Almeida, Gabriella Silva

de Sá, Ivone Manzali

Senna-Valle, Luci

Portuguese

Archives of the Faculty of Veterinary Medicine UFRGS

NOTA CIENTÍFICA Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 276-278, jul. 2007   Introdução  A tradição do uso de corantes vegetais para tingir lã e algodão utilizados nos teares manuais vem de longa data nas comunidades mineiras. No Brasil, o algodão, a técnica de tecelagem e o conhecimento de pigmentos minerais e corantes vegetais já eram utilizados por grupos indígenas nos anos de 1500 para tecerem suas indumentárias e redes [1,2]. Em 1785, a rainha de Portugal, D. Maria I, “a Louca”, proibiu as manufaturas existentes no país à exceção das fazendas destinadas ao uso dos escravos e para empacotar produtos. No entanto, a tecelagem continuou a ser produzida clandestinamente em centenas de teares espalhados por Minas Gerais [1]. O uso do tear manual e de corantes vegetais caiu em desuso em função do advento da industrialização e a introdução de corantes artificiais, como também do desenvolvimento de materiais como o náilon e o acrílico, restando apenas algumas tecedeiras isoladas em algumas comunidades que persistiram na tradição do tear mineiro. Santo Antonio do Rio Grande é uma comunidade rural, tipicamente campesina [3], com uma população em torno de 200 pessoas, pertencente ao município de Bocaina de Minas, situado na Serra da Mantiqueira, Minas Gerais, Brasil. A vila está em torno de 800 a 1200 metros de altitude, e seu ambiente é composto de Floresta Pluvial Montana, com manchas de cerrado e campo de altitude, segundo Rizzini [4]. Seus habitantes não têm mais a prática do tear mineiro, mas, no entanto, ela está presente na lembrança de alguns membros mais antigos da comunidade. Esta pesquisa é parte de dissertação de mestrado, e teve como objetivo registrar o conhecimento da elaboração e fixação dos corantes vegetais.  Material e métodos  A. Análise Qualitativa As informações foram obtidas através das técnicas de entrevistas não estruturada e informal [5,6] onde as informações sobre plantas utilizadas em tingimento de lã e algodão foram espontaneamente citadas, sem que o pesquisador tenha demandado o assunto. Também foi utilizada a técnica de entrevista semi-estruturada [5,6] com uma das informantes para esclarecimentos sobre os processos de obtenção dos corantes. O material botânico foi coletado, herborizado, identificado e depositado no herbário do Museu Nacional (R). B. Análise Quantitativa  Foi utilizado o valor de diversidade de uso (UDs) de Byg & Balslev (2001) modificado [5] para verificar qual espécie tem diversidade de uso mais significativo, além do uso tintorial. As outras categorias utilizadas na fórmula para algumas plantas foram: corante para alimentos, alimentícia e medicamento. UDs = 1/∑Pc2 Onde, Pc = contribuição da categoria de uso c para a utilidade total da espécie s (número de vezes que a espécie foi mencionada dentro de cada categoria de uso, dividido pelo número total de citações de usos da espécie s entre todas as categorias de uso).  Resultados e discussão Seis informantes, sendo cinco mulheres e um homem, todos com idade acima de 50 anos, citaram sete espécies, distribuídas nas seguintes famílias: Bixaceae (uma), Fabaceae (duas), Melastomastaceae (uma), Myrtaceae (uma), Musaceae (uma) (tab. 1), dos gêneros Bixa, Indigofera, Senna, Trembleya, Campomanesia e Musa. A planta citada como ruivinha ainda se encontra em fase de identificação.  