Porto, Gildete

Prata, Aluízio

Portuguese

Cadernos Espinosanos (E-Journal)

Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 8(5):193-196, setembro-outubro, 1966 616.931.3 BIOPSIA DE MúSCULO NA DOENÇA DE CHAGAS Aluízio PRATA ( 1 ) e Gildete PORTO ( 2 ) RESUMO Os Autores fizeram biopsia muscular de 67 pacientes com doença de Chagas. Em 11 doentes examinados na fase aguda, sàmente dois não apresentaram altera-ções. Estas consistiram no achado do parasitas e miosite em seis dêles e de miosite isoladamente em três outros. Nos casos crônicos encontraram miosite em 15 (27%), dos 57 examinados. Os parasitas apareceram isolados ou em ninhos. As alterações do tecido muscular consistiram de infiltrado linfo-histiocitário, focos de necrose hialina, atrofia e degeneração de fibras musculares com deposição de colágeno e hiperplasia e hipertrofia de células sarcolemais. Acentuam que o mé-todo de exame pode ser usado na fase aguda quando não se consegue encontrar o parasita no sangue periférico. INTRODUÇÃO CHAGAS 2 e GASPAR VIANA 6 encontraram em pacientes chagásicos lesões em músculos, com a presença ou não de parasitas, acom-panhados ou não de reação inflamatória. Os vasos, principalmente os de menor cali-bre, sofriam infiltração celular em suas pa-redes por contigüidade com os focos infla-matórios perivasculares. Os parasitas foram vistos nesses exames tanto na forma arre-dondada como na flagelar. Essa reação in-flamatória também foi verificada, fortuita-mente, por MAZZA ,& col. 3 em biopsia de conjuntiva de um caso no qual os cortes interessaram o tecido muscular. Vários Au-tores têm mencionado o comprometimento muscular em animais infetados pelo T. cruzi, como ALVARENGA ,& col. 1 em cães, GASPAR VIANA 6 em cobaias, MuNiz .& AZEVEDO 4 em macacos e ROMANA 5 em camundongos. Achamos que a microscopia do tecido muscular talvez fôsse de algum interêsse no diagnóstico da doença de Chagas e por isso resolvemos verificar melhor o valor dêste método de exame, fazendo biopsia em pa-cientes com as diversas formas clínicas da parasitose. MATERIAL E MÉTODOS Realizamos biopsias de músculos em 67 pacientes da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia. Todos êstes pacien-tes fizeram xenodiagnóstico e reação de MACHADO & GUERREIRO; 54 tinham exame electrocardiográfico e 57, exame radiológico. Dêles, 16 haviam sido por nós diagnostica-dos na forma aguda da doença, e portanto, com o tempo de enfermidade conhecido; os outros, ou vinham sendo acompanhados no Hospital há alguns anos ou, pela anamnese, pareciam ter adquirido a doença há algum tempo. Embora nos parecesse que pelo me-nos a maioria dêstes 51 pacientes estavam com doença de Chagas há mais de dois anos, Trabalho da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas da Faculdade de Medicina da Univer-sidade da Bahia, Salvador, Bahia (1) Professor catedrático (:d) Instrutora de ensino 193 PRATA, A . & PORTO. G. - Hh)l)$1;.) <IC mo~wuh) llft <l(n.'JWn de Chagas. Hf"I). lm~(. Jl/f>f(, lr1~p. !:.ti,, /'u11fo 8 193•196, 196G. prdt·rimo~ in('luí,lo!!!. no f!rupo n)m cltn·açilo ,j1•!