A resenha focaliza o livro “A formação de professores em São Paulo (1846-1996): a prática de ensino em questão”, publicado em 2016, por Jane Soares de Almeida. A autora caracteriza a sociedade brasileira nos anos finais do século XIX, as Escolas Normais, a Habilitação Específica para o Magistério (HEM) e os Centros de Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério (CEFAMs), sendo os dois últimos condenados pela Lei 9.394/1996, ao exigir diploma de nível superior aos professores da educação básica. Segundo Almeida, as reformas procedidas desde o século XIX se orientavam muito mais por motivações políticas do que por necessidades educacionais e, no que diz respeito à formação prática, cerne da discussão da obra, a disciplina se manteve quase inalterada por todo o século XX nas Escolas Normais, na HEM, posteriormente nos CEFAMs e também no ensino superior, nos cursos de Pedagogia

Fürkotter, Monica

Mazzeo Mariano, Jorge Luís

Portuguese

Revistas da Faculdade de Ciências e Tecnologia UNESP (Universidade Estadual Paulista São Paulo)

 Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 28, n. 2, p. 283 - 288, Maio/Agosto, 2017. ISSN:2236-0441 DOI: 10.14572/nuances.v28i2.5723 283   A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO (1846-1996): A PRÁTICA DE ENSINO EM QUESTÃO1  THE TRAINING OF TEACHERS IN SÃO PAULO (1846-1996): TEACHING PRACTICE IN QUESTION  LA FORMACIÓN DE MAESTROS EN SÃO PAULO (1846-1996): PRÁCTICA DE LA ENSEÑANZA EN CUESTIÓN   *Monica Fürkotter **Jorge Luís Mazzeo Mariano   A Professora Jane Soares de Almeida graduou-se em Pedagogia e em Artes Industriais, tendo atuado na rede pública paulista de Ensino Fundamental de 1966 a 1985. Fez Mestrado em Educação, Doutorado em História e Filosofia da Educação e pós-doutorado nos Estados Unidos e na Espanha. Atuou na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) de 1986 a 2003, quando se aposentou como livre-docente. Iniciou sua atuação na pós-graduação na Unesp, dando continuidade na Universidade Metodista de São Paulo e, mais recentemente, na Universidade de Sorocaba, orientando mestrados e doutorados. Foi sócia-fundadora da Sociedade Brasileira de História da Educação e desenvolveu pesquisas nas áreas de História da Educação, Formação e Profissão Docente, Magistério Feminino, História das Mulheres e Estudos de Gênero. Teve uma produção significativa na área, com artigos publicados em periódicos científicos nacionais e internacionais e livros, com destaque para “Mulher e educação: a paixão pelo possível” e “Ler as letras: por que educar meninas e mulheres?”. Em seu último livro, “A formação de professores em São Paulo (1846-1996): a prática de ensino em questão”, publicado em 2016, a Profa. Jane apresenta os resultados de sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de São Carlos, em 1991, oportunamente ampliados e atualizados. Como precisamente indica Dermeval Saviani, no                                                      1 Resenha crítica de ALMEIDA, Jane Soares de. A formação de professores em São Paulo (1846-1996): a prática de ensino em questão. Campinas: Autores Associados, 2016. * Doutora em Ciências Matemáticas pelo ICMC-USP (São Carlos). Atualmente é docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). Email: monicaf@unoeste.br ** Doutor em Educação pela UNESP (Campus de Presidente Prudente). Atualmente é Bolsista de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). E-mail: jorgemariano86@yahoo.com.br   Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 28, n. 2, p. 283 - 288, Maio/Agosto, 2017. ISSN:2236-0441 DOI: 10.14572/nuances.v28i2.5723 284   prefácio, a referida obra trata de um tema antigo, porém atual, que é a formação de professores(as). As suas análises possuem uma base empírico-documental acerca da formação de docentes no Estado de São Paulo, dentro do recorte temporal estabelecido (1846-1996). No que tange à estrutura da publicação, a pesquisa é apresentada em cinco capítulos, além de mais uma parte que é destinada às considerações finais. No capítulo 1, Formar bons professores: um símbolo da República brasileira, a autora procura caracterizar a sociedade brasileira nos anos finais do século XIX. Neste sentido, destaca que a classe média cada vez mais ansiava por educação, uma demanda, sobretudo, das mulheres. Em tal contexto emergiram as Escolas Normais, que representavam a oportunidade de as moças de classe média aumentarem seus níveis de instrução. No início do século XX intensificou-se a demanda, com a preocupação de que as mulheres ocupassem essencialmente funções na educação da infância.  O contexto nacional ufanista e patriota indicava que os mestres e mestras deveriam ser os luminares da ciência para que o país atingisse seus objetivos civilizatórios. De acordo com a autora, a partir da década de 1940, a demanda por docentes bem preparadas(os) colaborou para que existissem no país as Escolas Normais, formando professores(as) primários(as), e os Institutos de Educação, que forneciam habilitação para o magistério e administração escolar. Os Cursos Normais Regionais estavam voltados à formação de regentes para o ensino primário enquanto a Pedagogia preparava os docentes em nível superior.  