Adrião, Theresa

Garcia, Teise de Oliveira Guaranha

Peroni, Vera Maria Vidal

Portuguese

Archives of the Faculty of Veterinary Medicine UFRGS

ISSN: 2236-5907  https://seer.ufrgs.br/fineduca/issue/view/4275 FINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação, v. 11, 2021.1     Seção Temática: Os Recursos Públicos em Disputa Volume 11 - 2021 Apresentação da Seção Temática – Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextos   Theresa Adrião Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas/SP – Brasil Vera Maria Vidal Peroni  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS – Brasil Teise de Oliveira Guaranha Garcia Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP – Brasil  Em contextos nos quais a desigualdade no acesso a bens e a direitos socialmente construídos é parte constitutiva das relações sociais eleva-se a importância que os recursos públicos assumem como elemento fundamental para o seu enfretamento. Essa correlação é tanto maior quanto mais se instituem e generalizam estratégias de ajustes fiscais amparadas em prognósticos que privilegiam a concentração da riqueza e a ampliação do poder em mãos de corporações globais associadas a interesses de investidores financeiros.  Em linhas gerais, esse é o quadro que se apresenta na maior parte dos países e de regiões do Sul Global, nos quais a globalização econômica serviu para manter sua inserção periférica e subalterna na divisão internacional do trabalho. Esses elementos constitutivos da financeirização econômica, forma preponderante de reprodução do capitalismo nesta era, quando analisados a partir de perspectivas locais, desvelam contradições nos processos de sua materialização e permitem refinar a análise e substanciar alternativas de resistência. A partir do aporte de pesquisadores, cujo olhar tem sido apurado pelo exercício da análise de seus contextos locais, propõe-se a  Seção Temática Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextos,  na qual reúnem-se artigos que desvelam contradições, ampliam o entendimento sobre processos e fenômenos verificados em contextos específicos e sugerem ferramentas para o enfrentamento de desigualdades educacionais e assimetrias no acesso à educação como direito humano.  A iniciativa inscreve-se na Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores em Privatização da Educação (ReLAAPPe), que articula pesquisadores e pesquisadoras da América Latina e África para a promoção de diálogos acerca dos processos e efeitos da privatização da educação, tendo por princípio a educação como direito humano fundamental e o fortalecimento dos sistemas públicos como premissa para sua concretização1.                                                             1  Disponível em: https://www.relaappe.fe.unicamp.br/pt-br. ISSN: 2236-5907       Disponível em: http://seer.ufrgs.br/fineduca ADRIÃO, Theresa; PERONI, Vera Maria Vidal; GARCIA, Teise de Oliveira GuaranhaApresentação da Seção Temática – Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextosFINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação, v. 11, 2021. 12Nestes termos, a Seção Temática é composta por artigos elaborados por pesquisadores que integram a ReLaaPPe, acionados pelas organizadoras, e por artigos encaminhados na forma de demanda espontânea para este número específico da Revista Fineduca. Os textos, como se verá, consideram em sua análise aspectos do financiamento da educação, em quaisquer de suas modalidades ou etapas, relacionando-os a formas de privatização desse direito humano. O dossiê inicia pela importante entrevista concedida pelo Prof. Dr. Steven J. Klees, pesquisador e ativista internacional em defesa de sistemas públicos de educação justos, igualitários, progressistas e não-privatizados. A entrevista Educação pública para além do neoliberalismo: O Projeto de Alternativas (TAP), conduzida por Thais Marin, apresenta o Projeto de Alternativas (The Alternatives Project – TAP) Justiça da Educação para a Transformação Social: Um Marco para Ação, lançado durante o Fórum Social Mundial. Além disso, Klees aborda a atual crise e destaca a importância da articulação entre movimentos e atores sociais, incluindo pesquisadores, para a promoção do que o autor apresenta como justiça educacional, vinculada à justiça social, climática, econômica e política. A privatização do Ensino Superior (ES) é objeto de três artigos, dois dos