Relata-se o caso de uma paciente que, durante troca do gerador do marcapasso definitivo, foi tratada com propafenona após desenvolver fibrilaçao atrial no período intraoperatório. Os limiares eram moderadamente aumentados no pré-operatório, entretanto, estáveis. Horas após a administraçao de 600 mg de propafenona, a paciente apresentou síncope justificada pela perda de comando ventricular. A avaliaçao do dispositivo mostrava perda de captura por aumento do limiar ventricular medido em 5,0V/0,6 ms, corrigida por estimulaçao com energia máxima de saída do gerador. No dia seguinte, após nova avaliaçao, o limiar havia retornado ao valor previamente aferido e a energia de saída do gerador diminuiu, mantendo-se estável após seis meses de seguimento

Bruno Papelbaum

Carlos Eduardo Duarte

Joao Paulo Velasco Pucci

Jorge Raul Castro Dorticos

José Tarcísio Medeiros de Vasconcelos

Rafael Cardoso Jung Batista

Silas dos Santos Galvao Filho

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Relato de CasoRelampa 2014;27(1):49-5249Falha de estimulação ventricular por variação aguda do limiar de comando induzida pela propafenona em portadora de marcapasso definitivo: relato de casoVentricular stimulation failure due to acute propafenone-induced command threshold variation in a patient with permanent pacemaker: case reportJoão Paulo Velasco Pucci1, Silas dos Santos Galvão Filho2, José Tarcísio Medeiros de Vasconcelos3, Rafael Cardoso Jung Batista4, Jorge Raul Castro Dorticos5, Bruno Papelbaum6, Carlos Eduardo Duarte6Resumo: Relata-se o caso de uma paciente que, durante troca do gerador do marcapasso definitivo, foi tratada com propafenona após desenvolver fibrilação atrial no período intraoperatório. Os limiares eram moderadamente aumentados no pré-operatório, entretanto, estáveis. Horas após a administração de 600 mg de propafenona, a paciente apresentou síncope justificada pela perda de comando ventricular. A avaliação do dispositivo mostrava perda de captura por aumento do limiar ventricular medido em 5,0V/0,6 ms, corrigida por estimulação com energia máxima de saída do gerador. No dia seguinte, após nova avaliação, o limiar havia retornado ao valor previamente aferido e a energia de saída do gerador diminuiu, mantendo-se estável após seis meses de seguimento.Descritores: Propafenona, Marcapasso Artificial, Fibrilação AtrialAbstract: This is the case report of a patient who was treated with propafenone during the exchange of a permanent pacemaker generator, after the development of atrial fibrillation during the procedure. The thresholds were moderately increased in the preoperative period, however, they were stable. Hours after the administration of 600 mg of propafenone, the patient had a syncope which was explained by the loss of ventricular command. The evaluation of the device showed there was loss of capture due to the ventricular threshold increase, which as measured as 5.0V/0.6 ms and was adjusted by stimulation with maximum outlet energy of the generator. On the following day, after a new assessment, the values had returned to normal, the generator outlet energy decreased, and remained stable after six months of follow-up. Keywords: Propafenone, Artificial Pacemaker, Atrial Fibrillation 1 - Médico Assistente da Clínica de Ritmologia Cardíaca. Pós-graduado em Eletrofisiologia Invasiva e Estimulação Cardíaca Artificial. 2 - Diretor Presidente da Clínica de Ritmologia Cardíaca. Especialista em Eletrofisiologia Invasiva pela SOBRAC, Especialista em Estimulação Cardíaca Artificial pelo DECA. 3 - Coordenador da Pós-graduação da Clínica de Ritmologia Cardíaca. Especialista em Eletrofisiologia Invasiva pela SOBRAC, Especialista em Estimulação Cardíaca Artificial pelo DECA. 4 - Médico Assistente da Clínica de Ritmologia Cardíaca. 5 - Médico Estagiário da Clínica de Ritmologia Cardíaca. 