Na taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, a necessidade do átrio para a manutençao da taquicardia é controverso. Descrevemos um caso de fibrilaçao atrial ocorrendo durante taquicardia por reentrada nodal atrioventricular sem afetar o ciclo da arritmia, e discutimos as evidências favorecendo a presença de uma via comum superior

Rafael de March Ronsoni

Tiago Luiz Luz Leiria

Tiago Luiz Silvestrini

Vidal Essebag

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Relato de CasoRelampa 2015;28(4):171-4171Fibrilação atrial durante taquicardia por reentrada nodal atrioventricular: achado sugestivo da presença de via superior comum nodalAtrial fibrillation during atrioventricular nodal reentry tachycardia: a suggestive finding favoring the presence of the upper common nodal pathwayRafael de March Ronsoni1, Tiago Luiz Luz Leiria2, Tiago Luiz Silvestrini3, Vidal Essebag4Resumo: Na taquicardia por reentrada nodal atrioventricular, a necessidade do átrio para a manutenção da taquicardia é controverso. Descrevemos um caso de fibrilação atrial ocorrendo durante taquicardia por reentrada nodal atrioventricular sem afetar o ciclo da arritmia, e discutimos as evidências favorecendo a presença de uma via comum superior. Descritores: Taquicardia por Reentrada Nodal Atrioventricular; Taquicardia Supraventricular; Fibrilação Atrial.Abstract: In Atrioventricular Nodal Reentry Tachycardia the requirement of the atrium for the maintenance of tachycardia is controversial. We describe a case of atrial fibrillation that occurred during Atrioventricular Nodal Reentry Tachycardia without affecting the arrhythmia cycle, and discuss the evidences favoring the presence of an upper common pathway.Keywords: Tachycardia, Atrioventricular Nodal Reentry; Tachycardia, Supraventricular; Atrial Fibrillation.Trabalho realizado no Instituto de Ritmologia Cardíaca, Joinville, SC, Brasil.1. Eletrofisiologista do Instituto de Ritmologia Cardíaca, Joinville, SC, Brasil. 2. Eletrofisiologista do Serviço de Eletrofisiologia e professor do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia, Porto Alegre, RS, Brasil. 3. Eletrofisiologista do Instituto de Ritmologia Cardíaca, Itajaí, SC, Brasil. 4. Diretor do Setor de Eletrofisiologia Cardíaca, McGill University Health Center, Montreal, Canadá.Correspondência: Rafael de March Ronsoni. Rua Salvador, 25 – América – Joinville, SC, Brasil – CEP 89204-353E-mail: rafaelronsoni@gmail.comArtigo submetido em 3/2015 e publicado em 12/2015.IntroduçãoTaquicardia por reentrada nodal atrioventricu­lar (TRNAV) é a causa mais comum de taquicar­dia supraventricular. A visão clássica de um meca­nismo de circuito de reentrada utilizando duas partes distintas, composto por vias de condução rápida e lenta, foi validada em estudos com ani­mais e humanos1. No entanto, na literatura ainda é debatido o papel do átrio para a manutenção da taquicardia2,3. Além disso, a existência de uma via superior comum, conectando as alças do circuito, é um assunto controverso4.Relato do CasoMulher de 37 anos de idade, com história de pal pitações recorrentes e vários episódios de taqui­cardia supraventricular, foi encaminhada a nosso serviço para estudo eletrofisiológico e, se necessá­rio, ablação por cateter. A paciente não tinha his­tória mórbida pregressa, fazia uso de bloqueador de canal de cálcio e apresentava falha terapêutica. O ecocardiograma estava dentro da normalidade e a paciente negava história familiar de doenças cardíacas. A paciente foi encaminhada a nosso laboratório em jejum e recebeu sedação consciente com apli­cação de 1 mg de midazolam e 25 mcg de fen tanil. Ca teteres foram posicionados em seio co ronário (decapolar), ápice de ventrículo direito (quadripolar) e região de feixe de His (quadripolar) (Figura 1).Para gravação e estimulação programada, uti­li zamos o equipamento EP­TracerT (Cardiotek, Relato de CasoRelampa 2015;28(4):171-4Ronsoni RM, Leiria TLL, Silvestrini TL, Essebag V172Holanda). A avalição inicial demonstrou intervalos de condução normais (PA = 22 ms, AH = 97 ms e HV = 43 ms). A estimulação de ápice de ven­trículo direito demonstrou condução retrógrada concêntrica e decremental. Houve término da con­dução ventrículo­atrial quando a estimulação foi realizada com 300 ms. Estimulação com extraestímulos no cateter de seio coronário demonstrou a presença de fisiologia de dupla via nodal e induziu uma taquicardia supra­ventricular de complexo estreito com um intervalo VA curto e ativação atrial retrógrada con cêntrica (Figura 2). Sobre­estimulação atrial durante taqui­cardia supraventricular dissociou o átrio da taquicar­dia (intervalo H­H e intervalo H­V permaneceram regulares) (Figura 3 A), sugerindo que o átrio não era necessário para a manutenção da taquicardia (excluindo taquicardia atrial ou TRNAV). Depois do término da sobre­estimulação atrial, houve uma pausa provavelmente decorrente de bloqueio da condução retrógrada para o átrio (quarto batimento da Figura 3 A, também sugerindo que o átrio não é necessário para a taquicardia). Um segunda esti­mulação atrial na forma de burst durante