quais analisam o programa brasileiro Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) tendo em vista constituir-se em importante mecanismo de canalização do fundo público para o ensino superior privado. O primeiro texto, Financiamento estudantil público e a expansão do ensino superior privado no Brasil: o caso da Rede Wyden Educacional, de autoria de Samantha Castro Vieira de Souza e Vera Lúcia Jocob Chaves, a partir da análise de dados recentes e destacando informações sobre a rede privada de educação a distância, que dá nome ao artigo, identifica que a expansão do setor, expressa no número de IES e de matrículas, associa-se à política privatista de transferências de recursos públicos. Por outro lado, em resposta à diminuição do financiamento recebido pelo FIES, as autoras percebem novas estratégias por parte da rede Wyden, destacando modalidades de financiamento estudantil realizadas pela própria IES, a exemplo do Pravaler. O segundo texto, Análise das Relações entre os Setores Público e Privado na Educação Superior no Âmbito do FIES, também analisa o Fundo de Financiamento Estudantil e sublinha suas principais contradições. Nesses termos, Rodrigo Meleu das Neves e Denise Lindstrom Bandeira indicam que o fundo, como programa de inversão financeira mantido pelo Estado, ao passo que potencializou a expansão da educação superior privada no Brasil, configura-se como campo de disputa do orçamento público entre instituições privadas. Situação agravada com o Novo FIES, pelo qual estudantes convertem o pagamento das mensalidades para o financiamento subsidiado, mecanismo que promove o enriquecimento a fundo certo de instituições e o endividamento dos estudantes. O artigo questiona, ainda, a adoção de nota de corte pelo resultado no Enem, considerado um ferrolho na garantia ao direito universal à educação. Dedicado também ao Ensino Superior, o artigo A captação de recursos próprios pelas universidades públicas federais: autonomia ou mercantilização? analisa a diminuição de recursos discricionários – fonte do tesouro e verbas de capital de fontes próprias – para universidades brasileiras, identificando que estas, em contrapartida, recorrem cada vez mais a fontes próprias e fundações de apoio para complementar seus recursos. Além disso, o texto apresenta dados sobre a mercantilização na educação superior em outros contextos: Chile, Estados Unidos da América (EUA) e Portugal. Eduardo F. da Silva Caetano, Ivete M. ISSN: 2236-5907       Disponível em: http://seer.ufrgs.br/fineduca ADRIÃO, Theresa; PERONI, Vera Maria Vidal; GARCIA, Teise de Oliveira GuaranhaApresentação da Seção Temática – Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextosFINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação, v. 11, 2021. 13Barbosa Madeira Campos e Vilma Pereira Cavalcanti consideram que, nesses países, o ensino superior público adotou orientações neoliberais e introduziu a mercantilização por meio da cobrança de taxas e mensalidades, exigências que dificultam o acesso ao ensino superior aos seus respectivos cidadãos. Na outra ponta do processo educativo encontra-se a educação infantil, âmbito analisado por cinco artigos. O primeiro, Educação Infantil nos EUA: a oferta pré-escolar no Distrito Educacional de Los Angeles em foco, é de autoria de Janaina Maudonnet e Theresa Adrião.  O texto apresenta um conjunto diversificado de programas de educação infantil vigentes no país, considerando a natureza federativa e consequentemente descentralizada da oferta educacional nos Estados Unidos. Destaca os programas Califórnia State Preeschool program e Transitional Kindergarten, implementados no Distrito Educacional Unificado de Los Angeles, indicando o aumento do atendimento nas schools charter, com a inclusão das crianças de quatro anos em tais escolas e por consequência o aumento da privatização da oferta educativa via transferência de recursos públicos.   O subsidio público para a instituição privada é também objeto do artigo A privatização dos recursos educacionais através das escolas confessionais: uma análise da Cáritas de Rondonópolis-MT, de Marilda de Oliveira Costa e Tiago dos Santos Rodrigues, no qual se analisam os valores destinados pelo município de Rondonópolis-MT entre 2008 e 2020 à Cáritas Diocesana de Rondonópolis para o atendimento à educação infantil. A análise de dados de receita e gastos conclui que, mesmo com a diminuição no número de matrículas, a organização filantrópica Cáritas continuou recebendo recursos expressivos do poder público, por vezes superando o valor destinado pela prefeitura ao custeio dos alunos de escolas municipais, como ocorrido em 2019, ano em que essa diferença chegou a 142,05%.  