--i<'<Jn l1<•c· icfo. Quanto a fonm1 d ín i,·a fornm d~tssific;alos da seguinlf• m,wt•ira : 11 r1guc..los (.' 56 c.:rÔ· nic-os. Dê$les. 27 for,1111 inc:luído:-: na foi'• ma i11dc..-knni11adu. 2,3 na c:ardiaca e 6 na rli~f•f.: livn. pois (.'rum porlndores de megae~Ô· fago. Entr1· Oi; c·auHopahlf.: haviam 17 ('Onl· p("n&1<los e ú de.stomp( ... nsaclos ( ... lnmhém 8 <·om "·olc@'H$'' os)oiociaclo. Todo1:1 01:1 n\i;~ in-cluídos como se-odo a;41u1o:-. llnham '/'. cru~i no sangue t·irculanlt' na épo<'a da hiopsiu, l'X('(•to um l'◊m sinal dt' Homaiia. fd,r(· 1· li níoti to:-:t• no qual oão ~· a<:hou o parasitt, no sangll(• peri íérico. mas sõmenlt> no X(. .. llO· c.tiug11ú),11ko e. como mc.·ndo11iut•na:)s uft hiop• siH ck· 1t1\lst:ulo. (Juaoto t10 f.:<"XO. :{6 t·ram do S(•Xo femini• no <· :1 1 cio masculino. Sete t inham ('Ôl' prt·· la. 50 eram par<IOs e 10 lil'anros. Três linha m ml·nos t.k- ('iuc·I) ano~, 10 com ida<lc (•nt l't' ('in<·<> t' 10 anos. 22 C'nt re 10 ._. 20 ano~ f' ~2 acima de 20 aJiO~. l)o~ a~udos. lrês apresN1tavam nwno8 de cinto anos, dois t·nl rl' .-inco n ]O uno.s, !'.:,l;i:-:. culrt· 10 t• 20 nuo::. t' um .l('ima tl1· 20 ano~. Em dois <·;..lsos a hiop~ia foi fc>itn duranle o trnlanwn· lo pelos nil ro íu rano:--- e· l"lrl t rês out rOf.:., opú~. ~(·11<lo que.· dêl-'ks. doi:-- lrnvit1m tomado a d ro, 2,1l <·1n ~ér it'f.: alk rnada:-: (·om P rimaqu ina. dura nlf' um ano. O Jo(.·al du l1iops ia foi ua panlul'r ilh.1 c-m 6-1, púdt·nl(•s, no rt~ião (lor~al ( mús~ulo grundt" dol'S{'I I} t·m ,toi~ oul ros t no tórax ( m\1:;(.·ttk, inlt' r<·o~tal ~ «·m um rf-slantc-. O inalt'r ial foi ton~e-rvaclo <'tn líquido d<· Bot1 in ou (•m formol. H.ESUJ..TAOOS Nos ff'$.uil.Hlo:; dfvemos coni.tid1·ra '1' os at·hnc.lQs espC'dfi<·os t~ o:-; i1u·s pt't'ÍÍ i(.·o s. Aquê-l1•s c·<>u~i:;Lcm ' no <•nc·on11·O dt- pt1 n\f.:i hl)-1 iw-Jado!l- 0 11 íoro1<111do rn ros ou vário~ rrioho:. nas íihras mu::;(·ula rc.•i;, ( Fig. 11. sob a for-ma k h;hmânia ou tripanru:.o 1r1 ►1. 0 !-5 ad m<los ine,sp(•rííiros tompreendt~m a:; all<~l'AÇÓ(•S eh: te<:ido llH1S(·1.1lnr I Flg. 2) caraclPrizaclas por hiperplasi~l f• h i pt•rl ro íiú clt l'élulas sarcolt"'· mnis, iníiltrnclo histioc:i1i-l rio d iíu:-:o ou pt.·ri-\la:-:.-·nlar, Íó<"'O$ ele ne<-rose hialina1 a lrofia f• dege1wração de.· íihra:; muscular(''S com clt•• posiç.ão do (·oMge·no. o~ pal'as:.itns. fonHn t!ll· 194 F1g, 1 - N inho de lelRhmHnln.!!i <10 T . cnuJ no lntC'l'IOr ílC íibn1 musculn 1• ei-1 ,•l;;Hlrt. li.E., l~O Y , <"'Onl rnclo~ S4\m1.•11!p uos Ir~:-- prinwiros nw~t•f.: dt.· dot·nça. h'n,fo sido vis1os f•m )-1(.+•: chts 1 1 hicp~i.-1::. ícilus nesh' 1wrfodo ( Quadro f 1. Havi:t mio8ile em novt· cio:::. 11 e-xames pra-tic.a.dos no prim<'ir·O l rimest re. no.:-. 1fois c.·n· ll't• 3-12 m('ses~ <'m t rês doí- 8ejs c.·nt rt~ 12-2-1 mt':-:1,•s 1.· em 1.0, dC'nt rf• o~ ,•.J8 (.'Ont Wlllf}O de duratiío dn clocnç.a d<'Séonh.