Em seguida, Almeida exibe a trajetória das Escolas Normais até a sua extinção, em 1971, quando, no contexto das políticas tecnicistas, foi proposta a formação profissional de professores(as) para atuarem nas séries iniciais do primeiro grau, a Habilitação Específica de 2º Grau para o Magistério (HEM). Isto é, os cursos foram convertidos numa habilitação profissional e perderam as caraterísticas que tradicionalmente os constituíam. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394/96, não chegou a extinguir os cursos de formação de professores(as) em nível médio, porém, determinou que o diploma de nível superior fosse uma exigência para lecionar na Educação Básica.  No capítulo seguinte, Formação prática de professores e a profissionalização docente, a autora faz uma reflexão acerca do poder transformador da educação, haja vista que ela é um instrumento de promoção da cidadania, aspecto presente na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.394/96. É na escola que se formam os(as) trabalhadores(as), sendo um local privilegiado para educa-los(as) também para a cidadania. Tal escola demanda por docentes e saberes  Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 28, n. 2, p. 283 - 288, Maio/Agosto, 2017. ISSN:2236-0441 DOI: 10.14572/nuances.v28i2.5723 285   pedagógicos que revolucionem o seu espaço, elevando a qualidade na educação e, por consequência, realizando uma transformação social. Contudo, percebe-se um aligeiramento na formação, além de a maioria ser oferecida no período noturno e com propostas de estágio mecânicas e restritas ao cumprimento de horas exigidas pela legislação. As atividades práticas realizadas no século XXI, nos cursos de formação de professores, pouco se alteraram em relação àquelas idealizadas no século XIX. Diante disso, Almeida entende que a formação profissional que não é capaz de acompanhar as mudanças de seu devir histórico tende a colher mais fracasso do que sucesso. A pesquisadora finaliza o capítulo destacando que, ao falar de profissionalização docente não há como deixar de lado o discurso ideológico, difundido a partir de 1890, e que marcou definitivamente a profissão: a ideia de que as mulheres eram as melhores educadoras da infância. Em continuidade a essa discussão, o terceiro capítulo intitula-se Abnegada e louvável missão de ensinar: Escolas Normais, cursos para moças. Nele, Almeida afirma que muitas eram as características esperadas para aquelas que ocupariam o lugar de educadoras infantis da nação. As moças, desde a mais tenra idade, além de serem amorosas, submissas, dedicadas e mães indispensáveis, deveriam ser obedientes.  O processo de feminização do magistério foi fortalecido após a República e até as primeiras décadas do século XX, quando a docência era praticamente a única carreira para as mulheres, sendo encarada como uma continuidade do trabalho no lar. A conquista de espaço no magistério, um trabalho digno que as habilitava profissional e intelectualmente, foi a via encontrada pelas mulheres para romper com a esfera doméstica e adentrar no mercado de trabalho. O capítulo quatro, A prática de ensino nos currículos das Escolas Normais em São Paulo (1846-1996): 150 anos de formação de professores, a autora inicia caracterizando as Escolas Normais como, no princípio, instituições frágeis que ministravam ensino elementar, voltadas inicialmente somente ao público masculino, criadas para formar professores para o ensino primário. Em São Paulo, a primeira Escola Normal foi criada em 1846, exclusivamente para homens, abordando aquilo que os futuros docentes deveriam ensinar e tendo no programa apenas “Métodos e processos de ensino” (ALMEIDA, 2016, p. 61) de caráter pedagógico, não havendo disciplinas voltadas ao preparo prático dos discentes. Com o passar do tempo as mulheres começaram a frequentar as escolas e ocorreram reformas, entretanto não se modificou  Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 28, n. 2, p. 283 - 288, Maio/Agosto, 2017. ISSN:2236-0441 DOI: 10.14572/nuances.v28i2.5723 286   a formação prática, que ocorria na forma de “exercícios práticos de ensino... realizados nas escolas primárias.” (ALMEIDA, 2016, p. 65) A autora destaca a Reforma da Instrução Pública realizada por Caetano de Campos, que reestruturou as Escolas Normais, privilegiando a formação prática, voltada para o treinamento profissional, “com a criação de escolas-modelo como campo de experimentação prática” (ALMEIDA, 2016, p. 69), nas quais a observação era considerada fundamental na formação do(a) professor(a) e seguia-se as recomendações de Comênio, sistematizadas por Pestalozzi.  