Os territórios metropolitanos são importantes contextos empíricos para desenvolver investigação sobre as tendências de evolução do sistema agroalimentar. Entre outros fatores, essa relevância decorre de aspetos de natureza económica, institucional e social. O presente artigo apresenta uma reflexão sobre o potencial dos nichos de inovação agroalimentar na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Nesse contexto analítico serão considerados casos de estudo que permitem ilustrar as dinâmicas de inovação para a sustentabilidade. Tendo em vista este propósito, serão apresentados os percursos de cada projeto (i.e., perfil e motivações dos seus promotores, importância de medidas de política, estabelecimento de redes de parcerias) e analisadas as particularidades destas iniciativas de base local como agentes de mudança.info:eu-repo/semantics/publishedVersio

Bizarro, S.

Ferreiro, M. de F.

Salavisa, I.

Portuguese

Repositório Institucional do ISCTE-IUL

 15 TRANSIÇÕES NA GEOGRAFIA ALIMENTAR: CIRCUITOS DE ABASTECIMENTO ALTERNATIVOS NA ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA (AML) FERREIRO1, Maria de Fátima; SALAVISA 2, Isabel; BIZARRO3, Sofia 1 ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, fatima.ferreiro@iscte-iul.pt 2 ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, isabel.salavisa@iscte-iul.pt 3 DINÂMIA'CET- Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, sofia.bizarro@iscte-iul.pt  Resumo: Os territórios metropolitanos são importantes contextos empíricos para desenvolver investigação sobre as tendências de evolução do sistema agroalimentar. Entre outros fatores, essa relevância decorre de aspetos de natureza económica, institucional e social. O presente artigo apresenta uma reflexão sobre o potencial dos nichos de inovação agroalimentar na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Nesse contexto analítico serão considerados casos de estudo que permitem ilustrar as dinâmicas de inovação para a sustentabilidade. Tendo em vista este propósito, serão apresentados os percursos de cada projeto (i.e., perfil e motivações dos seus promotores, importância de medidas de política, estabelecimento de redes de parcerias) e analisadas as particularidades destas iniciativas de base local como agentes de mudança.   Palavras-chave: Sistemas Alimentares; Transições; Sustentabilidade; Área Metropolitana de Lisboa 1.  Introdução Nos últimos anos, o crescente debate académico sobre a transição do sistema alimentar impulsionou o desenvolvimento de um extenso corpo teórico alicerçado em diversas abordagens interdisciplinares, com ênfase para a Multi-level Perspective (MLP) (Geels e Schot, 2010).No quadro da reflexão sobre as transições dos sistemas agroalimentares, este modelo conceptual fornece uma estrutura analítica que destaca o papel dos nichos de inovação agrícola (i.e., agricultura biológica, circuitos curtos de abastecimento de produtos agroalimentares) na criação de novas dinâmicas e na alteração de paradigmas (regime na terminologia da literatura das transições). A inadequação das lógicas territoriais vigentes reforça a necessidade e a oportunidade para a exploração de novos modelos de gestão, planeamento e governança, fortalecendo o papel destas incitavas ‘bottom-up’ de base local como agentes de mudança. Esta abordagem requer um conhecimento aprofundado sobre as múltiplas esferas do desenvolvimento (económico, ambiental e social), assim como das diferentes escalas (locais, regionais e (trans)nacionais) que o integram, enfatizando a relevância da dimensão territorial e, nessa medida, da Geografia, e que vem desafiar as atuais teorizações sobre as transições  (Hansen e Coenen, 2014). Neste contexto de investigação, o presente estudo desenvolvido no âmbito do projeto Spatial Planning for Change (SPLACH) pretende contribuir para a reflexão sobre as transições do sistema  16 alimentar no caso das áreas metropolitanas, através da apresentação de casos de estudo na AML. Pretende-se, deste modo, compreender a posição estratégica deste território no contexto das transições do sistema alimentar. Com este propósito, foram feitos vários estudos de caso relativos a projetos inovadores com posições diversas na cadeia de valor de abastecimento alimentar. A caracterização das iniciativas e seus ‘stakeholders’ baseou-se na informação recolhida através de entrevistas a atores-chave (i.e. empresários e líderes das iniciativas) e considera o perfil e motivação dos promotores, a importância das medidas de política, as redes de cooperação e o surgimento de novas práticas sociais, governança e relações inter-organizacionais. Entre outros aspetos, a materialização destas dinâmicas poderá traduzir-se na reestruturação das relações cidade-campo e o no surgimento de uma nova geografia alimentar.  2. Transições do sistema alimentar: conceitos e pistas de reflexão  A MLP corresponde a um quadro analítico, segundo o qual as transições envolvem as seguintes dimensões: nichos (locus das inovações radicais); regimes (locus das práticas e regras estabelecidas); paisagem sociotécnica exógena (Rip e Kemp, 1998).  