-~<·i1b. En-1 rdação ,,om as fo rll'IHs díuic•a:;, oi. cfo-dos l't"Í f•rl"1He~ ao:. 1rê~ prinwüos meses <l<--,lo.~111,a ~e- ~ohrepõ..,. aos da fon 1Hl ogudn . Na fonnn nônica vn ifknn;o~ que• havia ai• lC'l'aç..1.o no trc.-ido mu~:ula r t•m 1 O dos :..s:1 p,U'ienles s-c.·m cardiopat ia <" C'm C'into e.lo:. 2:{ com <·a rdivp{ll ia. Dê.:•ll''S. <"inc.'O do:::, 17 t·ompen~l<l<)5; t~xihiam .t reaçüo ioflamalória (' nc.~uhum do~ tomp1•11sado:-: a ('\'itlc.-n<·iou 10 1111.lro 11). • • 1,. Fig, 2 - AltcHitt de fibras OlUS<'Ul11rei; es• l rlnd;t!I, c.-om 1>rollCê1'n.tão de cClulus sarcole• maü; e ei-pcssamen lo de ('OnJunUvô i ntCrs• tiC'lal. TU:., 21)() X , f'l{ATA, A. & PORTO, G. 13\ópSl.:t dé JTHh:('uJ<, na <!<,cnr,:n de Chagn,i. Jkv. lm,r. Meil. h 'Qt,. Siio " P(,ulo k : t:l;l- Lf.N), lfü;!-i. C.}llA OHO t Bic;psin musculnr cm relnr,:ã11 c:om o tcm1>•1 de ducnr,:a ltea ul tado 'rE•lllJ>O de M iosi te Mioi.i!e -flO('JH;fl eum sem, Ncg:ali,•n )Kll't1Sittl8 mu·a,il lflS me,ies ou me- l nos ........ 6 3 2 4·12 lll('S('S .. .. - 2 l :l-2'1 ml'ses . . - 3 ~ Dcsot••llh(.•dclu - 10 3}t ' l'oln l .. .. .. .. . " l ~ 43 QUADRO 1( Hiopslfl mu:-.<·u lnr cm rcln<:Ao < 111n n rorm:l H l ni<·a da doen<:n 1 C l'Vl\ iéa Rcsullndo ,\gudn sem Com <·{U'dlt'>l)at hl c1u·dio-I_ putiu C~l)<~s<-1)m• p-emmda 1>eni.adn ~ = Normul . . 2 23 P;HolóJ.:k<) 9 10 Tot.\l . .. . 11 ~3 ·~ .... 1: .. , ·,... ""' .  ,.. , .~ ...... ' ... ~ '• ~ .. . . "' "\.. ,. ~ ,\ •• t • =-=-,~ 6 5 f) 17 " Fig. 3 - Tnfillrru;iio linfod tAria. per ivnRculnr e ('<lemn do lccido jnterstkial. H.E .. 200 x . Do~ i;pi:; pa(_·ienlt·s com ··nw~fü• ,. t· ~ ·m ,·,ndiopalfo havfo miol'iik t•m dois <lêll'•s e, nos o ito l'Olll ' ·m(•,t1h•·· •· t'ftnl iopatia. em um ( Qu<lclro 111 ) . QUADRO 111 Biopsia m us.c:utn1• em pa<'lentes c-om " mcg;.\.s'' Re~ultndo t-:ormal Total Sém N1rdlo-patia 4 2 o com cunlioJmtia pensncl:;i pen&a(la 6 1 7 1 1 A liiopsia apr<-sc•nlou pams.ilo~ crn um t'fü!O lipic:o d1~ fo::-f• af.nida da dot:nça, apôs 16 exames n(•~•.H ivos de- s:.;.rngut" J)l'l'iíér ito. Havin micsil<.' l'IH dn<.·o e-lo::$ :Seis ca sos ,1.iu• do:; 1r.;i1ados pdo~ nit roíunmos, inclusive . em um ilo,•11!<.• li1fo como .. <.'ltrnclo" do ponto cl t• vis la ~())'()lú~i('O . ._,lí11i,·o <' purn~ilológiC'o. O ! SCUSS.1\0 Ap{,~ Cn ,,C.<\$ '.! l<.·r e.li lo que o r . Cfll ! i podia $1• r c•1H'01llrado no kddo muscular de lodos os pac·it'nlcs necrop~iado:-:, qualqun q ue ÍÔSS(' a forma d í nic·a ela ,lo1~nço. é sm·-JH'l'l'lld(·nle como êsle método não livcsse ~ido 111ili2.ndo no dh\~1u)s1it'o da ptl ru:Sil05e. Xa fo rma a~ucla cfo dornça <lc~ Chagai. o 1.-iponosoma pôde &-r rnconlrado em 5-1..55;, <lo~ llOSSO$ pad1·nh•i:,, .:'fr~k período de in-fN·<.;iío a liiop~io mu$cultll' t'$lá indi<.:adn pnra aquêles c:a ::.o:-: ~m que- não f•1H·on1ramos:. o parasita no sang u<~ pe-ri íéric-o apbs r~pc'lido:-: exames. Nos nwses S<'guintt->s ao de·sapa re• t'ifr'll'nlO das manifrsluçÔl-s d ínin1s da Ífl.st' ap;u<la, f•m <fm~ o T. cru:i não mais é c;n. contrado no san:,t:ul"" prriféri<:o, e~. prilH'ipal-menle q uando não ~e .. dispuser de fa c ilida• des para realiw çfio cio xenodia~nóslic:o e da r(•ação d<.