Bianca Correa, José Marcelino de Rezende Pinto e Teise de Oliveira Guaranha Garcia analisam a privatização da gestão de creches no município de Ribeirão Preto/SP, no texto Estratégias de privatização da educação infantil em Ribeirão Preto e algumas resistências. Os autores realizam pesquisa documental que comtempla editais e convites direcionados pelo gestor público a Organizações Sociais. A atuação do Conselho Municipal de Educação, polo de resistência à privatização, também é sistematizada. Os autores registram que, apesar da capacidade orçamentária do município para realizar o atendimento educacional diretamente, cresce a perspectiva da privatização como decorrência de opção política. O artigo Processo de privatização da educação infantil no âmbito do FUNDEB, de Monique Robain Montano, Vera Maria Vidal Peroni e Maria Dilnéia Espíndola Fernandes, analisa em duas capitais brasileiras – Campo Grande/MT e Porto Alegre/RS – os avanços na transferência do fundo público para o setor privado. O período, 2009-2020, considera a vigência do Fundeb e o texto sublinha as implicações da privatização para a democratização da oferta nesta etapa da educação obrigatória. O Fundeb também é o ponto de partida para a análise realizada por Fabiana Nery de Lima Pessanha no artigo Financiamento da educação das crianças de 0 a 3 anos no município de São Gonçalo/RJ: limites e tensões entre o público e o privado. Tendo em vista as disputas pelo fundo público no atendimento à pequena infância, a autora retrata o movimento privatista no município carioca, indicando que, além das formas tradicionais de transferência desse fundo a instituições privadas, como convênios, avança a proposição de ISSN: 2236-5907       Disponível em: http://seer.ufrgs.br/fineduca ADRIÃO, Theresa; PERONI, Vera Maria Vidal; GARCIA, Teise de Oliveira GuaranhaApresentação da Seção Temática – Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextosFINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação, v. 11, 2021. 14outras formas de privatização da oferta educacional, como as creches domiciliares e o tensionamento em torno da proposta de voucher, em um contexto de insuficiência no atendimento para a faixa etária de 0 a 3 anos. O autor de Escolas charter e o novo FUNDEB: um necessário obstáculo à privatização e as tentativas de derrubá-lo, Henrique Dias Gomes de Nazareth, desenvolve reflexão sobre as tentativas de mudança no novo fundo visando favorecer a implantação das chamadas escolas charter no País, para o que a transferência do recurso público ao setor privado necessita ser ampliada. O artigo registra com minúcia o movimento no legislativo em âmbito federal em direção a esse objetivo e apresenta provocativa conclusão ao afirmar que o novo regramento é favorável “ao movimento pró-charter no Brasil, sendo o contexto legislativo um importante campo de disputa” na luta pelo direito à Educação. A existência de mecanismo para acesso a dados de contratos entre o poder público e organizações privadas, efetuados por municípios do estado do Rio Grande do Sul como ferramenta de transparência pública e de pesquisa sobre privatização, é tema do artigo LicitaCon Cidadão como ferramenta de transparência na análise de parcerias público-privadas em educação, elaborado por Michele Vollrath Bento, Viviane da Silva Lemos e Maria de Fátima Cóssio.  A análise de contratos, no contexto da pandemia de Covid-19, e as oportunidades de novos mercados educativos a disputar os fundos públicos são o tema de Pandemia: janela de oportunidade para a privatização na educação básica do estado de Pão Paulo, de João Batista Silva dos Santos e Carolina Barbosa Gomes Figueiredo Filho, fundamentado em dados relativos à aquisição de ferramentas para o ensino remoto pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo. O estudo reafirma a incidência de empresas e de filantropos sobre a educação pública paulista, também durante a pandemia. Debruçando-se sobre a América Latina e Caribe, igualmente no contexto da pandemia, o artigo Privatización de la educación en el contexto de la Pandemia y Post-Pandemia: viejos y nuevos rostros