O método de preparo (fig.1) varia em função da planta utilizada, onde o corante azul é obtido associando-se as folhas do anil a uma preparação chamada “diquada” (fig.2b), preparada com cinzas e água em um recipiente chamado “barrileiro” (fig.2a), que além de ajudar na formação da cor, também tem função de fixador ou mordente. Nesta solução coloca-se a lã ou o algodão de molho por alguns dias. As demais cores como amarelo e vermelho, são preparadas pela simples adição de água nas partes utilizadas das plantas e molho por alguns dias, sendo que a quaresminha do campo necessita de fervura. Moura [8] descreve o processo de tingimento e tecelagem utilizada em Minas Gerais nos anos 1800, muito semelhante aos relatados pelas informantes da comunidade estudada. Ao mesmo tempo em que ocorria o processo de investigação deste conhecimento pela pesquisa etnobotânica, algumas mulheres da comunidade, através da criação de uma cooperativa de artesanato, começaram a reaprender a tecer com teares manuais, mostrando interesse por esta prática que estava em vias de desaparecer. Estas aprendizes de tecedeiras demonstraram interesse nas técnicas para obtenção do corante vegetal, objetivando A Tradição do Uso de Plantas Tintoriais da Comunidade Rural de Santo Antonio do Rio Grande Ivone Manzali de Sá1, Luci de Senna-Valle2 e Gabriella Silva de Almeida3 ________________ 1. Mestranda em Etnobotânica da Pós Graduação em Ciências Biológicas do Museu Nacional/UFRJ. Quinta da Boa Vista s/nº São Cristóvão,Rio de Janeiro,RJ, Brasil.CEP: 20940040. E-mail: ivmanzali@gmail.com 2. Professora Adjunto do Departamento de Botânica, Museu Nacional/UFRJ. Quinta da Boa Vista s/nº São Cristóvão,Rio de Janeiro,RJ, Brasil.CEP: 20940040.  3. Estagiária do Departamento de Botânica do Museu Nacional/UFRJ. Apoio financeiro: CAPES.  Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 276-278, jul. 2007  277 agregar valor ao seu produto junto ao mercado turístico que valoriza mais os produtos artesanais. Houve uma demanda para que a pesquisadora organizasse as informações das plantas tintoriais obtidas na pesquisa e repassasse para a cooperativa. A partir deste fato, pode-se fazer uma reflexão da influência que o estudo etnobotânico pode ter sobre a comunidade estudada. O impacto que o retorno desta atividade poderá ter sobre o meio ambiente deverá ser melhor avaliado, em função da pressão ambiental causada pelo aumento de demanda das plantas utilizadas para o tingimento. Todas as plantas citadas eram obtidas por extrativismo, sem relato de manejo sustentável, com exceção da Bixa orelana L. e Musa sp., que são cultivadas até hoje para outros fins. O valor de diversidade de uso (UDs) apontou a Campomanesia adamantium Berg. (tabela 2) como a espécie com maior índice de uso 2,5 (dois e meio) indicando que é a espécie que poderia sofrer a maior pressão antrópica em relação às demais plantas tintoriais. No entanto, este dado deve ser considerado associado a estudos posteriores de manejo e ecologia para estabelecer um manejo sustentável com o objetivo do desenvolvimento local da prática de tecelagem artesanal e tingimento vegetal na comunidade de Santo Antonio do Rio Grande.  Agradecimentos  A CAPES, pela concessão de bolsa da aluna e ao PRONAP, pelo auxílio em campo. À população de Santo Antonio do Rio Grande, em especial à Sinhá Bela, Neimar, D. Nercy (in memorian), D. Palmira (in memorian), D. Zenaide, D. Maria e Sr. Cyriaco. Ao especialista Haroldo Lima e Robson Ribeiro pela identificação das Fabaceae e aos funcionários do herbário do Museu Nacional do Rio de Janeiro.  Referências [1] FERREIRA, E.L. 1998. Corantes naturais da flora brasileira. Curitiba, Optagraf Editora e Gráfica Ltda. 98p.  [2] DEAN, W. 1991. A botânica e a política Imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n.8. p.216-228. [3] QUEIROZ, M. I. P. 1973. O campesinato brasileiro: ensaios sobre civilização e grupos rústicos no Brasil. Petrópolis – São Paulo: Vozes Edusp (Estudos brasileiros, v.3) [4] RIZINI, C.T. 1979. Tratado de Fitogeografia do Brasil. São Paulo, vol.2, HUCITEC, Editora da Universidade de São Paulo, 374p.   [5] ALBUQUERQUE, U.P.& LUCENA, R.F.P. (orgs).2004.  Métodos e Técnicas na Pesquisa Etnobotânica. Recife, LivroRápido / NUPEEA. 189p. [6] MARTIN, G.J. 1995. Ethnobotany: A methods manual. London, Chapman and Hall, 268p.  [7] MOURA, M.D. 2002 [Online]. A indústria artesanal de tecidos artesanais em Minas Gerais na primeira metade do século XIX. Anais do X Seminário sobre a Economia Mineira [Proceedings of the 10th Seminar on the Economy of Minas]. Homepage: http://www.cedeplar.ufmg.br/diamantina2002/textos/D14.PDF  Tabela 1. Listagem das plantas tintoriais utilizadas no arraial de Santo Antonio do Rio Grande, com seus nomes populares e botânicos, suas respectivas famílias, partes utilizadas e cores obtidas. Nome popular Nome botânico Família Parte utilizada Cores  obtidas urucum Bixa orelana L. Bixaceae sementes vermelho anil–da-folha-pequena Indigofera aff. suffruticosa Mill.. Fabaceae folhas  azul anil-da-folha grande ou poirana Senna cernua (Balbis) I. & B. Fabaceae folhas azul quaresminha-do-campo Trembleya cf phlogiformis DC. Melastomataceae folhas  amarelo bananeira Musa sp. Musaceae umbigo/coração preto gabirova  Campomanesia adamantium (Cambess.) Berg. Myrtaceae frutos amarelo ruivinha   Indeterminada  - rizoma amarelo     Tabela 2. Lista de nomes populares, nomes botânicos das plantas tintoriais, índice de versatilidade e seus usos. Nome popular Nome botânico Diversidade de Uso (UDs) Indicação de uso urucum Bixa orelana L. 2,000 tingimento de lã e algodão; corante de alimentos anil-da-folha-pequena Indigofera aff. suffruticosa Mill. 0,027 tingimento de lã e algodão anil-da-folha-grande ou poirana Senna cernua (Balbis) I. & B. 0,250 tingimento de lã e algodão quaresminha-do-campo Trembleya cf  phlogiformis DC. 0,250 tingimento de lã e algodão bananeira Musa sp. 2,000 tingimento de lã e algodão e alimentícia gabirova  Campomanesia adamantium (Cambess.) Berg. 2,500 tingimento de lã e algodão; alimentícia;  medicamento ruivinha Indeterminada 1,000 tingimento de lã e algodão  Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 1, p. 276-278, jul. 2007  278                                              Amarelo:Folhas de quaresminha na água fervente.Frutos de gabirova esmagados com um pouco de água friaRizoma de ruivinha em água fria.Vermelho:Sementes de urucumesmagadas em águaAzul:Folhas de anil e anil-poirana com adição de diquada, para formar o azul e fixar a cor Verde:Depois do tingimento com o amarelo, deixar de molho na preparação do anil + diquadaObtenção dos corantes vegetaisPreto:Depois do tingimento com o anil, ferver com água e umbigo/coração de bananeira Figura 1.  Diagrama de Venn demonstrando as diversas cores obtidas pelas plantas tintoriais e as suas técnicas de preparo.       Figura 2.  a - Barrileiro para fazer a diquada; b - Diquada sendo despejada em uma preparação; c - D. Palmira Mendes (in memorian) tecendo um cobertor de lã em tear mineiro;  d-g  - Colchas de lã e algodão tingidas por anil (d), quaresminha e urucum (e), anil, quaresminha e urucum (f e g).  

A tradição do uso de plantas tintoriais da comunidade rural de Santo Antonio do Rio Grande

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