· M ACIIAOO & CuEnnr.mo, o twhado rfr· mi0$Íh' c·om :-i~ ,·tm-H'h•l·í:e:1i,·~ls que• nwn-tionamos c:onstilui um clenw·nto auxilia r parn o d iagnósli<-o da doença cle Chn~ws. H);) PRATA, A. & PORTO, G. - Biopsia de músculo na doença de Chagas. Rev. Inst. Med. trop. São Paulo 8: 193-196, 1966. O fato de cêrca de 27'% dos nossos pa-cientes com forma crônica apresentarem mio-site poderia ter aigum significado no diag-nóstico diferencial com outras miocardiopa-tias; no entretanto, quando analisamos os seis pacientes descompensados, verificamos que nenhum dêles tinha inflamação mus-cular. V ale a pena ressaltar que em cinco dos seis casos tratados pelos nitrofuranos a biopsia muscular apresentou miosite, embora alguns xenodiagnósticos e a reação de MA-CHADO ,& GUERREIRO estivessem negativos; um dêstes casos, em que havia miosite após o tratamento, já conta com 75 xenodiagnósti-cos negativos após o término da medicação. SUMMARY Biopsy of muscle in Chagas' disease Biopsies of muscle were performed in 67 patients with Chagas' disease. Eleven pa-tients were examined during the acute phase and only in two of them no changes were found. Parasites plus chronic myositis were se~n in 6 of them. Other 3 presented only myos1hs. ln 56 chronic cases myositis was found in 15 (27 per cent). Parasites were observed both m "nests" or isolated. Changes in the muscular tissue consisted of lympho-histiocytic infiltrations, focal areas of collagen formation and hyper-196 plasia and hypertrophy of the sarcolemal cells. Muscle biopsy seems to be a valuable too! for the diagnosis of . acute Chagas' disease specially in those cases in which the para-sites could not be demonstrated in the peri-pheral blood. REFER!l:NCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALVARENGA, R. J. - Histopatologia da moléstia de Chagas e do Calazar em cãe's naturalmente infectados. Hosp'ital (Rio) 57: 23-40, 1960. 2. CHAGAS, C. - Processos patogênicos da tri-panozomíase americana. Mem. Inst. Oswal-do Cruz 8: 5-36, 1916. 3. MAZZA, S.; MIYARA, S. & JõRG, M. E. -Investigaciones sobre la enfermedad de Cha-gas. Misión Estud. Pato!. Reg. Argent., 1944. 4. MUNIZ, J. & AZEVEDO, A. P. de - Nôvo conceito da patogenia da "Doença de Cha-gas" (Trypanosomiasis americana). Hospital (Rio) 32 :165-183, 1947. 5. ROMAN'A, C. - Contribuição ao conheci-mento da patogenia da tripanozomose ame-ricana. Mem. Inst. Oswaldo Cruz 39:253-264, 1943. 6. VIANA, G. - Contribuição para o estudo da anatomia patológica da "moléstia de Car-los Chagas". Mem. Inst. Oswaldo Cruz 3: 276-293, 1911. Recebido para publicação em 3/3/1966. 

Biopsy of muscle in CHAGAS’ disease

https://www.revistas.usp.br/rimtsp/article/download/201996/186136

Biopsia de músculo na doença de chagas

Abstract

Similar works

Full text

Available Versions

Cadernos Espinosanos (E-Journal)