Nas referências às principais tendências da investigação sobre as transições no sistema alimentar, Sutherland et al. (2015) destacam a importância dos nichos no setor agrícola, (p.e. agricultura biológica, permacultura, agricultura urbana, cadeias curtas de abastecimento, sistemas de certificação) (Goodman e Goodman, 2014). Estas inovações são consideradas por vários autores como redes alimentares alternativas (Renting et  al., 2003; Sonnino e Marsden, 2006), e representam diferentes conceitos, paradigmas e visões sobre a sustentabilidade na agricultura e as transformações das ligações entre produção, distribuição e consumo (Martin et al., 2018).  No caso das transições emergentes, a especificidade das escalas territoriais, os instrumentos de planeamento, assim como as conexões com outros níveis de política são cruciais para facilitar o surgimento e a consolidação dos nichos (Magrini et al., 2019). Nesta medida, os espaços metropolitanos e a sua rede de municípios surgem como contextos empíricos muito relevantes para conhecer os sistemas agroalimentares e entender a especificidade da sua transição, assim como a interdependência entre políticas sectoriais (e.g. agrícola, saúde, ambiente) e recursos (e.g., água, energia) (Schwanen, 2018; Bilali et al., 2018).  Na análise dos casos de estudo é importante considerar as estratégias utilizadas pelos diferentes atores no sentido de assegurar a mudança societal e a sustentabilidade (i.e. ‘lobbying’, formação de redes e de parcerias, o uso dos media e tecnologias, a mudança das instituições (Duineveld, et al., 2009)). A mudança institucional (i.e., leis, procedimentos  17 administrativos, normativos técnicos) é também um aspeto da maior importância no processo de transição para a sustentabilidade. 3. O caso da Área Metropolitana de Lisboa (AML) - Agricultura metropolitana: entre o urbano e o rural A AML ocupa um lugar dominante na hierarquia urbana nacional, concentra cerca de 2,8 milhões de habitantes (27,5% da população do país) (INE, 2018), repartidos por 18 municípios na proximidade da bacia do Rio Tejo, é responsável pela formação de cerca de 36% do PIB e VAB nacionais (INE, Contas Regionais, 2017). A compartimentação da paisagem metropolitana resulta de espaços de confluência de atividades urbanas e rurais (Ferreiro et al., 2016; Tenedório, 2003). A matriz territorial da AML revela, deste modo, uma repartição heterogénea do uso e ocupação do solo, onde o complexo agrícola e florestal (CAF) assume destaque. As áreas agrícolas são a classe de uso de solo com maior representatividade no território regional. Segundo a análise da Cartografia de Ocupação do Solo (2015), ocupam 49% da superfície total da AML, seguidas do uso florestal (28%) e das áreas edificadas (23%). Apesar da sua expressão territorial, as principais tendências estatísticas demonstram o progressivo declínio das funções agrícolas e a diminuição da importância económica do setor primário ao longo dos últimos anos. Segundo o Recenseamento Geral da Agricultura de 2009, a AML acompanhou a tendência nacional caracterizada pela diminuição do número de explorações (decréscimo de 65%, superior à média nacional fixada em 50%) e da Superfície Agrícola Utilizada (SAU). Considerando a transição entre períodos censitários (1999-2009), é possível verificar a diminuição da mão-de-obra agrícola em 38,9%, em particular a de carácter familiar (-41,8%). Pese embora esta tendência recessiva, a SAU ocupa cerca de 30% do total da superfície da AML, assumindo particular relevância nos concelhos de Alcochete e Loures (entre 20% e 30%), Mafra, Montijo e Vila Franca de Xira (30% e 40%) e ultrapassando mais de metade da superfície total em Palmela (62,7%). Em 2016, a contribuição da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca para a formação do emprego (0,1%) e o Valor Acrescentado Bruto (VAB) foi pouco significativa em todas as unidades territoriais nacionais, representando na sua globalidade 2,2% do VAB total, para o qual a AML contribuiu residualmente com 0,4% (INE, Contas Regionais 2017). Atualmente estima-se que a origem da alimentação consumida na AML provenha em 49% do país, 38 % da Europa, 7% da própria AML e 6% do resto do mundo (Benis e Ferrão, 2017). Segundo Avilllez (2009), o rendimento e a produtividade económica das explorações agrícolas da AML assume condições mais favoráveis do que na generalidade das unidades produtivas de Portugal Continental. Por conseguinte, a diversidade e a disponibilidade de recursos (i.e. ambientais, sociais e  18 económicos) geram oportunidades que possibilitam a revitalização da agricultura metropolitana e das suas capacidades produtivas multifuncionais atualmente subaproveitadas (Oliveira, 2002).  4. Metodologia e caracterização da amostra A análise exploratória permitiu reunir uma amostra, constituída por casos que ilustram as iniciativas mais representativas oriundas do setor agroalimentar, com diferentes posições na cadeia de abastecimento (i.e. produção, transformação, distribuição e consumo) e cobertura de atuação na AML. A recolha de informação foi feita através da realização de visitas e a aplicação de entrevistas semiestruturadas a atores-chave dos casos (i.e. empresários e/ou atores relevantes nas iniciativas selecionadas), estudadas em função das dimensões de análise identificadas na revisão de literatura. As entrevistas tiveram lugar entre setembro e novembro de 2018. Os entrevistados têm idades compreendidas entre os 30 e 60 anos, e apresentam níveis de escolaridade que incluem o 6º ano, a frequência universitária e o ensino superior. 