Muitas transformações curriculares ocorreram, seja pela distribuição de disciplinas e carga horária, pela duração, pelos exercícios práticos de ensino, pela formação prática realizada em estágios que não apareciam no currículo, pela presença da prática de ensino como disciplina autônoma ou não, e até mesmo pela diferenciação entre seções feminina e masculina, mas mantendo a concepção de que dominando os conteúdos teóricos, ao terem contato com a realidade, os(as) futuros(as) professores(as) se apropriariam do conhecimento prático, o que, segundo Almeida, é um equívoco, na medida em que essa perspectiva está divorciada da prática cotidiana dos(das) docentes. Mesmo na década de 1960, a formação prática ainda mantinha características das reformas realizadas por Caetano de Campos em 1890, “com atividades de observação, participação e regência de aulas, sendo a prática de ensino realizada somente na forma de estágios supervisionados.” (ALMEIDA, 2016, p. 133) Em 1974, tendo em vista a Lei 5.692/1971, a Escola Normal paulista foi transformada na HEM, contemplando alterações na prática de ensino e no estágio supervisionado e considerando didática, metodologia e prática de ensino indissociáveis. Entretanto, as orientações levaram as atividades práticas a assumirem “feições de treinamento para determinadas habilidades” (ALMEIDA, 1996, p. 150), alijando da formação “a criatividade, condição inerente ao ato de ensinar.” (ALMEIDA, 2016, p. 150) Os Centros de Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério (CEFAMs) foram criados em algumas cidades do estado de São Paulo, em 1988, com uma proposta diferenciada de formação, funcionando em período integral, com duração de quatro anos, e pagamento de bolsas de estudos para os alunos, que deveriam integralizar 360 horas de estágio supervisionado.  A promulgação da LDBEN, Lei 9.394/1996, ao estabelecer que todos os professores da educação básica do país devem ter diploma de nível superior, condenou a HEM e os CEFAMs.   Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 28, n. 2, p. 283 - 288, Maio/Agosto, 2017. ISSN:2236-0441 DOI: 10.14572/nuances.v28i2.5723 287   No capítulo seguinte, Prática de ensino com estágio supervisionado na formação de professores: alguns apontamentos teóricos e realidade das escolas, Almeida propõe uma análise dos estudiosos clássicos da Educação como Comênio, Rousseau e Pestalozzi. Este último criou o método intuitivo que possuía como ideia basilar que o conhecimento não se fixava se não passasse pela experiência concreta dos sentidos. Como este método valorizava a experimentação e a observação, foi adotado na Reforma de Caetano de Campos. Almeida afirma que no século XX foram procedidas algumas reformas, porém pouco se alterou na questão prática da formação docente. Aliás, quando as Escolas Normais se transformaram em HEM, privilegiou-se os estágios com características de treinamento. A partir da década de 1980 os(as) estudiosos(as) acadêmicos(as) ampliaram a atenção acerca da estreita relação entre teoria e prática no processo de formação docente e a transformação do estágio como um mediador entre essas duas dimensões. Contudo, os estágios foram descaracterizados, uma vez que focaram o cumprimento das horas.  No contexto atual, observa-se que a formação tem se revelado insatisfatória, aspecto comprovado pela qualidade do ensino público. A LDBEN 9.394/96 pouco contribuiu para a formação prática docente, a não ser com o aumento da carga horária para os estágios. Finalizando o livro, Almeida ressalta que a análise da história da formação de professores(as) no Estado de São Paulo demonstra que as reformas procedidas desde o século XIX se orientavam muito mais por motivações políticas do que por necessidades estritamente educacionais. No que diz respeito à formação prática, cerne da discussão nesta obra, a autora ressalta que essa dimensão só foi seriamente encarada pelo poder público no século XIX, com a Reforma Caetano de Campos. De acordo com a pesquisadora, a disciplina se manteve quase inalterada por todo o século XX nas Escolas Normais, na HEM, posteriormente nos CEFAMs e também no ensino superior, nos cursos de Pedagogia. Por fim, no século XXI, “existem ainda professores leigos, com formação incompleta e baixo nível de escolaridade” (ALMEIDA, 2016, p. 213) e a formação de docentes ainda não é um assunto tratado pelas políticas educacionais com a devida atenção. Como a História da Educação demonstra, as políticas públicas para a Educação têm sido baseadas em modismos pedagógicos que respondem aos organismos internacionais, atendem à pressão da iniciativa privada e ignoram as necessidades locais.    Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v. 28, n. 2, p. 283 - 288, Maio/Agosto, 2017. ISSN:2236-0441 DOI: 10.14572/nuances.v28i2.5723 288   O livro, como toda a obra de Jane Soares de Almeida, contribui significativamente para o debate sobre a formação de professores(as) provocando reflexões que certamente poderão contribuir na melhoria da qualidade de ensino.  Recebido em fevereiro de 2017. Aprovado em agosto de 2017. 

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO (1846-1996): A PRÁTICA DE ENSINO EM QUESTÃO

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