e que só tomou o benzodiazepínico em doses rela-tivamente pequenas (1,3 mg/kg/dia). Sua recuperação foi completa. KENDALL & CLARICE 5, REY & LAF AIX 9 acham que a prolongada demora na recuperação da cons-ciência pode ser explicada por um efeito cumulativo da droga, sem contudo levar a seqüelas mentais ou neurológicas. Nos casos em que surgirem tais distúrg_ios:::--neuro11sí_gui-cos recomenda-se a dim~~ t<liS21'~ a suspensão da droga. ;/ ~ -O -,Z. \\ O E. E. G. de tetânip~~ul[-91tti?~dê. esre '~\ tipo de tratamento é Jh~ .. 11;:_QUO}nflJ.P!l.1 Au~ í ,: ~ 'r:°1.J..)'1....i Qf{;/-\1 .H-% gráfico de sono; não ~,fus quaisquer peno a<§" \\<fl ~ , __ OTN ZERATI, A.; RAINERI, H. C. & AMATO NETO, V. - Tratamento do tétano com Diazepam. Anâlise de 50 casos. Rev. Inst. Mecl. trop. São Paulo 15:340-345, 1973. de silêncio elétrico quando o diazepínico é utilizado, mesmo em altas doses, diferente do que ocorre com os barbitúricos 6 • Comparativamente à mefenesina, ob,erva-mos que os pacientes tratados com benzodia-zepínicos necessitaram, com maior freqüên-cia, de sondagem vesical para o tratamento de retenção urinária. O efeito músculo-relaxante foi considerado hom, melhor do que o obtido com a mefene-sina; a sedação foi tida como satisfatória na grande maioria dos casos. Nos pacientes graves, com altas doses de diazepínicos asso-ciadas ao hidrato de cloral e ao "Gardenal", conseguiu-se bom efeito músculo-relaxante e controle razoável dos espasmos, possibilitando a instalação e manutenção de respiração ar-tificial. Alguns tetânicos, porém, os mais graves, mesmo com doses elevadas da droga, embora relaxados, continuavam a apresen-tar espasmos intensos e freqüentes, necessi-tando, assim, serem curarizados. Não observamos irritação do endotélio vascular. Embora diversos outros fatores tenham tido também influência ( melhor assistência médica e de enfermagem, melhor aparelha-mento para as emergências respiratórias, equipes médicas mais fixas para o atendi-mento, padronização das condutas a adotar e outras) observamos, também, uma melhor sobrevida do que com o uso da mefenesina. Realmente, se na presente série de casos tive-mos 18% de óbitos, nos 376 casos anterior-mente tratados fundamentalmente com a me-fenesina e o hidrato de cloral no período de janeiro de 1967 a dezembro de 1969, havía-mos tido 32% de óbitos 7 • Houve, pois, uma redução de 14% na taxa de mortalidade. Nos casos de óbito, não pudemos constatar a responsabilidade do benzodiazepínico por tal evolução. SUMMARY T etanus treatment with Diazepam. Study of 50 cases. The Authors present the results obtained with Diazepam in the basic treatment of 50 patients with non-neonatal tetanus at the Hospital das Clínicas, School of Medicine, University of São Paulo, Brazil. 344 Patients were distributed according to age, infection route, severity of disease, maximum daily dosage of the drugs employed, routes of administration, mental condition, side effects, control of spasms and course of the disease. The total death rate was 18 % , fourteen per cent less than that observed with the use of Mephenesin associated with chloral hydrate, although a few other factors may have contributed to the improvai of the death rate ohserved. A small number of patients, mainly the aged and alcoholics, showed but a few neuropsychic disturhances which suh-sided after treatmPnt or drug withdrawal (Diazepam). The muscle-relaxing effect of the drug Wfü, considered good and sedation satisfactory in the great majority of cases. With high doses of Diazepam ( associated with chloral hydrate and phenobarbital), the Authors have attained a good muscle-relaxing effect and a reasonable control of the spasms, in the severe cases; this has permitted the employment of artificial respiration. Cura-rization was used in the most severe cases. None of the death cases could be attributed to Diazepam. REFERll:NCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. EDELWEIS, E. L. & MARTINS, S. M. -Tratamento do tétano com Diazepam. Rev. Soe. Brasil. 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Tetanus treatment with Diazepam. Study of 50 cases

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Tratamento do tétano com diazepam. Análise de 50 casos

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