6 - Médico Assistente da Clínica de Ritmologia Cardíaca. Especialista em Eletrofisiologia Invasiva pela SOBRAC. Habilitação em Estimulação Cardíaca Artificial pelo DECA. Correspondência: Dr. Silas dos Santos Galvão Filho. Clínica de Ritmologia Cardíaca do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. Rua Maestro Cardim, 769 - Bela Vista. São Paulo - SP. CEP 01323-900. E-mail: dr.jppucci@gmail.comArtigo submetido em 11/2013 e publicado em 03/2014.Relato de CasoRelampa 2014;27(1):49-52Pucci JPV, Galvão Filho SS, Vasconcelos JTM, Batista RCJ, Dorticos JRC, Papelbaum B, Duarte CE50IntroduçãoÉ sabido que os fármacos antiarrítmicos po dem alterar os limares de estimulação cardíaca artifi-cial. Os efeitos induzidos por essas substâncias interferem na eficácia e até mesmo na capacidade dos dispositivos cardíacos eletrônicos implantá-veis de identificar arritmias cardíacas1,5. Esse efeito adverso capaz de causar acréscimos nos limiares de estimulação e sensibilidade parece ser relacionado à dose e é mais evidente em terapias prolonga-das. Entretanto, a magnitude da interferência não com promete a segurança da estimulação, con-forme os registros da literatura. A propafenona, antiarrítmico da classe IC, também pode alterar os limiares de estimulação cardíaca e desfibrilação4. Relato do casoTrata-se de uma paciente, com 79 anos, 67 kg, branca, de nacionalidade francesa, do lar, por-tadora de marcapasso de dupla câmara por oito anos por BAV de 2º grau Mobitz II, associado a síncopes. Foi submetida à troca profilática de gerador por desgaste da bateria. Hipertensa, fazia uso de Losartana 50 mg/dia, apresentava função renal débil, com clearance de creatinina estimado em 34,46 mL/min. A função cardíaca era normal, com fração de ejeção do ventrículo esquerdo estimada em 67%, DDVE de 45 mm, DSVE 27 mm, aorta 30 mm, átrio esquerdo 37 mm, septo 7 mm, PP 7 mm e VD 15 mm. Os limiares pré-operatórios atrial e ventricular eram de 0,75 V/0,5 ms e 2,5 V/0,4 ms, respecti-vamente. Não havia alterações nas impedân cias dos cabos-eletrodos que sugerissem comprome-timento do condutor ou lesões no isolante. Não houve necessidade de troca dos cabos-eletrodos, aceitando-se os limiares crônicos. No transoperatório, a paciente apresentou fi -brilação atrial durante o teste de captura atrial, com estabilidade hemodinâmica, sendo administrados 600 mg de propafenona oral imediatamente. O procedimento foi concluído com sucesso, com o marcapasso funcionado normalmente, porém com a paciente ainda em fibrilação atrial. Seis ho ras depois, a paciente apresentou queda impor-tante da frequência cardíaca, hipotensão arterial e síncope. O ECG de superfície (Figura 1) e a ava-liação do dispositivo (Figura 2) mostravam perda de comando e aumento agudo do limiar de esti-mulação ventricular para 5,0 V/0,6 ms. Os cabos--eletrodos encontravam-se nas posições habituais, aferidas em três incidências radiográficas, AP 0o, Figura 1: Eletrocardiograma demonstrando perda de captura ventricular.Figura 2: Telemetria do dispositivo que demonstra aumento do limiar de comando ventricular, o que justifica a perda de captura observa­da na figura 1.Relampa 2014;27(1):49-52Falha de estimulação ventricular por variação aguda do limiar de comando induzida pela propafenona em portadora de marcapasso definitivo:  relato de caso51OAE 35o e OAD 30o (Figura 3), sem sinais suges-tivos de tensão ou fratura. Não foi cogitada a pos-sibilidade de deslocamento, por não se tratar de cabos-eletrodos recém-implantados. Os exames laboratoriais não demonstravam quaisquer distúr-bios hidroeletrolíticos, ácido-básicos ou sugestivos de lesão miocárdica que pudessem justificar ou interferir nos limiares de estimulação. Após a reprogramação para energia máxima de saída, a paciente apresentou-se assintomática. No dia seguinte, foi realizada nova avaliação que demonstrou diminuição do limiar ventricular, com retorno ao valor previamente aferido. A energia de estimulação foi reprogramada para os valores anteriores. O eletrocardiograma realizado após as modificações mostrava ritmo de marcapasso nor-mal em modo DDD (Figura 4). Após seis meses de seguimento, a paciente con tinua em acompanhamento ambulatorial sem quais quer variações do ritmo cardíaco e dos limia-res de estimulação comprovadas por Holter e tele-metria do dispositivo.DiscussãoO caso relatado descreve um quadro dramá-tico que chama atenção para a importância de um tema muitas vezes esquecido: a interação entre fár-macos e dispositivos cardíacos de estimulação arti-ficial. Essas próteses muitas vezes são prescritas a indivíduos com miocardiopatias e doenças de base que necessitam de associação de vários fármacos para seu tratamento.Os antiarrítmicos da classe IC, particularmente, são grandes causadores de interação com os dispo-sitivos cardíacos no que diz respeito aos limiares de estimulação e desfibrilação. Tais substâncias devem ser usadas com cautela, especialmente nos pacientes dependentes de estimulação cardíaca2,5. A propafenona, única substância do grupo IC disponível no Brasil para uso clínico, é inibi-dora potente dos canais rápidos de