taquicar­dia supraventricular degenerou em fibrilação atrial, mas os intervalos H­H permaneceram regulares Figura 2: Estimulação com extraestímulo no cateter no seio coronário, demonstrando presença de comportamento de dupla via nodal com indução de taquicardia supraventricular com intervalo VA curto e ativação atrial retrógrada concêntrica.Figura 1: Imagens radiológicas: em A, oblíqua anterior direita 45 graus; em B, oblíqua anterior esquerda 45 graus. OAD = oblíqua ante-rior direita; OAE = oblíqua anterior esquerda.A BRelampa 2015;28(4):171-4Fibrilação atrial durante taquicardia por reentrada nodal atrioventricular: achado sugestivo da presença de via superior comum nodal173da fibrilação atrial e a taquicardia supraventricular continuou na mesma frequência (Figura 4).Figura 4: Término da fibrilação atrial com continuação da taquicardia por reentrada nodal atrioventricular.apesar da ativação caótica nos eletrogramas do seio coronário (Figura 3 B). Houve término espontâneo Figura 3: Em A, sobre-estimulação atrial durante taquicardia supraventricular, dissociando o átrio da taquicardia (intervalos H-H e H-V permaneceram regulares). Em B, segunda sobre-estimulação atrial durante taquicardia supraventricular, degenerando para fibrilação atrial (intervalo H-H permanece regular, apesar da caótica ativação atrial no seio coronário). ABRelato de CasoRelampa 2015;28(4):171-4Ronsoni RM, Leiria TLL, Silvestrini TL, Essebag V174A ablação foi realizada através de um cateter ponta 4 mm posicionado na região inferior do triângulo de Koch (região lenta nodal) e radiofre­quência foi aplicada durante 60 segundos, acom­panhada por ritmo juncional lento. Depois de 15 minutos de observação, foi realizada estimulação atrial com ausência de reindução da taquicardia, mesmo sob infusão de isoproterenol. Discussão A presença de uma via comum do nó atrioven­tricular é uma questão de debate. Alguns autores afirmam que dissociação durante TRNAV susten­tada é fenômeno raro, ocorrendo em menos de 1% dos pacientes com TRNAVs induzidas por estudo eletrofisiológico1. Em nosso caso, a ocorrência de fibrilação atrial durante TRNAV é um exem­plo de dissociação atrial durante taquicardia. Os eletrogramas intracardíacos (Figura 4) revelaram TRNAV típica acompanhada por ativação atrial caótica vista inicialmente nos eletrogramas do seio coronário, seguida pelo término da fibrilação atrial, pela restauração da ativação concêntrica or ganizada atrial e pela continuação da TRNAV. O ciclo ventricular durante fibrilação atrial era idêntico ao ciclo na TRNAV imediatamente antes e após o término da fibrilação atrial. Isso sugere que a ativação ventricular resultou da TRNAV em curso a despeito da presença de fibrilação atrial no átrio. Seguindo o término espontâneo da fibrilação atrial, a próxima ativação atrial (último batimento da Figura 4) é retrógrado, com intervalo VA simi­lar ao da continuação da TRNAV. Esses achados sugerem a ocorrência de bloqueio anterógrado em uma via comum superior no nó atrioventricular, que não permite à fibrilação atrial penetrar no circuito da taquicardia. Outra possibilidade é de que a fibrilação atrial foi conduzida com intervalo RR muito próximo da regularidade (coincidente­mente com o mesmo ciclo da TRNAV) e a última frente de onda de ativação atrial durante fibrila­ção atrial foi conduzida por meio da via lenta, e a TRNAV foi reiniciada.Não é possível esclarecer, por nossos traçados, se a via comum superior consiste de tecido atrial localizado na região perinodal ou se é uma estru­tura composta de células nodais. A ocorrência de dupla taquicardia como apresentada em nosso caso não é um achado comum. Chen e Josephson5 publicaram um caso similar, mas a arritmia clíni ca era fibrilação atrial ao invés de TRNAV. Esses au tores demonstraram, como nós, a transição de fi brilação atrial para TRNAV. Este caso apoia fortemente a suposição de que o átrio não é necessário para manter a TRNAV, favorecendo a presença de via superior comum.Referências1. Prystowsky EN. Atrioventricular node reentry: physiology and radiofrequency ablation. Pacing Clin Electrophysiol. 1997;20(2 Pt 2):552­71. 2. Miller JM, Rosenthal ME, Vassallo JA, Josephson ME. Atrioventricular nodal reentrant tachycardia: studies on upper and lower “common pathways.” Circulation. 1987;75(5): 930­40. 3. McGuire MA, Lau KC, Johnson DC, Richards DA, Uther JB, Ross DL. Patients with two types of atrioventricular junctional (AV nodal) reentrant tachycardia. Evidence that a common pathway of nodal tissue is not present above the reentrant circuit. Circulation. 1991;83(4):1232­46. 4. Josephson ME. Clinical Cardiac Electrophysiology: Techni­ques and Interpretations. 4th ed. Philadelphia, USA: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. 5. Chen J, Josephson ME. Atrioventricular nodal tachycardia occurring during atrial fibrillation. J Cardiovasc Electrophy­siol. 2000;11(7):812­5. 

Fibrilaçao atrial durante taquicardia por reentrada nodal atrioventricular: achado sugestivo da presença de via superior comum nodal

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