que desafían la realización del Derecho Humano a la Educación, produzido por Giovanna Modé Magalhães, Nelsy Lizarazo, Laura Giannecchini e  Adelaida Entenza, por meio de pesquisa documental robusta,  registra a intensificação da privatização no campo educacional, revela formas e “dinâmicas” ajustadas ao contexto, a exemplo do protagonismo de corporações tecnológicas, e sublinha os riscos decorrentes desses novos arranjos de interesses para o direito à educação na região. Tendências no financiamento da educação são objeto de dois artigos, que analisam a privatização em países sul-americanos. O primeiro, Financiación de la Educación en Colombia y Lógicas de Privatización en el Ciclo Obligatorio: del subsidio a la demanda a los ‘nuevos modos de gestión’, cujo autor é Ilich León Gustavo Ortiz, considera que o desfinanciamento estrutural da educação pública, decorrente de políticas de ajuste fiscal, e a introdução de formas de subsídio à demanda, como a subvenção por aluno, concorrem para o agravamento da desigualdade entre territórios e à privatização da oferta educacional da educação básica colombiana. O artigo de Sebastián Donoso-Díaz, Daniel Reyes Araya e Óscar Arias Rojas – El presupuesto público de educación chileno en el siglo XXI y la política de expansión inclusiva del sistema educativo –, ao analisar a performance do orçamento público para a educação entre 1999 e 2018, identifica tendências e prioridades orçamentárias para o gasto com educação. Dentre as conclusões, encontra-se a relação ISSN: 2236-5907       Disponível em: http://seer.ufrgs.br/fineduca ADRIÃO, Theresa; PERONI, Vera Maria Vidal; GARCIA, Teise de Oliveira GuaranhaApresentação da Seção Temática – Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextosFINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação, v. 11, 2021. 15direta entre os movimentos estudantis de 2006 e 2011 e os itens de despesa que compuseram as peças orçamentárias com vistas à ampliação da gratuidade no ensino superior.   O texto que encerra esta Seção Temática assume a tarefa de apresentar um dos principais atores privados de incidência global: Parceria Global pela Educação (GPE, pela sigla em inglês). O artigo de Rui da Silva e Joana Oliveira – A Parceria Global pela Educação e o financiamento da educação: países, atores e contribuições – sistematiza informações entre 2011-2020 sobre doadores privados, volume das doações e os principais destinatários. O estudo pontua as contradições dessa dinâmica de financiamento cujo vetor orienta-se do Norte para o Sul global, como expressão de desigualdades. Finaliza-se esta apresentação ressaltando a pluralidade nas abordagens e a confluência na crítica, pelo conjunto dos artigos, aos processos, formas e estratégias que subvertem a inscrição da educação pública como prioridade do financiamento governamental.  Como complemento, ao/as leitore/as instiga-se perceber que a variedade dos contextos e das ênfases analíticas que integram esta Seção corroboram o pressuposto de que o financiamento público, a oferta educacional gratuita e em condições de ser realizada com qualidade são condições para que direitos sejam assegurados a todes, todos e todas; no caso dos estudos sobre financiamento, essa perspectiva exige a intersecção com os estudos críticos sobre a privatização.  Que a leitura mobilize novas indagações e auxilie na defesa da educação como Direito Humano. Agosto 2021 – Ano II da Pandemia Covid-19.  Theresa Adrião é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Livre-docente pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), atuando nos programas de pós-graduação em educação da mesma universidade e da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT).  ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1181-5873 E-mail: theadriao@gmail.com  Vera Maria Vidal Peroni é doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil (1999). Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6543-8431 E-mail: veraperoni@gmail.com  Teise de Oliveira Guaranha Garcia é professora do curso de Pedagogia e da Programa de Pós-Graduação em Educação da FFCLRP-USP. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4351-3159 E-mail: teise@ffclrp.usp.br 

Apresentação da Seção Temática – Os Recursos Públicos em Disputa: reflexões sobre a privatização da educação em distintos contextos

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