sódio, gerando depressão importante na curva ascendente do potencial de ação cardíaco. Seus efeitos variam desde o prolongamento variável do potencial de ação, com consequente efeito inibitório sobre o sistema de condução e diminuição da excitabili-dade, do automatismo e da atividade deflagrada da célula miocárdica, até a depressão da função ventricular esquerda2-5. A propafenona possui efeito anestésico local e estabilizador de membrana, atuando sobre os canais rápidos de sódio e podendo levar ao pro-longamento dos intervalos AH, HV, PR e QRS e períodos refratários atrial e ventricular, com con-sequente alteração dos limiares de estimulação das câmaras cardíacas2,4,5. Figura 3: Incidências radiográficas em PA, OAD 30º E OAE 35º, da esquerda para a direita.Figura 4: Eletrocardiograma normal após a programação final do dispositivo. Ritmo de marcapasso no modo DDD (Ap­Vp).Relato de CasoRelampa 2014;27(1):49-52Pucci JPV, Galvão Filho SS, Vasconcelos JTM, Batista RCJ, Dorticos JRC, Papelbaum B, Duarte CE52A dose de 600 mg administrada por via oral à paciente é conhecida na prática clínica como esquema pill in the pocket, bastante utilizada para reversão do ritmo de fibrilação atrial inicial, inclu-sive como tratamento domiciliário. A alternativa terapêutica, entretanto, possui algumas limitações no que diz respeito à função miocárdica e antes de ser instituída deve ser testada em ambiente hospi-talar a fim de que possíveis efeitos adversos sejam identificados e tratados. No caso descrito, a dose alta de propafenona, somada a fatores como a idade, o peso e a função renal débil, parece ter sido a causadora de varia-ção aguda no limiar de estimulação ventricular que levou à falha de captura e consequentemente aos sintomas, uma vez que não foram identifi-cados outros fatores predisponentes, tais como interação medicamentosa entre a propafenona e a losartana, que pudessem resultar na alteração descrita. O limiar crônico elevado, aferido no pré--operatório, também pode ser considerado outro fator contribuinte, uma vez que o valor aumen-tado de monstra que o cabo-eletrodo já não se apresentava em condições ideais. A ação de fár-macos sobre o limiar de comando acontece inde-pendente do tempo de implante. Entretanto, a elevação do li miar pré-existente, somada à inter-ferência provocada pela medicação, contribuiu para a perda de captura ventricular. Stevens et al. mostraram não haver aumento significativo dos limiares de estimulação quando administra-das doses diárias de propafenona entre 475 e 600 mg/dia4. No caso relatado, a administração de 600 mg em dose única à paciente em questão demonstrou o contrário. ConclusãoO caso apresentado ressalta a importância da interação entre fármacos e dispositivos de estimu-lação cardíaca artificial, tema que deve ser sempre considerado pelo clínico. A prescrição de medica-mentos, em especial os fármacos da classe IC, re -presentados pela propafenona, deve ser monitorada rigorosamente nos pacientes com características que possam alterar o metabolismo da substância e, principalmente, nos dependentes de estimulação cardíaca permanente, fato que pode ser desastroso e com consequências potencialmente letais. AgradecimentosSinceros agradecimentos aos meus professo-res Dr. Silas e Dr. José Tarcísio e ao meu grande amigo Dr. Rafael pelo companheirismo durante as inúmeras dificuldades que juntos enfrentamos. Referências1. Amin Al-Ahmad, et al. Pacemakers and Implantable Car-dioverter Defibrillators: An expert’s manual. Minneapolis, Minnesota: Cardiotext publishing, 2010. 464p.2. Gonçalves, J.G.F.; Júnior, S.I.; Melo, C.S. Fármacos An-tiarrítmicos. In. Celso Salgado de Melo. Temas de marcapas-so. 4 ed. São Paulo: Leitura Médica Ltda.; 2011. p. 743-792.3. Goldschlager, Nora et al. Environmental and Drugs effects on patients with pacemakers and Implantable Cardioverter/Defibrillators: A practical guide to patient treatment. Arch Intern Med 2001 Mar; 161: 649-55.4. Stevens, Stefanie K et al. Effects of Oral Propafenone on Defibrillation and Pacing Thresholds in Patients Receiving Implantable Cardioverter-Defibrillators. JACC 1996 Aug; 28(2):418-22.5. Krauthamer, Victor. The Pharmacology of Electrical Sti-mulation in the Heart: Where Devices meet Drugs. Drug Discov Today Technol 2007;4(2):63-7.

Falha de estimulaçao ventricular por variaçao aguda do limiar de comando induzida pela propafenona em portadora de marcapasso definitivo: relato de caso

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