Ilha e marinheiros

Abstract

Marinheiro de mim mesmo, lá por 1985, sob Sarney, finda a ditadura, cada dia mais se falava na possibilidade do Brasil reatar relações com Cuba. Eu abri os olhos pós-parto, três dias após a entrada dos Revolucionários Che, Fidel, Cienfuegos e a trupe toda, para tentar mudar a vida deles, a do mundo e a minha em janeiro de 1959. Minha mãe querida nem tinha como imaginar que estaria trazendo à vida um ser alugado e sempre a favor dos que lutam contra as injustiças e misérias do mundo. Mesmo com relações cortadas resolvi zarpar do meu país triste para atracar na “Ilha da fantasia” (no melhor dos sentidos). Marinheiro de primeira viagem, sem contatos, mas com lenço, documento e uma câmera fotográfica nas mãos, saí a caminhar, flâneur, buscando o que eu tinha ido importar para o Brasil: uma crônica visual sobre aquele mundo que tinha apenas 27 anos de sonhos. Fiz o que pude, como pude, interagi com poucas pessoas, mesmo encontrando amigos da minha cidade, que estavam lá para um congresso de psicologia. Já que eu não teria a possibilidade de fotografar Fidel, o cotidiano de julho de 1986 eu já tinha registrado a minha maneira, solitário. Voltei para casa pensando na próxima viagem até lá. No tempo fui me perdendo, em 1988 fui para a Nicarágua pensando ser um projeto novo que copiava Cuba. Fui inspirado em Cortazar. Pelas “mãos” dele viajei todo o país até o Arquipélago de Solentiname. Nicarágua tudo diferente, outro artigo futuro, por certo. Nas ondas do tempo e dos anos fotografei a Alemanha Comunista DDR, antes Paris, Barcelona, depois, em 1990, voltei para medir as “consequências” da, assim chamada, Reunificação da Alemanha, fato que marcava o fim do chamado Socialismo Real. Brasil em crise por culpa dos neoliberais, que a mídia trata de eleger, fiquei quieto de volta no meu Porto chamado Alegre, mas quase nunca assim como tal. Voltei para a minha “casa”, a Antropologia da UFRGS para fazer o Mestrado, me qualificar, sempre querendo melhor aprender a olhar, lembro Galeano aqui. Para as embarcações e os marinheiros, em viagem ou não, o tempo passa mesmo que as águas não sejam revoltas nem pacíficas. Nunca passou a sensação que deveria fazer um ajuste de contas com Cuba — Havana, principalmente — saí de lá meio rápido demais em 1986, esqueci um pedaço do fotógrafo jovem Achutti, pois logo retornaria mas tarde. Sim, um jovem Achutti ficou lá, flanando em Havana sem dar notícias durante 30 anos. O Mundo mudou, diz-se que Cuba está parada no tempo. Em julho de 2016, exatos 30 anos depois, decidi voltar e novamente deambular sem praticamente ninguém e, mais do que tudo, resgatar-me do “mar”, então revolto, da utopia que mudou o mundo e as nossas vidas, ou não. Era hora do pedaço de mim de 1986 voltar para esse Porto do sul do Mundo. Em julho de 2016, Havana falava ao celular, as roupas eram outras, camisetas, as cores mais fortes e definidas sob o cenário de paredes lindamente grafitadas como nunca antes. Muitos turistas, burburinho como nas grandes capitais da Europa. Não mudaram o calor e a falta de conservação dos prédios, todos históricos, da Havana Vieja, capital de um país pobre, mas rico. Uma ilha de não violência, pessoas instruídas, simples mas não simplórias, gentis como em nenhum outro lugar. Foram oito dias de caminhadas de um homem quase sexagenário sob o sol inclemente de 40 graus. Mas meu porto era outro, Porto Triste. Referências: Cortázar, Julio. Nicaragua tão violentamente doce, Brasília: Ed. Brasiliense, 1987.Galeano, Eduardo. O Livro Dos Abraços, Porto Alegre, Ed. Lpm, 1989.Hohlfeldt, Antônio (Org.). Cuba da Agricultura as artes plásticas,Porto Alegre: Editora Mercado Aberto, 1987

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