5. Análise e discussão dos resultados Os dados recolhidos oferecem uma noção do crescimento de formas alternativas de produzir, distribuir e consumir alimentos no contexto da AML. Os entrevistados referem a frequência de consumidores que pertencem a uma faixa etária mais jovem (20-40 anos), com níveis de escolarização superior, destacando-se os jovens casais com filhos, bem como estrangeiros. Estamos perante projetos que procuram acrescentar valor social (i.e. ambiental, ecológico, cultural), além do valor económico. Deste modo, respondem também às novas exigências dos consumidores e aos desafios de sustentabilidade, revelam preocupações com a redução do desperdício alimentar, a prática de comércio justo, a preservação de sistemas tradicionais de produção, destacando-se ainda a criação de oportunidades de mercado para espécies e matérias-primas comercialmente subvalorizadas e métodos de produção mais sustentáveis. Relativamente ao balanço do percurso dos projetos, entre as principais dificuldades referenciadas destacam-se a desvalorização da agricultura, a carência de apoios e acompanhamento técnico por parte das estruturas governamentais, a excessiva carga burocrática e a inadequação da regulamentação à gestão das operações. É também referida a necessidade de mudar a mentalidade da sociedade para os condicionalismos da agricultura e consumo sustentável, de que são exemplo as restrições impostas pela sazonalidade dos produtos. Os entrevistados consideram que a mudança de paradigma exige uma reeducação alimentar, assim como o acesso alargado à informação. Relativamente aos elementos facilitadores, são mencionadas a rede de parcerias e a resposta dos mercados. No decorrer desta análise deparamo-nos com situações distintas, no que diz  19 respeito à emergência das iniciativas: alguns elementos, sobretudo no caso dos produtores, são iniciativas bottom-up, enquanto reflexo das interações entre as comunidades, organizadas em movimentos cívicos, e os valores ambientais, sociais e culturais; outros correspondem a iniciativas top-down com o envolvimento central de entidades da administração publica regional ou local. A existência de subsídios e de apoios do Estado (e.g. BIP/ZIP, PRODER e LEADER, processos de certificação e assistência técnica) é transversal a todas as tipologias. O desenvolvimento de circuitos curtos (Tibério, 2013) constitui uma das principais inovações nas formas de distribuição, assumindo um papel central na dinâmica de transição do sistema alimentar, na medida em que estabelece uma ligação direta ou quase direta entre produtores e consumidores.  6. Conclusão  A modernização do sistema alimentar foi acompanhada por novas lógicas de produção e consumo, determinantes para a reestruturação funcional, económica e social dos espaços metropolitanos. A sua sustentabilidade é uma questão emergente na agenda das entidades públicas, privadas e da sociedade civil, as quais assumem cada vez mais a respetiva responsabilidade na estruturação de soluções e políticas alternativas, ao nível local, regional e nacional. Os dados recolhidos e apresentados ao longo do artigo oferecem uma ilustração do crescimento de formas alternativas da cadeia de abastecimento no contexto da AML e são reflexo da emergência de novos valores e estratégias de sustentabilidade, no que diz respeito ao sistema alimentar. A proximidade de um grande número de consumidores, isto é, a existência de mercado, e a diversidade e disponibilidade de recursos, nomeadamente área agrícola, geram oportunidades para a revitalização das capacidades produtivas multifuncionais do território metropolitano, bem como a co-criação entre consumidores e produtores de um novo paradigma de sustentabilidade territorialmente ancorado. A compreensão do sistema alimentar urbano na AML deve envolver uma abordagem integrada e sistémica e operacionalizar ferramentas multidisciplinares de planeamento e ordenamento do território que permitam responder aos desafios da transição para a sustentabilidade.  7. Bibliografia Avilez, F. (2009). Diagnóstico Sectorial - Agricultura e Florestas. Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa. Lisboa: CCRDLVT. Benis, K., & Ferrão, P. (2017). Potential mitigation of the environmental impacts of food systems through urban and peri-urban agriculture (UPA) e a life cycle assessment approach. Journal of Cleaner Production, 140 (2), 784-795. Direção Geral do Território. (2015). Cartografia de Uso e Ocupação do Solo Disponível em: http://mapas.dgterritorio.pt/geoportal/catalogo.html   20 Duineveld, M., Beunen, R.,Van Assche, K., During, R., & Van Ark, R. (2009). The relationship between description and prescription in transition research. In K. J. Poppe, C. Termeer & M. Slingerland (Eds.), Transitions towards sustainable agriculture and food chains in peri-urban areas, (pp. 309–322). The Netherlands: Wageningen Academic Publishers. El Bilali, H., Callenius, C., Strassner, C., & Probst, L. (2018). 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Revista da Rede Rural Nacional, (3), 6–9.    

Transições na geografia alimentar: circuitos de abastecimento alternativos na Área Metropolitana de Lisboa (AML)

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